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Viagem de Marie ao Brasil.Parte III

Viagem de Marie ao Brasil

Breslau. Século XIX – 1879 a 1943

Quando completei  8 anos meu pai viajou para o Brasil. Vivíamos em Breslau perto dos meus avós maternos que eram açougueiros, Augusto Hänzel e Carolina Köler. Um dado peculiar: minha avó teve o cuidado de anotar os nomes e as datas de nascimento de seus 11 filhos, num livro de hinos. Ela ficou viúva com 40 anos e já tinha os 11, casou de novo e, dessa vez, não teve filhos.

Mulheres fortes estas que viveram em meu século, incluindo neste grupo, minha mãe, Anna Pauline, que era de estatura pequena, frágil, mas muito corajosa!

Nossa vida na Alemanha não era ruim. Era simples e certamente bem mais confortável que a grande aventura que passamos até nos adaptarmos e conseguirmos a estabilidade suficiente para viver melhor no Brasil.

Impetuosa

O que aconteceu, na verdade, é que mamãe, impetuosa demais, nunca se conformou em viver longe de papai. Ela já tinha em mente ir ao seu encontro desde o início. Depois, papai atarefado com seus rebites, nem tinha tempo para escrever e deixou-a sem notícias durante os meses que passou sozinho no Brasil.

Com certeza isso ajudou para que aumentasse a ansiedade dela de ir ao encontro de papai. Nada a fazia desistir da ideia, nem o fato de entregar todas as suas economias meses antes de deixar o seu país, para o seu irmão que tinha agredido um soldado prussiano, e que precisou fugir da Alemanha.

Ao contrário, trabalhou ainda com mais energia, alucinadamente, vendendo “broas” e juntando de novo dinheiro até arrecadar mais, desfazer-se de tudo e pegar os filhos, embarcar num navio e se jogar na mais louca aventura de sua vida, que a fez não voltar a viver na sua terra natal, e nunca mais encontrar com seus genitores.

Acampamento da ferrovia

Nós chegamos ao acampamento da ferrovia antes de completar um ano de trabalho do papai no local. Foi indescritível o susto que levou quando viu Anna Pauline e sua prole chegando para ficar.

Talvez, essa vivência prematura com as responsabilidades familiares, de ajudar mamãe a cuidar da casa, me fez capaz de enfrentar um casamento tão precoce. Edward sempre foi um homem de temperamento fechado, mas muito bom. Em reuniões familiares sempre relembrava os meus petelecos em tom de zombaria e brincava comigo, contava para os nossos filhos. Tivemos oito.

Era uma prole tão grande que uma vez, numa das viagens de trem, numa parada, esqueci de fazer a contagem de costume no retorno de um lanche e deixei um na estação. Foi um rebuliço geral, até que encontramos meu garoto aos prantos.

Edward Wanke

Edward sempre foi um homem inteligente, de espírito inventivo, ajudou a construir mais duas linhas ferroviárias, além de Curitiba/Paranaguá. Depois passamos a morar em Curitiba, na Rua Cândido de Abreu, ao lado do açougue de mamãe. Meu marido abriu uma ferraria e também fabricava facas industriais, utilizando-se de um segredo de têmpera de aço que estava na família há séculos.

Sempre achei que Edward foi pouco reconhecido no seu trabalho na rede ferroviária. Quando era chefe das oficinas de Ponta-Grossa, ele projetou um automóvel a vapor, a “Hildinha”, que foi inaugurado com uma festa entre amigos. Lembro que eles disseram: até que enfim o valor do nosso amigo Eduardo vai ser reconhecido!

Mas não foi. Ewaldo Krüger, seu chefe, nunca citou em seus escritos o nome do idealizador e construtor do veículo. Atribuiu a si a invenção.

Apesar da minha falta de jeito no início do casamento, tenho a consciência tranquila de que desempenhei bem o meu papel de mãe, esposa e companheira.Como você pode observar, não vivi em vão. As páginas da minha vida foram repletas de fatos, histórias, lutas e desafios.

Ajudei a nascer muitos de meus netos, e tive tanto empenho nesta tarefa divina que, em três dias consegui participar de três partos, uma neta e um neto, em Curitiba, e salvar a vida do outro, Eno Theodoro, em Ponta-Grossa.  Eno nasceu, segundo a parteira, morto com o cordão umbilical enrolado no pescoço. Um bom tapa que eu dei no seu bumbum o fez acordar para vida e salvar-se da asfixia provocada pelo cordão.

