“Eu não sabia que “Romaria” fosse fazer o sucesso que fez, eu tinha ideias meio radicais, né. Eu não queria facilitar. Olha só onde é que eu fui mexer. Eu fui mexer num símbolo, Nossa Senhora Aparecida, era uma cidade vizinha. A gente ia pra lá todo fim de semana, passear. Aí você vai descobrir que o Brasil começa a se conscientizar como nação, quando começa o culto de Nossa Senhora lá pra 1700. A gente começa a perceber que a gente não era Portugal.
O milagre começa quando você pega um corpo sem cabeça e bota uma cabeça e essa imagem vira o símbolo de um povo. Une esse povo. Eu não imaginava com quem eu estava mexendo. E o que é mais interessante é que eu não fiz um hino pra Nossa Senhora. Ela tem lindos hinos. O meu hino é pro romeiro, não é pra Nossa Senhora.
Eu tava em casa e compus a canção. Pensando em fazer uma canção moderna, uma música caipira que o Flávio Cavalcanti não quebrasse o disco no programa dele. Eu tinha um encontro naquela tarde com o Marcos Pereira, benfeitor da música regional brasileira, eu fiz a letra, mas quando chegou no fim “mas como eu não sei rezar, só queria mostrar, meu olhar.” Ótimo. E agora? Aí eu não conseguia achar mais nada pra mostrar a ele. Eu sou assim. Quando empaca, eu dou um tempo que vem.
Então eu dobrei a letra, botei no bolso, e fui encontrar com o Marcos. Aí eu falei assim: “Só que eu não terminei”. Ele falou: “Não faz mal”. Abri e cantei, lendo a letra: “É de sonho e de pó”. E no final “lalala”, terminei com “lalala”. Mas nisso, quando eu tava terminando a música, o Marcos levantou da cadeira, deu a volta na mesa, chegou perto de mim, me deu um beijo na testa, e falou: “Pô, cara, você não sabe o que você fez”. Eu não sabia mesmo. Pra mim eu tinha feito só mais uma música. Ele sentiu que eu tinha feito uma grande canção.
A banda que tocava comigo, o “Água”, eram todos publicitários. Ninguém precisava de cachê pra viver, a gente vivia de publicidade. Talvez o “Água” tenha sido a primeira banda acústica brasileira, assumida, porque com a gente tocavam Oswaldinho do Acordeon, o Papete, o Sérgio Mineiro, o Carlão de Souza, pessoas que tem uma história linda dentro da música brasileira.
O nosso show chamava “Romaria”. Foram três anos fazendo isso. Algumas cantoras assistiram. Ninguém reparou na musica. Aí quando foi meu irmão Roberto de Oliveira. Era agente da Elis, produtor da Elis. Meu irmão que produziu aquele LP “Elis e Tom”. Ela sabia que eu era compositor. Mas nunca falamos de música. Eu tinha o meu estúdio, que era na frente do Teatro Bandeirantes, e ela tava fazendo “O Falso Brilhante”. A banda da Elis durante o dia gravava jingles no meu estúdio. E ela disse: “Olha, eu vou gravar um disco…”, ela tava grávida de 7 meses da Maria Rita. “Vai lá em casa pra você me mostrar música”. Eu tava inédito, ninguém me gravava, eu era publicitário. A minha carreira de compositor estava estagnada, por várias razões. E aí eu fui gravando.
Cheguei lá era uma música assim: “sentimental…eu fico quando pouso na mesa de um bar, eu sou um lobo cansado”. Eu tava nas nuvens, eu tinha sido gravado pela Elis. Aí no outro dia ela me liga de novo: “O que você vai fazer hoje à noite?”. Eu falei: “Nada”. “Então vai no estúdio que eu vou gravar outra música sua”. Era “Romaria”. A Elis gostou tanto que convidou a gente pra tocar. Se vocês quiserem ouvir o “Água”, escutem “Romaria” com a Elis, com a gloriosa participação de César Camargo Mariano e Nathan Marques. Eu entrei em estado de graça. Pra mim tava pronto. Podia voltar pra Taubaté que tava tudo certo.
Daí a música fez sucesso. Eu devia ter uns 31, 32 anos… Aí eu fui abrir um show pro Luiz Gonzaga. Encerrei o meu show com “Romaria” que era a música que tava bombando. Quando eu sai do show, seu Luiz estava se preparando para cantar o show dele. Aí ele virou pra mim e falou assim:
“Cantou sua Asa Branca, hein, Seu Teixeira?”. Aí eu achei que ele tava tirando sarro: “Ô Seu Luiz você tá brincando comigo, querendo comparar minha música com a sua”. Ele falou assim: “Eu não estou tirando sarro”. Ele ficou até meio invocado. “Sr. Teixeira eu não estou tirando sarro, eu estou te falando uma coisa muito séria. O Sr. espere. Daqui a 30 anos você vai ver o que vai acontecer com a sua música”.
O cara cantou a bola. “E outra coisa, Seu Teixeira, isso é sorte. Caiu no seu colo. E o senhor faça o seguinte, Seu Teixeira, toda vez que o Sr. for tocar essa canção, o senhor toque como se fosse a primeira vez. Porque isso aí é sorte. Isso é pura sorte”. Até hoje, toda vez que eu vou cantar “Romaria”, eu lembro do Seu Luiz. Porque de uma certa forma ele carimbou minha música.”