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O extraordinário do ordinário

Você já abriu o seu instagram hoje? E o seu facebook? Quando começo a ver nas redes sociais os planos de férias de todo mundo, começo ver que estamos vivendo num mundo de patas pro ar… 20 dias em 26 países… escalar o Everest, comer numa cobertura em Dubai olhando para toda a cidade, etc, etc. Quanto mais excêntrico melhor.

Parece que não basta com ter uma vida ocupada, cheia de compromissos, e com uma agenda social do mais “invejável” aos olhos dos outros. Temos também que transformar nossas férias em um evento tão singular que todo mundo tem vontade de unir-se.

Não basta já ir a praia e ficar deitado na areia curtindo aquele solzão. Você tem que acordar as 6h da manhã, sair para correr, voltar, preparar aquele super café da manhã cheio de quinoa, fruta e os famosos super-alimentos, ir à praia com a casa nas costas, fazer atividades o dia todo e claro, registrar cada mili-segundo no instagram… de esta forma você ganha a fama da popular, da vida-boa, daquela pessoa que você gostaria ser e…. vamos falar bem a verdade… você não é.

Sei que estou ferindo aqui sensibilidades de todos os tipos. Todos nós nos sentimos identificados com essa vida de passarela das redes sociais. Vou tomar café – foto- vou cortar as unhas no salão – foto – vou no cabeleireiro – foto de antes e depois – vou para praia – fotos das pernas, do livro que lê, do solzão – se vou com a famílias – foto dos filhos no seu melhor look, com maiô novo, penteado recém feito, como se em meia hora não fosse ficar um desastre com a areia.

Clic, clic, clic, clic. Assim vivemos dia a dia. Realizando os sonhos das pessoas; que se o restaurante não sei o que, que se o carro 4×4 não lembro o nome… a casa dos sonhos, a faculdade dos sonhos, o trabalho dos sonhos, a família dos sonhos, o lindo que são os meus filhos (e não os dos outros) … Ai me poupe.

Estou angustiada já com tudo isso. Poucas vezes vejo fotos realmente interessante sobre uma flor, uma árvore, ou mesmo um por do sol. Não temos tempo para ver essas coisas… estamos mais ocupados em postar fotos sobre o “último lifting feito na clínica não sei quem por Babeti Ferreira”.

Justo esse pensamento me veio outro dia quando conversava com uns amigos sobre a importância de ser o “Mr. Important” em uma sociedade que só te reconhece por isso. Parece que todos nascemos com o objetivo de ser extraordinários, e parece que a vida ordinária esta relegada a esses pobrezinhos “que não têm perspetiva de vida”. Nada mais injusto e falso.

Uma das principais coisas que aprendi quando vim morar fora é justamente esse apreço que tem o Europeu em desfrutar da vida; de forma lenta e pausada. Lembro-me de uma amiga que me dizia que era “falta de ambição” da sua parte. Ledo engano. Que mais posso desejar se tenho realmente  tudo aquilo que cobre todas as minhas necessidades e me permite viver bem?! Preciso de um carro zero?! Preciso de uma casa gigante?! Preciso viajar todos os anos para o Nepal, ou me atirar de bung jump na Nova Zelanda? Acho que não.

Difícil falar sobre isso porque parece que estamos fazendo tudo errado. Europa hoje em dia cada vez mais se assemelha aos Estados Unidos nesse sentido. Parece que é legal trabalhar 10 horas por dia num escritório, na frente de um monitor e ter um cartãozinho com o seu nome e 3 letrinhas debaixo que dão todo significado a você: CFO, CEO, CIO, CPI, KPO… Puxa que triste.

Você sai estressado, chega em casa, grita com todo mundo e bate no peito porque se sente que está levantando o país. Sai com os amigos e presume das férias, do carrão, e do ocupada que é a sua agenda. Com 45/50 anos um infarto te ataca ou um despido inesperado. E ai chega o golpe de realidade. Agora toca recuperar o tempo perdido. Ô sufoco.

A realidade é que cada dia mais que vejo essas pessoas; e penso se eles realmente não pensam que a vida lenta também pode ser muito proveitosa. Buscar um trabalho que me permita viver bem e que me de tempo para fazer aquilo que quero: ver um por do sol, andar de bicicleta, escrever, ler, namorar, transar. Parece que a gente esquece que os maiores prazeres da vida não custam nada. Na Europa menos ainda, que as bicicletas são grátis, os livros estão nas bibliotecas e têm uma em cada bairro, o sol aparece todos os dias e beijar na boca e transar ainda são atividades livres de impostos. Bem-vindo ao mundo real.