Talvez, a minha alma já sabia que o menino Eno já tinha captado o meu sinal. Além de engenheiro igual ao seu avô, foi escritor e poeta.  Eu salvei a sua vida e ele salvou a nossa história escrevendo um livro. Entende, como é maravilhoso isso, criou, escreveu não um, vários – um grande feito para mim que sempre adorei ler.

  broas – pão preto muito usado entre os imigrantes, em que se usa trigo, shorot, e centeio.

Ser dona casa, eu? ; Um resgate necessário; Tributo a Marie

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Um resgate necessário. Parte II

Curitiba, Paraná/Brasil, aos dias de hoje. Século XXI

Egon gostava demais de contar as histórias dos nossos antepassados, imigrantes que saíram da Silésia alemã (agora República Tcheca), da Alemanha e  do Império Austro-Húngaro, alguns fugidos da primeira guerra, outros que se aventuraram a ganhar mais do que recebiam numa Europa em plena recessão econômica.

A América era um eldorado, onde o ouro brotava no solo e tudo que se plantava crescia com vigor. Um paraíso na terra segundo os cartazes que se espalhavam por toda a Europa para atrair aventureiros e colonizadores para esse imenso Brasil.

Muitas mentiras e poucas verdades colaboraram para aumentar o sofrimento e a adaptação destes imigrantes que sonhavam com a prosperidade, muitas vezes achando que iriam viver na América do Norte e não a do Sul, sem a opção da volta à sua pátria.

Muitas mentiras

É fato que o primeiro navio que saiu da Alemanha, rumo ao Brasil, muitos imigrantes pensavam que iam para São Francisco da Califórnia, e aportaram depois de três meses de viagem – saindo de um inverno europeu e encontrando o verão brasileiro – em São Francisco, de Santa Catarina, região Sul do país.

Era com curiosidade e atenção que os filhos do Egon escutavam essas histórias, como se fossem contos de fadas dos famosos Irmãos Grimm, as fábulas mágicas de Sherazad, com a grande diferença que a história da minha família não era de pura ficção e, sim, relatos reais de vida, de pessoas que vieram trabalhar aqui sem saber o que iriam enfrentar num país selvagem e inexplorado.

Imigração

Assim como tantos imigrantes, os Weigert e Wanke fizeram parte da história da colonização deste Estado, que se tornou a “terra de todas as gentes” por abrigar diversas culturas étnicas. O Paraná, Santa Catarina e Rio Grande Sul receberam muitos imigrantes alemães, poloneses, austríacos e italianos.  Em parte porque o clima desta região – a Sul do Brasil – era parecido com a da Europa e isso facilitava a adaptação dos novos colonizadores, e outra, porque a abolição dos escravos criou um problema produtivo muito sério: os grandes latifundiários foram perdendo suas terras e o país precisava crescer, e para produzir precisava ser colonizado.

Wanke e Weigert

No entanto, Hermann Weigert (pai) e Edward Wanke (marido) chegaram antes deste processo e não como colonizadores sem dinheiro, sem instrução e com os únicos sonhos de aqui viver uma vida melhor. Eles vieram como técnicos, especializados, para construir o progresso e tornar realidade a ferrovia que seria a ligação entre o planalto (Curitiba) ao litoral (Porto de Paranaguá).

Eles estavam entre os operários considerados mais especializados e do pessoal técnico contratado no Império Austríaco. O Hermann, pai de Marie, nascido em 1841, em Trachtenberg, na Silésia Alemã, hoje a República Tcheca, chegou ao Brasil já contratado pela companhia francesa definida para construir a ferrovia, assim como o meu bisavõ Edward, que veio um pouco depois.

Hermann chegou com 38 anos e a função, na obra, era a de colocar os rebites nas pontes e viadutos metálicos para a junção das peças.

Edward, que chegou anos depois, serviu o exército austríaco, tendo feito lá seu curso de engenharia militar. Veio para o Brasil com 21 ou 22 anos, contratado pela Compagnie dês Chemins de Fer Brésiliens, a tal definida para fazer a obra.

Milionário

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Hermann costumava dizer que se ele tivesse ganhado um tostão por rebites que colocou naquelas estruturas de aço construídas na serra, estaria milionário. Segundo relato contido no livro de Eno Theodoro Wanke – Saga dos Imigrantes – para fazer a rebitagem numa ponte era preciso equipes de pelo menos quatro homens. Dois na forja, quer no aquecimento, quer na passagem para os rebitadores da ponte, outro manejando o fole para manter a chama em alta temperatura.

