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A coragem de Anna Pauline

Nesse Dia Internacional da Mulher a história de Anna Pauline Weigert é a mais apropriada para compor meu artigo sobre sagacidade da mulher.

À pequena, corajosa e determinada alemãzinha de Breslau, que com seus 33 anos, pegou seus quatro filhos a tiracolo, em pleno século XIX, embarcou num navio rumo ao Brasil, para encontrar o marido que há um ano não mandava notícias, dedico esse texto, como uma homenagem justa a quem não teve medo de ousar.

Pé-de-meia

Se Hermann, o marido, tinha como objetivo retornar à Alemanha depois de ter feito o ‘pé-de-meia’ perdeu a chance. Nunca mais conseguiram voltar para a terra natal. Graças à decisão dela que os Weigerts, da parte de Hermann criaram uma grande família nesse país tropical.

O alemão, então com 38 anos, foi contratado pela Compagnie des Chemins de Fer Brèsiliens, para trabalhar na estrada de ferro Curitiba-Paranaguá. Chegou no Brasil em 1879. “Passaram-se meses, e ele, atarefado com seus rebites (sua função era colocar rebites nas pontes e viadutos metálicos para a junção das peças) nada de dar notícias”, escreve Eno Theodoro Wanke, pg. 108,  A Saga dos Imigrantes  – Memória.

“Quando se completou o primeiro aniversário da vinda de Hermann, que fez Anna? Vendeu tudo o que tinham e embarcou num navio em direção a Paranaguá, com filhos e bagagens. Chegando aqui, Hermann quase desmaiou de susto ao vê-la. Sua vinda significava o fim das esperanças de regresso. E efetivamente, assim foi”.

Esses detalhes foram contados de pai para filho, passando pela família ao longo dos anos.

As ‘broas’

O escritor Eno Theodoro Wanke, um dos bisnetos, para compor o seu livro, fez um pesquisa sobre essas memórias familiares. Um dado que Eno não cita no livro, mas quem contava era meu pai, Egon, neto dela, filho de Eduardo – que nasceu no Brasil, era que Anna Pauline já tinha economizado o dinheiro vendendo ‘broa’, o pão de centeio, na Alemanha, muito antes de sua vinda de fato. Ocorreu que seu irmão bateu num oficial do exército prussiano e ela deu a ele todas as suas economias para que pudesse fugir.

A vida de Anna não foi nenhuma maravilha quando chegou no acampamento perto de Morretes e segundo contam fazia suas ‘broas’ em um forno improvisado naqueles enormes cupinzeiros do mato (termitas). O quinto filho, uma menina, nasceu no acampamento. “Era uma noite de chuva, e as condições do rancho onde ela estava eram tão precárias que chovia abundantemente sobre a cama das parturiente. O jeito foi algumas mulheres abrirem guarda-chuvas sobre ela para protegê-la das goteiras”.

Tramoia

A filha mais velha de Anna Pauline se chamava Marie, minha bisavó materna, na época com nove anos. Essa tramoia de bisavó e tataravó ao mesmo tempo é culpa de meu pai que resolveu se apaixonar e casar com a prima em segundo grau, minha mãe. Anne Pauline era mãe do meu avô paterno e avó do meu avô materno, sua filha Marie era mãe do pai da minha mãe. Confuso, né!  Por isso, acho melhor parar por aqui.

Principalmente porque o foco é o Dia Internacional da Mulher.  A história de Anna Pauline conto e reconto com muito orgulho porque prova a força das mulheres. Se recebi uma centelha, que seja de sua coragem e ousadia já basta para seguir em frente!

 

 

 

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O balanço da rede e o equilíbrio da solidão em Itapoá como era ontem

Itapoá, em Santa Catarina, está perdendo suas matas e os belos pássaros estão deixando de visitá-la…

imagem, um pedaço de mar.
Um pedaço de mar visto da sacada é como se fosse o paraíso.

No balanço da rede em Itapoá de ontem encontro o equilíbrio que necessito para criar novos projetos. Digo Itapoá de ontem, em Santa Catarina, aquela que ficou guardada a sete chaves na minha mente. Hoje, a cidade catarinense se moderniza a cada momento pelo porto particular que se instalou há poucos anos.

