Barbatuques, Só +1 Pouquinho por Tati Wexler 11

Barbatuques nos EGC mostram que pessoas são melodias

Existe algo mais vibrante e também poético do que transformar o corpo num instrumento musical, com ritmo, sonoridade e movimento?

Certamente é mágico!

Também é a  própria definição do Barbatuques. Um grupo de pessoas que usa a percussão corporal, como bater palmas, estalar dedos ou estalar a língua no céu da boca e a partir daí produzir  incríveis criações rítmicas e gostosas melodias. 

Em torno de 15 pessoas que  “furaram a bolha” da arte musical e provaram do novo para criar recursos percussionistas e buscar  as ilimitadas possibilidades do corpo e o encanto dos ritmos sincronizados. O resultado é incrível!

Vale destacar aqui que  Barbatuques foi interagir no debate “Como furar a bolha e sair do quadrado” realizado pelos Estados Gerais da Cultura,  que reuniu a filósofa, Márcia Tiburi e o professor João Cézar de Castro Rocha( clique aqui para assistir). Os dois intelectuais reconhecem o papel importante da cultura, a não acessória, no desenvolvimento de um país e na liberdade de um povo. “A cultura é a práxis política mais profunda que uma sociedade pode ter, que um governo pode ter, ou seja, é ali na cultura que a gente vai fazer com que as pessoas pensem, pratiquem, sintam, vivam aquilo que consideramos ser os valores democráticos. Mas podemos também fazer da cultura um inferno. A cultura pode ser um território do ódio”,  afirmou Márcia Tiburi durante o debate, ao tratar do grave e sério momento em que vivemos com o crescimento do poder da extrema-direita no mundo.

“Reconhecidos pela sua linguagem única de percussão e música corporal, o grupo Barbatuques tem mais de duas décadas de atividades artística e pedagógica pelo mundo. O músico, pesquisador e educador, Fernando Barba (1971 – 2021) foi o criador dessa história. A música do grupo é produzida apenas com o corpo: palmas, estalos, vozes, pés e diversas outras técnicas que criaram, resultando em uma sonoridade singular e impactante.

No palco, o Barbatuques traz um show com repertório especial, que circula por todos os trabalhos já lançados pelo grupo. Clássicos dos primeiros discos como Baianá (hit que ganhou o mundo), Barbapapa´s groove, Carcará e Baião Destemperado, juntam-se ao repertório mais recente que traz músicas como Ayú, Skamenco, Kererê e Você Chegou (Rio 2). Um apanhado rítmico que representa a sonoridade do grupo desde a sua criação. 

 

 O grupo se apresenta pelo mundo, fazendo shows para todos os públicos, oficinas e atividades pedagógicas para perfis variados e projetos para crianças.

Entretanto, a música do Barbatuques alcançou grandes voos e foi além dos palcos – dos mais de 30 países quejá se apresentaram, estão em trilhas sonoras diversas no cinema, em séries para TV, publicidade e jogos, estão nas pistas de dança pelo mundo, embaladas por grande DJs, como Alok, e também em diversas versões remix. Entre os eventos que participaram, vale citar a cerimônia de encerramento das Olimpíadas Rio 2016, a Copa do Mundo da África (2010), tantas edições do International Body Music Festival (EUA), Europalia (Bélgica) e Lollapalloza Brasil. A linguagem musical desenvolvida pelo grupo contribuiu significativamente para a difusão da música corporal, tornando-se ainda uma importante ferramenta pedagógica.

A sonoridade do Barbatuques mostra uma sobreposição de estilos e estéticas, passando pelo baião, coco, samba, maracatu, rap, afoxé, funk, carimbó, toré indígena, choro, rock, beatbox, kecak e a música africana. São canções e músicas “instrumentais” que exploram a fonética, aspectos rítmicos, harmônicos e melódicos. Variando entre o erudito, a tradição popular brasileira e o pop contemporâneo.
O Barbatuques leva a música corporal pelo mundo sempre surpreendendo o público, comouma orquestra corporal ou uma banda que toca da cabeça aos pés. Fonte: Barbatuques – Tenda Artística / Estados GErais da Cultura

Mulheres Facetadas - Di Cavalcanti /1968

“Escrever é minha zona de prazer e é também minha cena de dor”

Nada mais justo que homenagear Conceição Evaristo na semana dedicada a mulher e junto ilustrar com Mulheres Facetadas de Di Cavalcanti.

A obra de Di Cavalcanti representa as inúmeras mulheres em uma só voz e é  pela voz e escrita da grande escritora contemporânea Conceição Evaristo, que ecoam  lutas contra injustiça, desigualdade social e combate ao racismo. A sua escrita é um ato político.

