Van Gogh autoritratto

Pelas cores Van Gogh comunica-se com os sentimentos do observador

Van Gogh adorava pintar retratos. Seus autorretratos ou retratos são verdadeiras analises pictórica e psicológica, cujas emoções expressas na fisionomia desvendam-se  por intermédio do desenho e das cores.

Van Gogh. Autorretrato. 1886. Óleo sobre Tela. L'Aia Coleção Gemeentmuseum
Van Gogh. Autorretrato. 1886. Óleo sobre Tela. L’Aia Coleção Gemeentmuseum

“Van Gogh ama pintar as pessoas e retratos de amigos que posam para ele. Quando nenhum era disponível e não tendo dinheiro para pagar um modelo, pinta a si mesmo com a ajuda de um espelho. Vicent experimenta vários métodos, passando de um estilo tradicional para um modo original. Em Paris, a técnica se baseia em traços coloridos partindo dos olhos, enquanto que em Provance a pesquisa continua com o uso das cores contrastantes, alongadas e em largas pinceladas”, estudo feito pela equipe de Cornelia Homburg.

Vicent Van Gogh. Retrato de Alexander Reid. 1887 . Culture Sport Glasgow, em nome de Glasgow City Concil
Vicent Van Gogh. Retrato de Alexander Reid. 1887 . Culture Sport Glasgow. em nome de Glasgow City Concil
Retrato de um jovem camponês. Van Gogh. 1887. Roma, Galeria Nacional de Arte Moderna e Contemporânea
Retrato de um jovem camponês. Van Gogh. 1887. Roma, Galeria Nacional de Arte Moderna e Contemporânea

 

 

Giuditta che taglia la testa a Oloferne. Caravaggio 1598-1599

O que não fizeram os bárbaros fizeram os Barberini

Já diziam os romanos que os tesouros de Roma ou foram saqueados pelos bárbaros ou pelo Papa Urbano VIII.

Palazzo Barberini - Roma

A frase é em latim e conhecida dos romanos tradicionais que fazem uma sátira quando se referem ao Palácio Barberini, localizado no centro de Roma. O local hoje foi transformado em galeria de arte.

“Quod non Fecerunt Barbari Fecerunt Barberini” traduzido para o português significa: “O que não fizeram os bárbaros fizeram os Barberini”.

Traduzindo é mais ou menos assim, o que não foi saqueado pelos bárbaros na invasão, foi levado pela família Barberini na época do Papa Urbano VIII, entre 1623 a 1644.

Pasquino, a estátua falante
Pasquino a estátua falante de Roma
Pasquino a estátua falante de Roma

O dito popular foi escrito na Idade Média e colocado pela população de Roma na estátua “Pasquino”, como forma de protesto contra as atitudes do Papa. A escultura existe e está em ruínas, localizada próximo na Piazza Navona. 

Durante o período temporário de dominação papal, os habitantes de Roma esperavam o escurecer para pendurar na estátua piadas, cartazes e versos contra aqueles que detinham o poder.

Um Papa nada justo
Papa Urbano VIII- Gian Lorenzo Bernini
Papa Urbano VIII- Gian Lorenzo Bernini

Maffeo Barberini – o Papa Urbano VIII – não era considerado pelo povo italiano, na época, um “papa justo” porque favorecia somente os membros da família ajudando-os a enriquecer cada vez mais.

O descontentamento da população era baseado no fato de que o Papa saqueou obras de arte e materiais preciosos da história romana.

De acordo com relatos do escultor Bernini, o pontífice apoderou-se das traves de bronze que sustentavam os pórticos do Pantheon. Ele as substituiu com traves de madeira de carvalho. A original serviu para construir 80 canhões para o Castelo Sant’Angelo.

Papa Urbano também autorizou a construção do gigantesco Baldaquino na Basílica de São Pedro, que até hoje não foi terminado.

Essa é apenas uma das inúmeras histórias que se conta de “boca em boca” entre a população romana. A estátua Pasquino está localizada perto da Piazza Navona e é conhecida como a “estátua falante de Roma”.

Legado inestimável
Interior do Palácio Barberini
Galeria no interior do Palácio Barberini

Histórias à parte, é importante destacar que o legado artístico deixado no Palácio Barberini é inestimável. O prédio foi projetado pelo arquiteto Carlo Maderno no pontificado de Urbano no século XVII. Mais tarde foi construído de fato como obra dos jovens arquitetos Bernini e Borromini.

Atualmente a Galeria Nacional do Palácio Barberini abriga importantes coleções de pinturas datadas dos séculos XII ao XVII.

Caravaggio e El Greco

Para os fãs de Caravaggio a tela “Judite e Holofernes” vale a visita ao local. Uma das obras-prima do artista italiano, retrata a raiva e determinação de uma jovem ao matar seu algoz e compõe o jogo de cores e sombra do mestre.

El GrecoEl Greco está presente com as obras Batismo de Cristo (1546) e Adoração dos Pastores (1548).

A luz prateada, o intervalo colorístico preparado para resfriar os tons, as pinceladas rápidas, o uso do claro-escuro são fortes contrastes típicos da forma pintar do espanhol El grego.