Floresta Portátil

Portanto,cada vez que preciso ficar sozinha me transporto ao cantinho da rede que me embala na sacada de Itapoá. Isso me faz lembrar  o que disse o biólogo e escritor inglês Rupert Sheldrake, numa entrevista, mais ou menos assim:

“Na solidão me transporto a uma floresta portátil guardada em algum cantinho da minha mente, como se estivesse carregando ela dobrada comigo dentro do bolso e para onde vou a abro à minha volta quando necessário. Em seguida, sento-me aos pés das árvores velhas enormes da minha infância. Desse modo faço as minhas perguntas e recebo as minhas respostas”.

A beleza me tocava o coração de tal forma que Itapoá virou meu cantinho de cura
A beleza me tocava o coração de tal forma que Itapoá virou meu cantinho de cura

No vai-e-vem do balanço da rede naquela sacada rodeada de verde, em Itapoá, a minha mente voava longe e no infinito dos sonhos trazia para mim, muitos projetos e um repouso curativo durante o período mais difícil de minha vida.

O progresso

Era e continua sendo a casa de minha irmã. Mas de 2011 para cá muito coisa está mudando.

imagem,caminho de terra e mar Terra, areia e grama, juntam-se e deixam o caminho gostoso
Terra, areia e grama, juntam-se e deixam o caminho gostoso

A rua que passa na frente da casa ainda  é sem asfalto. Terra, areia e grama, juntam-se e deixam o caminho gostoso de pisar, morno no verão e enlameado nas chuvas.

imagem,pássaro. Será ele existe ainda numa cidade em que o progresso chegou?
Foto feita em 2010. Provavelmente seus filhotes não estão mais por perto. As árvores foram cortadas por ali…
Cadê os passáros

Aqueles pedaços de terra cheios de mato ainda existem, mas estão ficando cada vez mais distantes, perto da serra e longe das casas. Os terrenos abrigavam os passarinhos mais belos e coloridos do planeta.

bromélias e pássaros povoavam as árvores
bromélias e pássaros povoavam as árvores

Talvez sobrem algumas árvores, onde crescem  bromélias das cores rosa e vermelha  grudadas em árvores antigas e ainda têm pés de maracujá, goiaba, caju, coquinho que se misturam aos cipós  e outras espécies de árvores que formam a imagem luxuriante da floresta Atlântica, no sul do Brasil.

Um toque no coração

Mas a beleza me tocava o coração de tal forma que escrevi em 2011, um texto resumindo o tratamento para acalmar a mente feito em Itapoá, meu cantinho de cura.

a rua só tinha cinco casas...
A rua só tinha cinco casas.

“A rua tinha cinco casas com moradores que se conhecem há mais de 20 anos.

Meu pai batizou-a como a Rua das Estrelas. Pintou uma placa cheia de estrelas e pregou num pau comprido no início da rua.  Não sei se foi para homenagear as duas filhas ou porque a praia tinha muitas estrelas do mar.

Ohhh!  Dúvida atroz que me atormenta a auto-estima. .. Um nome poético e próprio para quem tinha alma de artista, logo destruído pela rude prefeitura que simplesmente numerou as ruas e as deixou sem nome. Que triste isso!

Agora o sobrado verde rodeado de sacadas espaçosas  que fica distante  uma quadra do mar está na rua 1.690. Que falta de criatividade!

Abrir as portas e as janelas e deixar o sol entrar.
Era chegar na casa e começar e abrir as portas-janelas para deixar o ar puro entrar depois de permanecer fechada por algum tempo.

Bem, não importa. O que mesmo importa é a sensação agradável  de chegar na casa e começar e abrir as portas-janelas para deixar o ar puro entrar depois de permanecer fechada por algum tempo.

Cantinho mágico

cantinho mágico
cantinho mágico

Terminado o  ritual inicial, o segundo passo é engatar a rede no cantinho mágico da sacada, escarrapachar-se naquele tecido rústico de algodão forte e macio que se molda ao teu corpo, dar impulso com o pé nas ripas da sacada para iniciar o vai-e-vem da rede. Em seguida é só deixar que a brisa acaricie o teu rosto e ao mesmo tempo embale os teus devaneios até adormecer ao som das ondas do mar e da sinfonia da natureza.

É um mimo que o planeta presenteia  a qualquer mortal e  para quem desejar experimentar  e perceber todos estes detalhes, que transformam um lugar tão singelo num espaço extraordinariamente significativo.