“Na ponte, dois homens se encarregavam da rebitagem, um trabalhando em frente ao outro. O transporte do rebite até eles dependia, naturalmente, da posição que ocupassem em relação à forja. Se fáceis de alcançar, os rebites eram levados, um a um, dentro de um balde por um quinto operário.

Se em posição difícil, pendurados como aranhas em lugares inacessíveis, o transporte era feito através de arremesso: um homem, utilizando balde, atirava o rebite e outro o apanhava no ar também num balde, passando-os, um a um, aos rebitadores.

E este transporte vertiginoso, por via aérea, podia ter passos intermediários, em que os operários, estrategicamente colocados, apanhavam o rebite quente com seu balde e imediatamente o passava adiante, atirando-o até ele chegar aos rebitadores. (…).

Como se vê, era essencialmente um trabalho de ferreiro. Quem olha para aqueles viadutos e aquelas pontes logo nota a imensa quantidade de rebites que ostentam. São milhares, milhões, dispostos regularmente, botões de aço abotoando as vigas umas nas outras, mantendo a solidez do todo” (…)

Estrada de Ferro Curitiba-Paranaguá

 

Foto de Fernando Bonato. Via Internet . blog: bonatogeo
Estrada de Ferro Curitiba-Paranaguá. Foto de Fernando Bonato. blog: bonatogeo

A Estrada de Ferro Curitiba- Paranaguá é uma das mais belas obras da engenharia construídas em meio às escarpas da Serra do Mar, fazendo um traçado sinuoso dentro do exuberante trecho de Mata Atlântica paranaense.

Ali, estão juntas as mãos do homem e de Deus: a floresta e a estrada de ferro.

Desta construção, cujo projeto foi considerado impossível por engenheiros franceses e que não foi adiante nas mãos de um técnico italiano, meus antepassados participaram da concretização, comandados por um brasileiro que aceitou o desafio e acreditou no impossível: o mineiro João Teixeira Soares, que tinha apenas 33 anos ao iniciar a construção.

Trechos Difíceis

Quando ficaram prontas as obras dos trechos mais difíceis e espetaculares, onde foram construídos os viadutos mais imponentes, em especial o Taquaral, grudado nas escarpas rochosas, projetado em curva com três vãos de 12 metros e um de 25 metros, 57 metros no total, o presidente da Província, Dr. Carlos Augusto de Carvalho, digníssimo presidente do Paraná visitou a obra.

A visita ocorreu em junho de 1884 e Dr. Carlos participou  de uma pequena cerimônia em que expressou seu sentimento num misto de orgulho e triunfo:

“Os americanos do sul também podem dizer agora que a palavra ‘impossível’ não faz parte de seu dicionário. Se um yankee rompe a muralha de gelo da Sierra Nevada com a férrea pata de cavalo mecânico, nós brasileiros, igualmente fazemo-lo trilhar por impraticabilidade de grandeza equivalente.”

A obra foi inaugurada em  5 de fevereiro de 1885, embora o primeiro trem a percorrer toda linha foi em 19 de dezembro de 1884.

Portanto, como é possível observar, que o pai de Marie participou deste processo que foi um marco histórico para o desenvolvimento do país. Ele chegou no Brasil já casado na Alemanha com a alemã Anna Pauline, também já tinha quatro filhos. A primeira, destes quatro filhos, nascida em Breslau, era Marie Weigert, em 8 de março de 1871.

Bolsos cheios de dinheiro

A intenção dele era de voltar à Alemanha depois da construção da ferrovia com os bolsos cheios de dinheiro. O projeto era de fazer um pé-de-meia e voltar a viver na sua pátria.

Mas tal não aconteceu porque Anne Pauline resolveu vender tudo na Alemanha, pegar os filhos e encontrar com o marido no Brasil. “Hermann quase desmaiou de susto ao vê-la. Sua vinda significava o fim das esperanças de regresso. E efetivamente, assim foi.”

 

1 Wanke, Eno Theodoro. A saga dos Imigrantes. Rio de Janeiro: Editora Paquette, 1993. P.107

2 Wanke, 1993, p. 99

3 Wanke, 1993, p. 101

4 Wanke, 1993, p. 108

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Ser dona de casa, eu? Parte I

 

Avenida Candido de Abreu, Curitiba/Brasil, 1888 – casa de Marie Weigert Wanke

Minha história, na verdade, começa aqui, no dia em que minha mãe me deu umas palmadas por estar lendo um belo de um romance, toda refestelada na minha cama matrimonial, me achando a rainha do lar.