Tanto nos custa pensar assim e dizer a si mesmo que sol brilha ali fora. E que hoje vou passar minha tarde no parque… e que sábado de manhã vou ficar lendo na cama. Tanto nos custa reparar nas pessoas no nosso redor e dizer o bonito e feliz que estão. Ou só sabemos fazer isso pelas redes sociais…

Porque não deixar de lado toda essa angústia e aprender a viver a vida como ela se apresenta… bonita e cheia de caminhos… ladeiras altas e descidas íngremes, mas vendo o bonito de cada momento… levando as coisas com calma, bom humor e aprendendo a olhar diferente.

Porque o extraordinário está em saber viver uma vida ordinária.

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“Sanfona é tudo na minha vida. A música me mantém jovem”

A gaúcha Vercy Prietto encontrou na música o relacionamento ideal para manter-se jovial e saudável aos 83 anos. Começou seu caso de amor com a sanfona aos 12 anos, quando recebeu de seu pai um acordeon de presente de aniversário. Logo em seguida entrou num conservatório para aprender a tocá-lo. Hoje integra a Orquestra Sanfônica Potiguar, em Natal, e participa de eventos musicais junto à ONG Baobá.

“Sanfona é tudo para mim. Graças a ela é que estou assim”, garantiu a artista.

Uma resposta rápida., é claro, porque Vercy sabe que sua aparência física, de pequena estatura, magra, cabelos brancos brilhantes e pele saudável compõem um conjunto de fatores que  transmite uma vivacidade, que nem de longe lembra o estereótipo criado pela sociedade em relação a idade como um entrave para colocar em prática projetos de vida ousados.

Vercy nasceu, estudou, casou -se e teve três filhos e também separou-se no Rio Grande do Sul, mas foi em Natal, onde vive desde 1992, que a música retornou à sua vida e hoje faz parte do seu dia a dia. “Fiquei 50 anos sem tocar  sanfona”, conta. É importante explicar que esse espaço tão grande não interferiu no seu talento e foi provocado por circunstâncias da vida, sobretudo porque é mulher e ainda viveu num tempo em que elas, na maioria, eram preparadas para ser ‘do lar’.  Vercy formou-se no conservatório  aos 18 anos, num final de dezembro de 1954, para em seguida casar-se em janeiro.

A musicista lembra que foram os livros e partituras das netas que estudavam flauta a ponte para o retorno à música. “Comecei a estudar muito nos livros e dedilhava na mesma sanfona que foi presente de meu pai e que a conservo até hoje”. Assim foi lembrando de tudo que aprendeu no conservatório.

Orquestra e o Baobá

A retomada à música foi um passo para começar a sua carreira artística e participar de apresentações.

O link  aconteceu no dia do músico, quando estava assistindo  uma apresentação da Orquestra Sanfônica Potiguar no centro de Natal. “Ao final fui conversar com o maestro José Roberto e contei a ele sobre a minha formação musical”, lembra. Resultado desse encontro foi o convite para integrar a orquestra, que é composta por cerca de 30 figuras, entre 10 a 15 sanfoneiros.

A formação de Vercy pelo conservatório tem destaque para o acordeon clássico, mas hoje ela domina músicas do erudito ao popular. “Tem uma orquestra completa no acordeon, na direita é o solo e a esquerda acompanha”.  Ela não esconde a paixão que tem por boleros. “É a minha perdição”.

https://www.facebook.com/cantoranaracosta/videos/803447833183058/

O vídeo está no perfil da cantora Nara Costa. Assistam e vejam Vercy no canto esquerdo envolvida com sua sanfona num vibrante forró.

Haroldo Mota

A história do Baobá na vida de Vercy tem também um significado muito especial. Conta que sempre gostou de ‘Bonsai”e aprendeu a técnica para cultiva-lo e curte muito experimentar com diversas espécies de árvores. Um ‘Baobá bonsai’ foi uma de suas criações.