Um cantinho de sacada que mostra um pedaço de mar, onde o barulho das ondas, os grilos à noite, e os passarinhos durante o dia, nos deixam num voluptuosa sensação de  prazer .

Bom da cabeça

A água de poço com enxofre, o chuveiro fora (existe um dentro das casa, mas pouco se usa no verão), os cômodos arejados e espaçosos, a brisa refrescante do mar, a mata nativa no fundo quintal, os saudáveis banhos de sol e mar, peixe fresquinho  na mesa.

Tudo isso, compõem um conjunto de ingredientes capaz de levantar um moribundo e deixar você “bom da cabeça e certo do juízo de novo”, como diziam os antigos.

A paisagem era luxuriante. Já não existe mais. Vai dar lugar ao progresso.
A paisagem era luxuriante. Já não existe mais. Vai dar lugar ao progresso.

Itapoá me ajudou a dizer adeus a “fluxuotina”e neste cantinho encantado eu dormi horas, dias, em sono profundo me recuperando de um cansaço mental provado pelas dores da vida. A cada dia que usava este método de cura dava mais um passo para me desvencilhar da dependência por medicamentos e me tornava auto-suficiente nas minhas emoções.

Os meus aliados nesta empreitada difícil foram os banhos –  primeiro no mar de água morna, em que as ondas inquietas brincavam o tempo todo com o equilíbrio do meu corpo.  Depois de chuveiro com água gelada e fedida, cheirando ovo podre, que me deixavam com uma sensação de bem estar , certa de que a circulação sanguínea  estava rápida e movimentava no meu organismo me restituindo a força vital.

Ao final, a comida gostosa na mesa, livro bom para ler, e o sono recuperador na rede no alto da sacada. Este era o momento mais saboroso para mim. …

Itapoá, em Santa Catarina
Itapoá, em Santa Catarina.
Lugar de inspiração

Confesso que muitos dos meus projetos de vida saíram deste espaço pleno de natureza. O lugar é especial. Deve ser por isso que as pessoas que vivem lá  são felizes , deixam o tempo passar sem preocupação.

Os bailões da Tia Cida dão Ibope e mantém o galpão lotado de dançarinos  todos os sábados à noite.  É turista meio sem graça no começo. Pescador com sandália de dedo e jeitão simples.

Vendedor de rede na praia, comerciante da região – todos, que neste momento estão mesmo nível social,  sincronizam-se ao som de um vanerão bem tocado e  o balanço das cadeiras das mocinhas e também das senhoras de mais idade entram na cadência dos passos do dançarino.

Todos estão ali desfrutando do simples prazer de dançar  uma boa música regional.

Tudo é tão peculiar neste espaço que une mar, mato e o bicho homem, que até a forma de achar o lugar certo para cavar um poço foi na base da forquilha de pêssego. Não é lenda não!

Faz algum tempo, um homem que vivia na região conseguiu achar  água com o galho de árvore de  duas pontas  e  na hora que as pontas vibraram ….. pronto! Achou o lençol freático.  Minha irmã o contratou especialmente para fazer o serviço e lá está o poço até hoje abastecendo a casa.

Solidão compartilhada

Cada vez que preciso ficar sozinha me transporto ao cantinho da rede que me embala na sacada de Itapoá. Então sigo o exemplo do escritor e biólogo inglês, apenas com a diferença que no lugar da floresta portátil coloco o sobrado verde com a sacada ensolarada e me deito na rede.

Desse modo, embalada com a brisa do mar e a sinfonia da natureza formulo as minhas perguntas …”

Assim conclui meu texto em 2011 e tenho na lembrança todos os detalhes do lugar como era antes. Agora somente a rua permanece sem asfalto, mas os terrenos estão perdendo as árvores e dando lugar para muros altos e casas.

Mas o progresso não atrapalha minha doce meditação. Só a saudades é que aperta o coração.

imagem, rede na sacada. Lugar de relax..
Só a saudades do verde no entorno é que aperta o coração.
CordeSensible

Surrealismo de Renè Magritte bateu recorde na famosa Christie’s

Literalmente surrealismo está em alta  e quem garante é uma das mais famosas casa de leilões do mundo, a Christie’s, em Londres, Inglaterra.