Romancista, poeta e contista premiada, é também educadora aposentada e pesquisadora da cultura afro-brasileira, Conceição Evaristo carrega  em sua ancestralidade a história oculta de um Brasil racista e por intermédio de sua ‘escrevivências’ fortalece e potencializa o papel  da mulher negra como influenciadora da nacionalidade brasileira.  

Num encontro dos mais contundentes, ao dar seu depoimento aos Estados Gerais da Cultura,  a escritora destacou o conceito ‘escrevivências’ como o direito em escrever e o prazer em ler. 

 “Para chegar a esse conceito vou pra História das mulheres escravizadas na casa grande. O corpo delas estava inscrito na economia de produção, do lazer, do prazer, da educação… Seus corpos produziram trabalhos. Mas não só os seus corpos: as suas palavras. A palavra dessas mulheres vai influenciar muitíssimo a nacionalidade brasileira a partir da língua, é o que Lélia Gonzalez fala: que nós falamos o pretoguês.

Um autor que a gente lê com muito cuidado é o Gilberto Freyre. Ele fala em “Casa Grande & Senzala” que a descendência dos colonizadores aprendia a falar o português muito mais com essas mulheres do que nos próprios espaços de educação que a casa grande reservava pra eles, que eram os colégios religiosos. Elas foram também as primeiras professoras da prole da casa grande. Elas tinham que contar as histórias pra prole da casa grande. Tinham seus corpos escravizados e tinham também a palavra direcionada, a palavra delas cumpria uma função.

A nossa “escrevivência” não é pra adormecer os da casa grande, e sim para acordá-los de seus sonhos injustos. A nossa palavra hoje quer borrar essa palavra que ficou pra trás, essa palavra escravizada, mas ao mesmo tempo essa palavra escravizada que nos deu sustança, que foi o nosso fio de prumo.

A potência da palavra dessas mulheres também foi usada no processo de escravização. Então até a palavra delas tinha um dono, era o senhor. Se elas quisessem guardar silêncio naquela noite, não podiam. Pelo menos enquanto aquelas crianças não dormissem. É a famosa Mãe Preta tão incensada na literatura brasileira, que pensa nessa mulher com tanta abnegação.

O que que eu quero contrapor a isso? A escrita das mulheres negras. É como se a nossa escrita borrasse esse quadro. Nossa escrevivência não é para adormecer os da casa grande, e sim para incomodá-los nos seus sonos injustos. O que as mulheres negras estão produzindo hoje a partir de seus lugares de pertença, é uma produção que não tem esse compromisso de apaziguar a casa grande, pelo contrário, incomoda a casa grande. Nossa escrevivência nasce dessa coletividade negra que traz toda uma herança, uma ancestralidade, dos povos afro-diaspóricos.” Fonte: EGC

 

Autora de Olhos D’água, Insubmissas lágrimas de Mulher, entre outras obras que  revelam a ternura de um coração sensível, ao ponto de não ser branda em expressar a crueldade de uma sociedade desigual, a escritora . 

Conceição Evaristo nasceu na periferia de Belo Horizonte, era filha de uma lavadeira. Aos sete anos foi morar com uma tia que não tinha filhos, teve oportunidade de estudar, mas mesmo assim, “os períodos de estudo foram entremeados com o trabalho de babá, muitas vezes, trocava a limpeza da casa por livros”, conta. “Em dado momento, estudava à noite, limpava casa de manhã e fazia estágio à tarde”.

Também ajudava a mãe e a tia a lavar e a entregar as trouxas de roupas. Olhava crianças da vizinhança, tudo que pudesse render um troco, mas sem deixar os estudos de lado. Ao terminar o antigo primário, ganhou o primeiro prêmio de literatura com a redação: “Por que me orgulho de ser brasileira”.

Nos anos 70, se mudou para o Rio de Janeiro, onde passou em um concurso. “Trabalhei com o ensino fundamental, fiz mestrado e doutorado, mas só comecei a escrever nos anos 90”, contou num artigo publicado no site Geledes.

Performance com Ramon Paixão. Foto via Facebook de Conceição Evaristo. Todos os direitos reservados

Uma gota de leite
me escorre entre os seios.
Uma mancha de sangue
me enfeita entre as pernas.
Meia palavra mordida
me foge da boca.
Vagos desejos insinuam esperanças.
Eu-mulher em rios vermelhos
inauguro a vida.
Em baixa voz
violento os tímpanos do mundo.
Antevejo.
Antecipo.
Antes-vivo
Antes – agora – o que há de vir.
Eu fêmea-matriz.
Eu força-motriz.
Eu-mulher
abrigo da semente
moto-contínuo
do mundo.