Imagine uma mulher casada levando uns petelecos da mãe, com uma vara de marmelo, como se fosse uma garotinha desobediente. Errado ou não esta história foi contada de geração a geração. Fiquei famosa entre os meus descendentes, evidentemente que não importo com isto e até mantenho como legado às gerações que desejem receber o dom de amar a leitura.

Tudo começou quando o Edward foi reclamar para minha mãe que eu, ao invés de fazer almoço, fiquei lendo na cama. Confesso que nem me lembrei da casa e das minhas tarefas diárias. Edward saiu para trabalhar de manhã e eu, zupt, me joguei na cama e me afundei nas páginas de um delicioso romance.

Vontade insana de ler um livro

Você tem ideia e sabe da inquietação que sentimos quando vem aquela vontade insana de ver o final de uma história. Sem resistências me entreguei a esta necessidade.

Que vergonha! Estava mesmo refestelada na cama, como uma rainha e não senti o tempo passar e o Edward chegar e me ver naquele deleite literário. Senti vergonha, sim, porém, bem diferente daquela que todo mundo sente quando erra ou não sabe fazer algo direito. A minha vergonha era como se fosse de um “moleque” flagrado numa traquinagem, que no fundo da alma esconde certa sensação de triunfo por ter feito a molecagem.

Adoro ler… Acho que os livros foram feitos para serem devorados, saciados pelos olhos e as histórias neles contidas penetrarem na nossa mente e se misturarem com os nossos pensamentos em sonhos encantados, em revelações, em conhecimento e sabedoria…

Flagrante moleque

Mas mesmo assim, o fato de ser flagrada lendo neste tempo em que as mulheres não tinham espaço no mundo intelectual e também no mercado de trabalho, outra sensação foi tomando conta de mim. Senti também uma enorme decepção em relação a minha nova função: a de esposa.

Pensei que, agora, casada, poderia viver uma vida mais tranquila, sem a responsabilidade interminável de limpar casa, lavar roupa, fazer almoço, todos os dias. Achei que o Edward seria mais compreensivo comigo, e que não exigiria que cumprisse tão à risca as minhas tarefas. Afinal, ele tem 10 anos a mais do que eu e poderia ser mais condescendente com a minha pouca experiência de vida – tenho apenas 17 anos.

Sem tempo para brincar

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Eu, Marie Weigert agora Wanke também, nasci primeiro numa família de 10 irmãos e que mamãe, pobrezinha, precisou muito de minha ajuda para dar conta dos filhos e cuidar do açougue. Sempre a admirei pela garra e coragem de abandonar tudo na Alemanha e viver ao lado do marido, num país tão distante e diferente daquele em que vivíamos.

Foi este sentimento que me impulsionou a dividir, com dedicação, o serviço doméstico, o que conseqüentemente aumentou minha responsabilidade e me deixou sem tempo para brincar e me dedicar a passatempos nobres como a leitura.

Tapete mágico

De qualquer modo, reprimir este desejo incontrolável de voar no tapete mágico das páginas de um livro, e optar pelas tarefas de dona-de-casa, não me deixou revoltada. Pelo contrário, me resignei e aceitei a ideia. Afinal, era assim que educavam as mulheres neste século e não é do meu feitio questionar. Meu temperamento está longe de ser rebelde, acho mais prático me submeter ao sistema. Disseram-me sempre que sou de índole tranquila e transmito doçura.

Agora, depois que passou o susto dos petelecos sem aviso prévio, até sorrio lembrando a cena… Por certo, um sorrisinho meio amarelo. Vejo nitidamente o Edward ir até ao açougue do lado da nossa casa e pedir para “mota” dar uma olhada na minha pose, toda refestelada, deitada na cama com o livro na mão.

Lembro que ao levar as lambadas na perna, sai saltitando do quarto até alcançar a cozinha e lá me concentrar nas panelas.

Por certo, minha impetuosa e decidida mãe ao ver a cena ficou indignada com o fracasso de sua educação, não teve dúvidas em pegar sua varinha de marmelo e me dar umas boas lambadas.