A obra “La corde sensible”, de Renè Magritte, foi vendida por 14 milhões de libras esterlinas (em torno de R$ 54 milhões) no leilão realizado no primeiro dia de março.

Duas vezes mais que o quadro anterior do artista belga vendido em 2014, Magritte era conhecido por pintor cerebral,
“La Do Domaine d’Arnheim” sempre de Magritte, alcançou 10 milhões de libras esterlinas ( em torno de R$ 38 milhões )
“La Do Domaine d’Arnheim” sempre de Magritte, alcançou 10 milhões de libras esterlinas ( em torno de R$ 38 milhões )
O leilão foi realizado no primeiro dia de março e abriu espaço para obras surrealistas na segunda parte. “La Do Domaine d’Arnheim”  sempre de Magritte, alcançou 10 milhões de libras esterlinas ( em torno de R$ 38 milhões ).
As obras surrealistas renderam à casa inglesa cerca de 43 milhões de libras esterlinas, dos quais a metade foi graças ao cerebral Renè Magritte. Outros como de Max Ernst, ou Mirò conseguiram  em torno de 2 milhões.
 O surrealismo foi um movimento criado por André Breton, na França, entre as duas grandes guerras mundias e buscava a liberdade de expressão em todas as áreas de criação do ser humano, literatura, poesia, com destaque maior nas artes plásticas.
Resumindo o jovem e inquieto Breton liderou um movimento que buscava dar asas à imaginação para deixar o inconsciente agir sem a ditadura da razão, cujo objetivo é ainda uma das buscas do homem que vive numa sociedade formatada por instituições e regras.

Renè Magritte

O artista belga, que nasceu  em Lessines, na Bélgica, teve uma infância conturbada. Aos 13 anos perdeu a mãe por suicídio. Ela atirou-se de uma ponte, afogando-se no rio SambreSegundo consta o fato marcou por toda a sua vida, inclusive na produção de suas obras.

As suas telas  possuem uma leitura do mundo além da matéria expressa pelas tintas e cores.

Imagem0076The Castle of the Pyrenees’ representa um castelo situado no alto de uma espécie de montanha em formato de ovo flutuando sobre um mar azul.

A crítica do artista no Castelo nos Pirineus para Magritte, certamente, era de mostrar a realidade trancafiada num mundo de fantasia inserido numa paisagem marítima. Mas atenção, o mar não estava para peixe, ondas turbulentas ameaçavam aquela paz alada.

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“Os Amantes”, uma tela representando o beijo entre um homem e uma mulher encapuzados pontuam sua experiência infantil, provavelmente. O amor entre um casal, cuja face jamais se revela, mesmo numa demonstração intensa de afeto não consegue estabelecer uma ligação de intimidade. Sem dúvida, que o artista faz a leitura de acordo com a sua experiência pessoal de vida.

magritte-ceci-nest-pas-un-pipe-_rene-magritte“Durante os anos 30 aprofundou a sua técnica, pintando imagens perturbantes e desconstruídas que logram desafiar as percepções do público. Em 1928, Magritte já nos tinha deixado uma pista para a leitura da sua obra com “A traição das imagens”, pintado em Cadaqués (Catalunha) na companhia de Dali. Por baixo do cachimbo, podemos ler as palavras “Ceci n’est pas une pipe”, uma aparente contradição. Contudo, se reflectirmos acerca do assunto, trata-se da imagem de um cachimbo que não satisfaz a necessidade do objecto real. O mote estava lançado: não importa o quão fiel possamos representar uma imagem, é sempre impossível capturar a sua essência”. Fonte: Obvious.

As obras de Renè Magritte tornaram-se populares por fazer uma crítica bem elaborada do mundo dos homens e oferecer ao público uma percepção maior sobre o que significou o movimento surrealista na história da arte. O que dizem que é real, na verdade, é uma ilusão.

Um brilhante personagem artístico do passado que continua trazendo para o presente novas interpretações sobre suas obras que, certamente, irão permanecer provocando o espectador também no futuro.

Fontes: Exibart e The Artnewspaper

 

Desconstrução da pintura O Grito do Ipiranga de Pedro Américo

Por Maria Marlene Redkva Wanke (apresentação no livroO Grito do Ipiranga Segundo Pedro Américo– Sou do tempo que nas escolas existia uma professora de canto e ensaiávamos todos os hinos possíveis sob o estridente som do velho piano. Toda manhã a bandeira nacional era hasteada e em posição solene e respeitosa entoávamos o hino nacional.