  • Foto destaque-Mulheres Facetadas – Di Cavalcanti /1968
Pavilhão da Russia - Giardino. Bienal de Veneza

Protesto: Pavilhão da Russia de portas fechadas na Bienal de Veneza

Artistas russos cancelam a participação na 59º Bienal de Veneza e decidem manter fechado o Pavilhão da Rússia.

O curador  Raimundas Malasauskas anunciou que estaria renunciando ao projeto da bienal para o Pavilhão, seguido pelo apoio dos artistas Alexandra Sukhareva e Kirill Savchenkov, que estavam juntos nesse trabalho de criação.

“Não posso avançar no trabalho neste projeto à luz da invasão militar da Rússia e do bombardeio na Ucrânia. Isso era política e emocionalmente insuportável. Como você sabe, nasci e me formei na Lituânia quando fazia parte da União Soviética. Eu vivi a dissolução da União Soviética em 1989 e testemunhei e apreciei o desenvolvimento do meu país desde então. A ideia de voltar a viver sob um império russo ou qualquer outro é simplesmente intolerável”, afirmou Raimundas em sua carta demissionária.

Mudança de Cena- Pavilhão Russo da Bienal de 2017.

As reações são percebidas pelas redes sociais e  Kirill Savchenkov, nascido em 1987 em Moscou, não deixou por menos e corajosamente colocou seu ponto de vista. “Não há nada a dizer, não há lugar para a arte quando civis morrem sob bombas, quando a população ucraniana se esconde em abrigos, quando dissidentes russos são silenciados. Como russo, não apresentarei meu trabalho no Pavilhão da Rússia na Bienal de Veneza”.

O Leite dos Sonhos é o título da Bienal de Veneza 2022. Este nome é emprestado de um livro de Leonora Carrington no qual, segundo a curadora da 59ª Exposição Internacional de Arte Cecilia Alemani, “a artista surrealista descreve um mundo mágico onde a vida é constantemente repensada pelo prisma da imaginação, e onde todos podem mudar, ser transformados, tornar-se algo e outra pessoa.”

“Esta exposição está alicerçada em muitas conversas com artistas que aconteceram nos últimos meses. As questões que vão surgindo parecem capturar esse momento da história, em que a própria sobrevivência da espécie está ameaçada, mas também resumir dúvidas que permeiam as ciências, as artes e os mitos de nosso tempo. Como está mudando a definição do humano? O que constitui a vida e o que diferencia animais, plantas, humanos e não humanos? Quais são nossas responsabilidades para com o planeta, outras pessoas e os outros organismos com os quais vivemos? E como seria a vida e a Terra sem nós?” Fonte:  Bienal 

O que seria o projeto de Raimundas Malašauskas  no Pavilhão Russo:

“Coreografada como uma cena de gestos, a apresentação de Kirill Savchenkov e Alexandra Sukhareva na 59ª Bienal de Veneza é uma tentativa de abordar a complexidade dos tempos corporais, materiais e tecnológicos. Evoca uma transição de um estado para outro, um fluxo retorcido entre futuro e passado, uma divisão suspensa entre morto e vivo (e IA), dia e noite. Deslizando entre linguagens e representações, parando na memória social mais recente, congelando na antecipação de coisas imprevistas, preparando-se para o amanhã – seja catastrófico ou brilhante, ou ambos.”

“Mudança de Cena” foi o tema do Pavilhão da Rússia em 2017 e cabe exatamente aqui neste artigo para ser lembrado.  Segundo o conceito,  o tema envolvia o mundo contemporâneo, de Palmira, na Síria a Nova York, nos EUA. 

A obra é uma metáfora de uma nova ordem mundial, das quais as agressões, o terror,  a vida irracional das massas, estratégias sem precedentes de controle e  vigilância permeiam a vida do homem.

Em um espaço pouco iluminado, a exposição apresentava obras de quatro artistas russos.
No nível de entrada, o pavilhão mostravam-se várias esculturas de Grisha Bruskin (n. 1945); uma águia de duas cabeças, bonecos estranhos, homenzinhos marchando, soldados, andróides misteriosos meio humanos e meio mecânicos, figuras em miniatura e símbolos comunistas são acoplados a projeções de vídeo semelhantes a lanternas mágicas e som para criar uma instalação estranha focada no conceitos de poder, medo e controle das massas.

Descendo para o nível inferior, o pavilhão continha uma instalação escultórica do Grupo Recycle (Andrei Blokhin, nascido em 1987, e Georgy Kuznetsov, nascido em 1985). Intitulada Blocked Content, a obra é composta por volumes pontiagudos de onde emergem dramaticamente rostos, mãos e partes do corpo (ou são aprisionados) e por um aplicativo móvel de realidade virtual Inspirada na Divina Comédia de Dante, a instalação questionava o conceito de web ética, a moralidade da inteligência artificial e a ilusão de uma imortalidade digital.