O afresco “O Triunfo da Divina Providência”que decora o grande salão do Palácio foi encomendado pelo papa e realizado pelo pintor e arquiteto Pietro da Cortona. A cena central, cujo tema é nome do afresco, representa a Providência envolta num manto dourado.

Está sentada numa nuvem e tem a cabeça circundada com um alo de luz. É um afresco pleno de simbologia com figuras que representam a prudência, justiça, misericórdia, verdade e beleza.

Afresco magnífico
Pietro de Cortona Divina Providencia
Pietro de Cortona Divina Providencia, obra do grande salão do Palácio

É sem dúvida um afresco esplendoroso que enche os olhos de quem ergue a cabeça e aprecia o teto ao entrar no salão.

Uma herança que o mundo moderno agradece ao papa que esqueceu do seu povo, embora soubesse apreciar na arte as virtudes que ele deixou de praticar na vida real: justiça, misericórdia e verdade.

Cepa (vid) 
Foto: Rômolo D'Hipolito

Por que o vinho e a literatura têm tudo a ver

Foto: Erik Backlund
Foto: Erik Backlund

É engraçado lembrar da época que comecei a me interessar pelo mundo do vinho e sentir um real interesse em aprender sobre essa matéria. Devia ter uns 24 anos quando meu sogro chegou em casa com 12 garrafas de presente; vinhos espanhóis das mais variadas regiões.

No momento, estava começando a minha vida de casal, com nosso primeiro apartamento no centro de Madrid. Muitas águas rolaram, mas desde então, o vinho e eu criamos relações estreitas.

Sei que o Brasil não é um país que culturalmente se decante pelo vinho. Ademais do calor, e de uma produção ínfima, os impostos e as tarifas alfandegárias que se impõe sobre essa bebida fazem com que a sua apreciação seja privilégio de poucos.

Mundo do Vinho

Tive muita sorte em cair de para-quedas na Espanha, um país com mais de 1 milhão de hectares de produção vitivinícola e com um preço acessível a todos os bolsos. Espanha e Portugal, ademais de serem regiões vinícolas por antonomásia, com os vinhos mais acessíveis do mundo, possuem uma qualidade indiscutível.

O mundo do vinho ainda provoca certa repelência ou também ascetismo. É normal! Nossa ignorância se traduz em um escudo, um mecanismo de defesa inato, que tem certa dificuldade em aceitar aquilo que se desconhece. Como em todas as profissões, espertinhos aparecem por todos os lados; e muitas vezes quitam o prestígio de muita gente que levou o tema a sério e estudou muito pra chegar até ali.

Tentando aprender mais sobre esse mundo, que da noite para o dia se tornou a surpresa mais agradável que tive, comecei a estudar mais a fundo sobre o tema. Li uma serie de livros, comecei a ir a degustações de vinhos e viajar as regiões mais emblemáticas do mundo. Depois me matriculei em cursos de degustações mais sérios, em que ensinavam de verdade como reconhecer e apreciar aquela bebida que estava diante dos meus olhos.

Cepa - Uva Sangiovese - Chiati - Toscana - Italia Foto: Rômolo D'Hipólito
Cepa – Uva Sangiovese – Chianti – Toscana – Italia
Foto: Rômolo D’Hipólito
Os cheiros da cozinha

Comecei reconhecendo cheiros da cozinha – a canela, a baunilha, o tofee, o café, o alecrim, a menta, etc. Toda minha cozinha se tornou um oásis dos aromas. Sem falar das frutas, reconhecer o cheiro e seu sabor sem muito esforço.  Depois passei ao jardim, buscando identificar aromas das plantas – das margaridas, das rosas, do jasmim. E cada vez mais, ia descobrindo cheiros peculiares, como o da minha rua, do meu apartamento, da minha roupa.

Foi pouco a pouco, descobrindo esse novo mundo, que tive a sensação que cada garrafa de vinho que abria em casa, que cada vinho novo que descobria, uma história se contava. É isso mesmo: cada garrafa de vinho é uma novela em si, tão complexa, tão surpreendente que você tem que estudar muito, mas muito mesmo pra começar a ler e entender essa história.

Literatura e o vinho

Quem gosta de literatura sabe como é gratificante ler romances que parecem um quebra cabeça, e que quando você termina, sente como se um novo mundo se abrisse diante dos seus olhos. Penso sempre em Ulisses; que livro mais complicado – e que vitória terminá-lo. Ou Amarelinha de Cortazar – o livro que você pode se dar ao luxo de começar a ler por capítulos diferentes que o primeiro.

O vinho é assim. Não é uma historia linear, coerente e com um só ponto de vista, uma só interpretação. Mas lê-lo é algo realmente extraordinário.

Em cada garrafa se esconde sabores, aromas, histórias de uma terra, de uma região. Descobrir-lhes é aguçar os sentidos, aperfeiçoar os sentimentos. É utilizar os sentidos para começar a entender o que se esconde detrás daquele líquido, daquelas uvas, daquela terra, daquela taça.