No entanto, o Baobá só cresceu e quebrou alguns vasos até ela decidir doar a muda. Segundo o seu relato, foi difícil achar quem se interessasse pela muda até achar Haroldo Mota e sua Ong Baobá. A muda de Baobá foi plantada na rodovia do Sol, em Natal, ao som do Bolero de Ravel, interpretado por Vercy. Foi uma festa!

Haroldo tem trabalho reconhecido como ambientalista no Rio Grande do Norte e frequentemente promove eventos para ressaltar a importância da espécie e a preservação da natureza.

Beleza na maturidade

A foto da capa e a atual revelam que o brilho nos olhos é o mesmo quando o assunto é música. A arte, em todas as suas manifestações, é alimento para alma. A beleza de Vercy, o seu envelhecimento corporal, neste caso, assume um outro patamar de beleza.

Não mais a beleza estética de um corpo exageradamente perfeito. Aqui me refiro uma beleza que transcende a matéria e transita no campo da energia, que se apresenta no brilho dos olhos e na força espiritual e psíquica de cada ser humano. Isso significa que as rugas transformam-se em marcas que refletem cada minuto vivido intensamente na trajetória de uma pessoa. É o corpo físico que se expressa numa narrativa poética de uma obra de arte.

Quando escrevo sobre beleza na maturidade lembro de uma entrevista encantadora que fiz com a poetisa paranaense Helena Kolody (1912- 2004), quando ela tinha 80 anos. Ela me fascinou pela sua beleza.

 “Ela é uma bela mulher. Os 80 anos deixaram apenas as marcas da sabedoria em seu rosto. Seus olhos de um azul cristalino, brilham quando fala de uma vida dedicada à poesia e ao ensino…”

Vercy Prietto é uma bela mulher em seus vibrantes 83 anos e seus olhos brilham quando fala de sua sanfona!

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Olhar de um cineasta imigrante aos ‘Santos de Casa’ potiguares

O ditado popular ‘santo de casa não faz milagres’ inspirou o jovem cineasta australiano Alasdair Keith Gardiner  a produzir e dirigir o documentário ‘Santos de Casa’ com 12 artistas potiguares. “O caminho para esses artistas locais do Rio Grande do Norte é feito de ‘barro’. As histórias deles são ‘barras’. Fica para cada espectador dizer se eles fazem milagre ou não”, afirma o cineasta.

As filmagens começaram em 2017 e captaram 50 horas de imagens e entrevistas, que atualmente estão sendo editadas e a previsão é de até o final do ano finalizar o documentário para veiculação em cinemas e festivais. Vale lembrar que o olhar de um cineasta imigrante  tem relação com dois mundos, aquele que ele vive e o que viveu.  A cultura de origem envolve-se com a nova, que consequentemente produz  uma narrativa mais rica em detalhes que passam desapercebidos de quem é brasileiro.

Um exemplo dessa mixagem de dois mundos é a análise que faz do nosso povo. “É minha impressão que as pessoas vivem muito intensamente aqui no Brasil. Possivelmente devido a isso, a cultura brasileira é muito voltada a contar histórias. Muitas pessoas aqui têm vontade de dizer quem são e o que já vivenciaram e isso deve fazer maravilhas com a saúde. Eu aprendo muito vivendo aqui. Essa aprendizagem aumenta o valor da minha perspectiva como cineasta. Colaborando com outros, daqui, no campo de cinema, como é meu desejo, enriquece cada trabalho mais ainda”. Alasdair vive em Natal desde 2016 e tem intenção de permanecer no Brasil.

Da esquerda para direita, Guaraci Gabriel, artista plástico, Alasdair e Nilson Eloy

Talentos únicos

No início era para ser um curta com a participação de um artista. Na medida em que as gravações desenvolviam-se e quanto mais as pessoas percebiam a seriedade do trabalho, Alasdair recebia novas indicações de artistas. “A partir daí, percebi que tinha como entrelaçar as histórias de alguns outros artistas que eu já conhecia na época. Esses 12 artistas são ligados entre eles, por serem pouco apoiados e pouco valorizados como artistas locais do RN; mas as suas histórias são, cada uma mais única que a outra”.