Rigidez nas tarefas domésticas

Isso mesmo! Nos valores morais de minha mamãe, a imigrante alemã, Anna Pauline, filha de açougueiros de Breslau, era inconcebível que uma de suas filhas, educada com esmero rígido dos germânicos, deixasse de cumprir os sagrados deveres de uma dona de casa.

Então, foi assim que aos 17 anos, casada, levei uns petelecos pelo simples fato de gostar demais de ler meus adorados romances, num horário inconveniente. Na hora em que uma dona de casa deve fazer o almoço para família.É por este episódio, tão singelo, e ao mesmo tempo tão intenso e capaz de marcar as gerações futuras, que eu preciso abrir meu coração e dizer a você e a toda a linhagem dos Weigert e Wanke que gostam, adoram, assim como eu, de ler um bom livro, que ofereço esta paixão como um legado.

Safanão

Desejo que o “safanão” recebido sirva de estímulo e fique registrado, quase como um comando, na memória das minhas células e se dissemine entre os meus filhos, netos, bisnetos… para que eles busquem desenvolver este hábito maravilhoso, que considero um verdadeiro deleite e que nunca nos deixa solitários: a leitura.

Aproveitem a minha energia ancestral, o meu sinal e busquem sempre aprimorar mais. Leiam por mim…Talvez, assim, saciarei por intermédio dos meus descendentes esta sede e este hábito, que me foi tão inacessível, assim como para muitas das mulheres do século XIX.

O legado que deixo é para compensar o meu conformismo diante da situação em que vivi, sem revolta com o meu destino de mãe, esposa e dona de casa. Pelo contrário, tive momentos maravilhosos nesta vida e me completei como mulher, embora, reconheço que gostaria de… a bem da verdade….ter um tempo maior para ler.

Mulher tranquila

Talvez por esta resignação e por ser mulher tranquila, até um pouco desligada dos problemas, eu fui motivo de gozação de meus irmãos que me pegavam com brincadeiras, quando eu esquecia de coisas e de fatos.

Por este meu estilo próprio, único, é que me tornei personagem de muitas histórias contadas entre os Weigert e Wanke.  Por exemplo, antes de terminar o meu almoço adorava percorrer a vizinhança – todos os irmãos e primos – e ver o que tinha dentro das panelas, bater um papinho gostoso, para depois voltar para a minha cozinha e terminar o almoço do dia. Contavam também que eu ia ao banheiro e esquecia-se de amarrar as tirinhas desses horríveis “calções” com abertura atrás, nada sexy, que nós mulheres usávamos embaixo de nossas imensas saias. Meu irmão sempre me avisava que elas arrastavam pelo chão.

Bahhh… Isso nunca me incomodou. Mas voltando à história dos petelecos, tenho em minha mente sempre o Egon, meu sobrinho, contando tim-tim-por-tim, que Edward foi até ao açougue, ali do lado da minha casa, onde a “mota” vivia e  disse em alemão: – “Komm, komm, kuch mal was passiert ist! – “Venha, Venha, venha ver o que está acontecendo”…

Aí o Egon terminava de contar a história, todos sorriam deste episódio e a mulher dela, a Odette, minha neta, completava dizendo:  – também coitadinha, casou tão novinha e nem sabia a responsabilidade que ia enfrentar. Achou que casando ia se livrar de cuidar dos irmãos e fazer somente o que queria!. Nem tinha ideia da prole que iria produzir: oito filhos!

Mota – mãezinha em alemão, pelo menos no conceito dos imigrantes instalados na Cândido de Abreu.

O conto o Legado de Marie, que corresponde aos seguintes capítulos: Um resgate necessário;  Viagem de Marie ao Brasil ; Tributo a Marie

Amor e psique/ Auguste Rodin

Mármores de Rodin transcendem a pedra

As 60 esculturas em mármore branco da mostra Rodin. O Mármore e a Vida,  nas Termas de Diocleziano, em Roma, foram monumentais numa visão de conjunto. Num olhar mais atento os mármores de Rodin insinuam vida.

O efeito “não acabado” impresso pelo estilo de Auguste Rodin (Paris 1840 – Meudon 1917), em algumas esculturas, envolve o interlocutor (aquele que dialoga com sua obra) a tal ponto que o deixa livre para criar a sua própria poética.