Por ocasião do aniversário da independência éramos obrigadas pela escola a pedir a nossa mãe e para engomar a túnica branca que servia de uniforme e eu mesma tinha que passar alvaiada no tênis que naqueles tempos só eram usados nas aulas de educação física. Então desfilávamos garbosas na principal avenida da cidade.

No começo, nem entendíamos aquele contato com as festas da independência e marcava muito a longa espera nas ruas laterais da avenida aguardando a nossa hora de marchar diante do palanque das autoridades. Como participante, minha preocupação era não errar o passo.

O efeito do quadro “Independência ou Morte

No início do segundo ano da minha vida escolar fomos conduzidas para nossa nova sala de aulas e a primeira coisa que vi foi uma grande gravura do quadro “Independência ou Morte” fixada na parede ao lado do crucifixo.

Como naquele primeiro ano não nos explicaram o significado daquela imagem, nos momentos de desconcentração eu ficava olhando aquela gravura imaginando ser uma cena tirada dos livros de contos de fada, com um príncipe ao centro incentivando os soldados a salvar uma suposta princesa num castelo qualquer.

Com o tempo fui me dando conta do real significado da gravura. Mas a desconstrução daquela imagem de criança levou mais tempo que a própria pintura feita pelo artista.

No colegial, soube daquela história da dor de barriga do príncipe, o que de certa maneira embaralhou a minha visão da cena certinha que tinha do quadro famoso.

 

Ora, se o príncipe estava com esse mal estar não poderia exibir toda aquela exuberância contida na sua imagem épica. Depois aprendi que num passe de mágica, Pedro Américo tinha transformado burros e mulas em exuberantes cavalos.

Talvez minha principal decepção a respeito foi, quando já na faculdade, descobri que existem três relatos de testemunhas oculares do episódio do “grito” que os autores dos livros didáticos da época ignoraram.

Esses compêndios de história eram fantasiosos e baseados sempre no relato pictórico do pintor.
Ora, que educação é essa que privilegia a fantasia em relação a uma ação documentada descrita por pessoas que viram o episódio?

 

Mas foi no dia a dia de professora de história que aprendi muito com o questionamento da criançada. Vendo atentamente a gravura, estranhavam, por exemplo, que aqueles soldados da comitiva estivessem de uniformes limpos – aparentando terem saídos do alfaiate – depois de uma penosa viagem na poeira de uma estrada rústica. Queriam saber porque esses mesmos soldados não portavam armas de fogo, exibindo suas espadas desembainhadas para o céu. E aquele gaiato que erguia seu guarda chuva em vez de uma espada? Ora, o céu estava limpo sem indicação de chuvas.

A dúvida mais interessante surgiu de um pré adolescente, e portanto, com imagem do quadro já fixada na sua memória.

Queria saber se “o cara” que tinha pintado a cena fazia parte da comitiva do príncipe. Por que? Ora, ela sabia todos os detalhes numa época que ainda não existia a fotografia.

Todas as respostas são óbvias, isto é, que o quadro poderia se chamar, tal como este livro, de “O Grito do Ipiranga segundo Pedro Américo”. Toda esta abordagem contida no quadro saiu da cabeça do pintor, mais de 60 anos depois do ato, e só.

Esta história permite uma reflexão sobre a qualidade das informações que o professor repassa a seus alunos.

 

Numa ponta está a dificuldade de absorção das informações e sua fixação na memória dos estudantes. Na outra, para um bom professor, existe o perigo do conteúdo acabar num exagero – ou auto sugestão – que o aluno possa  deformar um a informação.

Passando por cima dos delírios, o quadro não deixa de ser uma lembrança inestimável. É como a imagem dos santos: estão ali para lembrar sua presença.

Nenhum país pode exibir um quadro de um ato que supostamente divide sua soberania: antes, uma colônia e depois, um país livre.

Sempre acreditei e preguei para meus alunos que a independência política só é completa para cidadãos com cidadania plena, gozando das liberdades e respeitando as leis do país soberano. Deve sempre estar acompanhada da justiça social, econômica e cultural de seus cidadões.

Nada mau para quem começou esta história como num conto de fadas.

 

(Marlene é esp