 

Raimundas Malasauskas
Pavilhão da Russia - Bienal 2017
Kim Fielding - Black water. Imagem fotográfica sobre superfície iluminada.

Milhões de artigos sobre 100 anos da Semana da Arte Moderna em 0,59″

Antes de escrever sobre os 100 anos da Semana de Arte Moderna digitei a frase no mecanismo de busca do Google. Nove milhões de resultados em 0,59 segundos naquele momento.

Uau!….Imaginem a velocidade e a voracidade de como nossa mente é envolvida pelas informações.

Não quis ser mais uma nesse universo de nove milhões repetindo e analisando a Semana como um evento de arte, sim num prisma de comunicação na web.

Deixei de lado vontade de me transportar há 100 anos e fazer conjeturas sobre o desejo de ruptura daqueles jovens poetas, escritores, artistas rebeldes e incorporei a comunicação no mundo atual e a linguagem da arte como transgressora.

Anita Malfatti, Graça Aranha,  Mário e Oswald de Andrade, Menoti Del Picchia, Vitor Brecheret,Guilherme de Almeida, Sérgio Milliet, Heitor Villa-Lobos,Tácito de Almeida, Di Cavalcanti, Agenor Fernandes Barbosa, estarão sempre entre nós. Num clique no mouse ou toque com o dedo estaremos vivendo e sentido de perto suas ideias, assim como suas obras em jpg, pequenas, grandes, em 360 graus…..

 

Kim Fielding - Bodybag, Imagem fotográfica sobre superfície iluminada
Praia do Flamengo 1938. Brunon Lechoviski

A contemporaneidade na arte me empolga e sua linguagem vinculada ao ‘espírito do tempo’ sempre traz conteúdos novos apesar dos inúmeros resultados na internet sobre um mesmo tema.

“Se o pintor Brunon Bronislaw Lechowsk (1887-1941), nascido em Varsóvia, Polônia, que viveu alguns anos no Paraná, tivesse conhecido a tecnologia virtual teria outra visão em relação aos seus ideais e provavelmente estaria navegando por diversos lugares do mundo com o @.com.

Lechowski era um visionário de sua época e quis mostrar ao mundo que era possível se libertar de um processo social engessado em princípios definidos pelas instituições. Viajou pelo mundo e permaneceu 16 anos no Brasil.

Para realizar seu objetivo de angariar fundos para criar a Casa Internacional do Artista precisou construir um equipamento expositivo para percorrer vários países e dar exemplos: uma tenda que poderia ser armada em praças, jardins e parques servindo de morada durante a viagem e com espaço para suas exposições.

A razão de citar Lechowski neste trabalho sobre o mundo online é de dimensionar as diferenças temporais no comportamento da humanidade. Hoje para o artista plástico o mouse e a tela do computador abrem as portas para um novo espaço. Um espaço em que a máquina e corpo vivem em simbiose, que faz o homem viver num outro nível de consciência, num território livre sem leis e sistemas culturais. Parte da pesquisa sobre internet e arte.

Atualmente as experiências em mídias digitais geralmente transformam artistas em pesquisadores realizando suas criações em laboratórios, impensáveis até tempo atrás. 

Criando em rede, conectado com outros artistas ou outras máquinas, o autor assiste como espectador, observador, ao nascimentos de sua própria arte”, Philadelpho Menezes. Signos Plurais.

 

O modernismo no Brasil propunha a valorização da origem popular de nossa cultura, o desenvolvimento de uma língua essencialmente nacional e a discussão dos conflitos sociais. 

Carnaval - Di Cavalcanti

Flávio de Carvalho foi um dos mais expressivos representantes do modernismo. O artista criou o CAM ( Clube dos Artistas Modernos), em 1932., dirigiu o Teatro de Experiência em pleno Estado Novo, uma época de rigor, censura e arbitrariedade contra os artistas.

Flávio de Carvalho desfilando no centro de São Paulo de saia, 1956

A inquietude dos jovens em 1922 foi sufocada pelo advento do Estado Novo 10 anos depois. Mais uma vez, neste momento da história brasileira a censura esteve presente. Primeiro a corte portuguesa ou igreja se revezaram na função fiscalizadora da produção artística. 

Cenas da vida brasileira. João Câmera - 1975

Na luta dos poderes constituídos pelo controle da arte dos artistas, muitos movimentos surgiram e a produção artística nunca parou na defesa da arte pela arte, da arte como linguagem social, da arte como identidade de um povo. 

A necessidade do livre-pensamento para artistas, filósofos e cientistas, é como o ar que eles respiram. Sem liberdade não vivem e por ela perdem até a vida.  Para chegar até aonde estamos foram necessárias boas doses de rebeldia por parte desse seleto grupo. 

Viva a liberdade na Arte! Viva o mundo virtual!