Desse modo, ao renunciar os traços transparentes e precisos dos mestres escultores clássicos do passado, Rodin revolucionou sua época e talhou no mármore uma forma que se tornou conhecida em todo mundo. A curadora Alice Magniem, do Museu de Rodin, em Paris, escreve no catalogo: “Se a mão do escultor é fundamental para os seus interlocutores, é claro que Rodin mantém em separado as coisas: de um lado a criação e o modelo, dos quais têm plena responsabilidade, de outro a execução real que não hesita em envolver o cliente ao ponto de o fazer escolher o título que deseja.

Mais adiante completa que, “A mão aqui é o ponto crucial por que o papel (real e imaginário) que Rodin desenvolve está no centro da valorização ao realizar seus mármores, ou em oposição às críticas ao longo do século 20. A mostra foi uma das mais completas já apresentadas sobre os mármores de Rodin. As duas imponentes e antigas salas do complexo termal romano, construído entre 298 a 306 d.C, acolheram três seções da exposição.

O primeiro tema foi sobre a ilusão da carne e da sensualidade e pelo qual são classificadas as obras do início da carreira, em estilo clássico, entre as quais aparecem o Homem do Nariz Quebrado, recusado pelo Salão de Paris de 1864, que homenageia o grande gênio Michelangelo. No topo desta seção está o “Beijo”, que representa a escultura de dois amantes e que escandalizou a França no fim do século XIX e ainda atrai visitantes para o Museu de Rodin, em Paris.

“O mármore é um material rico de referências na Antiguidade, da mitológica Grécia Antiga até a Itália renascentista de Michelangelo. Frequentemente, a tradição tem nos ensinado que a escultura tem por objeto o corpo nu e o mármore é considerado o material mais adaptado à sensação da carne. O mármore, sólido e frio, deve adquirir suavidade e calor e sob o cinzel do artista e transmutar-se em matéria palpitante. Para Rodin, o mármore não somente evocava o passado glorioso, mas permitia jogar com a luz e sombra, reentrâncias e saliências e é nisso que se encontra a força de Rodin e da sua revolução, em oposição a um neoclassicismo que olhava a antiguidade como única matriz estética e formal”.

A segunda seção demonstrou a plena maturidade do mestre a partir do ponto de vista da capacidade de elaboração das figuras que emergem dos brancos blocos de pedra. Nesta fase algumas obras que exaltam o amor e a sensualidade já deixam transparecer uma nova ideia de escultura. A poética de deixar incompleta a obra estava caracterizada na terceira seção que representa o triunfo do “não acabado”. É neste momento que Rodin encontra a chave para modernidade. Uma relação com o mármore diferente do que era visto até o momento. Uma relação que o seus contemporâneos o viam como um dominador pelo qual a matéria tremia. “A suas esculturas, longe de ser convencionais, dão vida e forma à modernidade, revivendo a matéria clássica destinada, por sua natureza, à imobilidade”

Olhar Crítico

Os artistas expressam em suas obras a vida em que estão inseridos no momento. Angústias, anseios, exigências, necessidades, emoções passageiras, efêmeras, no contexto tempo, porém quase perenes nos efeitos da arte. Impossível ver a sensualidade dos temas escultóricos de Rodin no mármore e não lembrar de Camille Claudel, sua aluna, modelo e amante. A paixão avassaladora vivida pelos dois intensificou as linhas de muitos de seus trabalhos e esta intensidade estão expressas em esculturas, como O Beijo ( cerca de 1882),Amor e Psique(1885), Amor Fugitivo (1885), Zeffiro e Psique (1900). Nestas obras o masculino e o feminino se fundem e fazem o mármore pulsar.

Mas a poética de Rodin muda depois de 1898, quando Camille decide terminar a relação entre os dois. As esculturas que foram produzidas a seguir estão totalmente fixadas no seu estilo: “não terminado”. O Segredo (1909), Arianna (1905), A mãe e a filha moribunda (1910), Adão e Eva (1905), entre outras, deixam o espectador livre para realçar o tema. Apreciar as obras de Grande Sala de Banho, das termas de Diocleziano, foi inesquecível pela relação tempo e espaço. De um lado, os usos e costumes de uma época vivida há milênios, com a arquitetura e a escultura clássica, estática, embora quase real. De outro, Rodin abrindo as portas da modernidade ao dar movimento ao mármore duro. Um contraste que valeu a pena ver, se não, ao menos viajar mentalmente ao apreciar as fotos.

O Segredo - 1909
O Beijo - 1882
Arianna - 1905
A tempestade ou O susto - 1898
Amor e Psique - 18885
A Ilusão da Carne - 1871 -1895