Em seu trabalho tinha como norma conhecer bastante da história do artista antes da gravação, para planejar melhor. Porém, segundo ele, com dois repentistas de São José do Seridó, por questões de logística, ele abriu mão dessa postura e viajou até a cidade para conhecê-los e gravar com eles. “Eu fui para lá, só sabendo que um deles tinha ficado cego antes de aprender a tocar. Imaginei que o relato fosse ser trágico. O que eu encontrei nele foi um otimismo que eu não conhecia antes. Essa surpresa foi bastante gratificante!”

Brasil

Alasdair é um jovem cineasta que começou a gostar do Brasil já na Austrália, quando cursava Belas Artes, com ênfase em cinema e trabalhava em bares e  restaurantes, onde também trabalhavam brasileiros. “Tive contato com brasileiros porque eram colegas de trabalho. Então, foi uma convivência constante e era um pessoal alegre e divertido”,  lembra. Esse contato despertou nele a vontade conhecer o país, que surgiu com a oportunidade de fazer um intercâmbio em 2010.

A partir daí não deixou mais de lado a ideia de viver no Brasil. Uma escolha tão certa quanto sua paixão pelo cinema. Quando pergunto: Por que escolheu ser cineasta?  “Eu não escolhi a profissão, foi a profissão que me escolheu”, brinca ele, jogando com o clichê. “Minha vida estava sempre, inconscientemente, se embrulhando em volta de cinema. Tenho a urgência e necessidade pessoal de trabalhar nessa área, como outros também têm. O que se tratou mais de escolha foi vir morar e trabalhar no Brasil”.

No Brasil já produziu e realizou alguns trabalhos. Foi responsável pelo audiovisual e operações técnicas na peça Tempo Real Time na FICA 2018,  na Casa da Ribeira em Natal. Em 2015, ainda na Austrália, foi assistente de direção  num curta metragem chamado Same As It Ever Was..  Roteiro, direção e produção de um curta de 2017 chamado O Milagre. E produção, direção, operação de câmera e som direto no documentário de longa metragem Santos de Casa e um curta desse ano de 2019 chamado Tchau, Mommy.

Meio de transformação

Ao ser indagado sobre a importância do cinema como um meio de transformação social, Alasdair  contou que um dos artistas, Guaraci Gabriel aceitou participar do documentário porque tinha assistido o filme ‘Sim Senhor’,  uma história cujo o personagem dizia ‘sim’ para tudo.

“Achei hilário isso. Eu tinha até re-assistido esse filme na noite anterior – mistérios da vida. Isso serve para mostrar como um filme, nesse caso ‘Sim Senhor’, é capaz de fazer a diferença, de formas inesperadas, na vida de indivíduos. E esse específico artista, Guaraci Gabriel, foca na mudança social, através do poder do indivíduo, em várias obras dele. No filme Santos de Casa,  a atriz potiguar Alice Carvalho fala da importância da representação na tela, das pessoas se verem refletidas por lá. Eu acho isso inegável. Acredito que as pessoas desejam essa representação. Imagine quanta diferença o filme Filadélfia fez para as pessoas sofrendo na crise da AIDS, por exemplo”.

No sentido do povo em geral, acredita que para o cinema ser um meio de transformação de uma sociedade dependerá de como cada pessoa interage com cada filme.

“No Brasil, como em vários outros países, a maioria, caso vão para o cinema, procuram assistir blockbusters que mostram violência à toa, só por mostrar, sem muita riqueza cinemática por trás. Os espectadores de filmes de arte são uma fração pequena da sociedade. Infelizmente, isso faz com que a programação de cinemas natalenses deixe muito a desejar.”

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Biblioteca Nacional de Viena

O poder transformador da literatura

Às vezes, sentada no meu cantinho da casa, fico pensando sobre as pessoas que afirmam não gostar de ler. Desde pequena tive dificuldade de entender como pode existir pessoas que não gostam, que não apreciam, que não querem dedicar parte do seu tempo a ler.

Não aquelas que não gostam de ler algo em concreto, mas o simples fato de não gostar de ler.

Fui estimulada à leitura desde pequena, escutando sempre do meu pai que a leitura tinha que ser algo prazeiroso, não uma obrigação. Via ele sempre com uma revista na mão, sempre lendo pelos cantos. Deve ser que puxou a minha vó, que andava na minha casa lendo tudo o que via, desde bula de remédios até dicionários.