Geralmente eu chego em casa todos os dias, depois de um dia longo de trabalho e me sirvo uma taça de vinho. Junto a ele pego meu livro e leio por mais ou menos uma hora. Esse momento, para mim,  não é só um momento de desconexão do mundo, mas também o de juntar prazeres, juntar literaturas, ler duplamente.

Lazio - Italia Foto: Romolo D'Hipolito
Lazio – Italia
Foto: Romolo D’Hipolito

Quando tenho uma garrafa nova em casa, muitas vezes espero para abrir em uma ocasião mais ou menos especial, com amigos ou sozinha. Também faço muitas vezes um exercício solitário, de ler, de desvendar cores, aromas e sabores – isso que hoje em dia damos o nome de degustar.

Um exercício sensorial

Uma vez feito esse exercício,  busco tudo sobre a garrafa – região, ano, uvas, forma de preparo e manipulação. E de toda essa informação começo a entender a sua história, o seu passado, o seu legado, e a apreciar o momento presente em que a desfruto.

São duas literaturas que se confluem: a que já foi escrita e está dentro da garrafa, a e que eu começo a escrever – do meu momento presente, de admiração e contemplação da vida: carpe diem!

Foto: Erik Backlund
Foto: Erik Backlund

Como os livros, não são todas as garrafas que escondem uma grande história. Argumentos medíocres também se podem encontrar nas melhores regiões.

Mas quando se descobre o grande clássico, imortal e perene a tudo ao que rodeia, os posso garantir que para o bom leitor, uma taça basta.

A caída de Ícaro

Ícaro doidão

Quem trabalhou na penitenciária passou por pelos menos uma rebelião

A minha foi em 1989, quando eu era dentista e batalhava lá no fundão. Onze presos se rebelaram e fizeram reféns, além de toda a parte administrativa, também, os agentes de segurança que ficaram amarrados lá na frente e perto da porta de saída. A elite, diretor e vice ficaram sob a vigilância dos bandidos na parte superior do edifício. Meu anjo da guarda estava de plantão e eu faltei naquele dia. É que um guarda de trânsito me parou e segurou o tempo suficiente para que eu perdesse o ônibus. Naquele dia, tanto o diretor como o vice foram degolados parcialmente, mas atendidos na hora da invasão, sobreviveram.

Luiz Ernesto Wanke

Na época escrevi toda esta história e o trecho abaixo foram retirados desses originais: O ÍCARO DOIDÃO

O preso Broca cuidava dos materiais da marcenaria e como responsável pela chave dos armários não teve dúvidas: na hora da liberdade, abriu-os e retirou as duas ladas de cola de marceneiro. Uma delas negociou com os amigos para que vendessem pelo pátio. A outra reservou para si.

Cheirou adoidado até cair e no delírio imaginou-se como um Ícaro voando por cima dos muros da prisão, rumo a tão sonhada liberdade. Doidão, subiu no segundo andar do prédio da penitenciária e jogou-se batendo os braços tal como um albatroz plainando no céu. Mas não deu outra: espatifou-se no chão calçado com paralelepípedos.

Scan (4)
Voo doido

Embora o baque fosse terrível, o infeliz não morreu. Inconsciente, foi carregado para a enfermaria por ordem do chefe da rebelião, um cara apelidado de Polaco.

Na enfermaria estava o Carvão, um preso metido a enfermeiro, médico e até, dentista, isto é, era um substituto raro, um ‘quebra galhos’ para qualquer emergência. Sua primeira providência foi mandar chamar o enfermeiro de plantão que estava amarrado lá na frente.

Como a chefia da rebelião – o Polaco – não concordou, teve que se virar sozinho. Improvisou algumas talas, já que o infeliz tinha caído de pé e estava com os membros inferiores estraçalhados. Tinha fraturas nas duas pernas e nos braços, sangrava pela boca, ouvidos e nariz.

Sua boca também estava travada e com o ventre aberto por causa de um ferimento causado pelo estoque que carregava na cintura. Preocupado com seu estado, o Carvão lembrou-se que o médico estaria de plantão atendendo a Penitenciária Feminina, que não estava em rebelião e ficava na frente do prédio dos homens.

Depois de muita insistência, conseguiu falar com a telefonista interna, ocupada com as negociações entre rebelados e autoridades. – Como estão as fraturas? Perguntou-lhe o médico.

– Aparentemente está todo quebrado, por fora e por dentro, respondeu-lhe o Carvão. O fêmur da perna esquerda, além de moído está exposto. Amarrei tudo com umas talas feitas com pedaços de compensado que achei por aí. Orientado pelo doutor, o Carvão terminou sua obra prima costurando todas as partes abertas dos ferimentos, aplicou-lhe uma injeção de benzetacil e outra, anti-hemorrágica.

Salvou a vida

Com estas providências, salvou a vida do infeliz. Exausto, puxou uma cadeira para o lado do colega inconsciente, preparou um baseado e finalmente teve a tranquilidade de dar as primeiras baforadas do dia. Olhou o rosto sofrido do infeliz e viu que ele arfava penosamente.

Aí teve a ideia estratégica de lançar sobre as narinas do Ícaro fracassado, baforadas de fumaça da maldita, porque pensou:

“Se o infeliz tiver que morrer, que pelo menos morra feliz.”