Transformação

Só agora, com quase 30 anos começo a entender toda a revolução que se produziu dentro de mim, e de como a literatura foi uma das principais armas de transformação do meu caráter.  Muitas pessoas podem pensar que ler é um ato de ócio, de pura diversão. Outras de obrigação, de estudo. Mas antes do prazer e do ócio, a literatura tem outras funções, muito mais sociais e éticas que imaginamos.

Não nego que ler é um dos meus passatempos mais divertidos, junto com a escritura; a leitura não me trouxe só um novo vocabulário, uma forma de me expressar melhor, senão também novas perspectivas e pontos de vista e… acima de tudo, empatia com o próximo.

The school of life

Porque não faz muito tempo estive em Londres, na conhecida “Escola da Vida”. A Escola da Vida é um novo conceito de escola que dão cursos que aportam perspectivas e respondem a perguntas que a escola convencional não aporta e não responde. 

Quem pensa que é uma nova forma de visitar o psicólogo se engana. Os cursos são variados, mas todos enfocados a questões existenciais que nem os pais, nem o colégio, nem a sociedade, muitas vezes, dão conta de responder. Ela nasceu em 2006 em Londres ( e hoje já tem sede em São Paulo) com o objetivo de ajudar a questões que todos sabem que existem mas muitas vezes nos fazemos de surdos para a questão.

Quando estive em Londres, fiz vários cursos na The School of Life, mas o principal, o que eu estou escrevendo nesse artigo em questão é “como a literatura pode te ajudar a melhorar como pessoa”, ou, melhorando a pergunta, “pra que serve a literatura”?!

E, ainda que pareça um tópico simples, não é fácil falar sobre a questão. Ainda mais num país em que a maioria da população não lê, não tem acesso à literatura e nem são estimulados a ela. Falar de literatura no Brasil é mais complicado do que parece.

Ainda que eu tenha sido desde pequena estimulada à leitura, minha família está longe de ser aquela família idílica em que o pai ou a mãe mais se parece com o dono da livraria e conhece todos os títulos clássicos da literatura. A leitura e o prazer pela leitura vieram pra mim de forma gradual. Meus pais liam, mas não eram pessoas saiam com um Tolstoi o um Dostoiévski debaixo do braço; nem liam pra mim quando era pequena ou me aconselhavam leituras. Na verdade, eu aprendi na base da repetição; via-os lerem e queria ler o que eles leiam. Porém, sempre tive muita liberdade pra escolher aquilo que eu queria ler; e, estimulado pelos meus professores de literatura, acabei me interessando pela literatura.

Minha primeira fase foi a de experimentar, aquela que não tinha certeza do que gostava, mas seguia lendo; porque, de uma forma ou de outra, os clássicos me atraiam. Mas foi só na faculdade, já nos últimos anos dela, que entendi minha condição de escriba e de como os livros me chamam, me atraem e me transformam como pessoa.

Foi lendo Nelida Piñón (Coração Andarilho), que pela primeira vez senti vontade de escrever como ela; foi lendo a James Salter (Anos Luz) que comecei a empatizar com várias questões que até então eram alheias a minha pessoa. E hoje, estou dedicando uma segunda leitura a Érico Verissimo (Olhais os lírios do campo), porque, ainda que tenha lido com 16 anos e tenha me impactado, acho que certamente terei outra perspectiva da historia e descobrirei coisas que naquela época não tinha interpretado.

Foi através da literatura que pude entender o mundo em que vivemos; foi através da palavra escrita que entendi comportamentos, épocas, preconceitos. E é através dela que o mundo ainda pode se tornar um lugar melhor para se viver.

Criar consciência, memória histórica, empatia é muito mais fácil através da leitura, porque quem melhor que os livros pra ensinar a ver o mundo com os olhos de outra pessoa. Estimular a leitura no Brasil não é uma forma de ter um povo mais educado, que o faça aprovar nesses inúmeros testes que qualificam o nível de educação do país, sem na verdade dizer nada; senão o torna melhor, mas sábio e mais empático em todos os sentidos.

“A literatura transformou a minha vida, mas principalmente me deu a oportunidade de ver o mundo de cabeça aberta e olhos adiante. Com cada vez menos preconceitos ou juízos de valor. Entender que nem tudo é preto ou branco e de quantos lados a vida é feita é fundamental pra começar a entender o mundo que nos rodeia. E a literatura pode ser uma arma poderosa nesse sentido.”