Parte do painel Guerra e Paz - Portinari. Referência Google Art Project

Magistral Portinari tão atual!

Sempre admirei as obras de Cândido Portinari( 1903-1962), confesso que estudei-o com dedicação e curiosidade como um grande artista do movimento modernista, porém sem conhecer a sua humanidade.

A humanidade que me refiro tem o profundo significado de respeito pelo outro, sobretudo de sua luta pelos direitos humanos. Meu conhecimento era acadêmico, focado na poética de um movimento artístico. 

Qual minha surpresa foi conhecê-lo na sua intimidade, viver seus momentos, chegar perto do seu coração sensível, pelos relatos de seu filho João Cândido Portinari.

Ao conhecer Cândido Portinari pelo olhar de seu filho, as memórias repletas de emoção e afeto, confesso, sem pudores, que seu depoimento, num encontro online com a turma dos Estados Gerais da Cultura, por coincidência no dia dos pais, me aproximou desse incrível artista brasileiro ao ponto de me sentir quase na intimidade de sua família, tal foi a sensibilidade de João Cândido falar de seu pai.  Um bate-papo que recomendo  porque nos faz entrar em outra dimensão da matéria, num universo, ao qual a arte tem o poder nos fazer vibrar nas esferas mais altas e transformar os sentimentos. 

Me emocionou saber que Portinari foi um menino simples do interior de São Paulo, que jamais esqueceu suas origens. Carregou consigo e expressou nas suas telas, nas crianças, ao retratar a alma do povo brasileiro. Um cidadão perseguido pelos governos autoritários, militante político, comunista, aquele que sempre denunciou a desigualdade, a pobreza, a miséria social.

João Cândido Portinari
Café - 1935

“Portinari viu o perdão no olho do mendigo. Portinari viu o que povo brasileiro não podia ver, o que estava escondido e mostrou para nós em suas telas. Portinari ajudou o Brasil a ver o Brasil de verdade. Não aquele que tentava imitar a capital dos colonizadores. O que nós éramos, a beleza do que nós somos”, foi a emocionante definição do ator Eduardo Tornaghi, na Pensata dirigida ao encontro. Assista aqui no canal do EGC

Todas as obras de Portinari estão disponibilizadas didaticamente no Google Art

Mais emocionante foi saber do importante trabalho realizado pelo filho ao realizar um levantamento das obras do pai – um total de cinco mil telas e 30 mil documentos –  e  a partir desse conteúdo criar o Projeto Portinari para crianças, jovens e adolescentes. 

Mais enlevada fiquei quando João Candido compartilhou a emoção que sentiu ao ouvir a fala de Lula, então presidente, na ONU e referindo-se a obra. A única referência feita por um presidente brasileiro em 49 anos de existência da obra. “Esses painéis nessa época de pandemia nunca foram tão atuais”. 

Baile na Roça(1924) foi uma de suas primeiras telas. Quem pousou para ele foram os próprios pais, o sanfoneiro também foi identificado, segundo João Cândido. Na composição ele pinta uma típica festa popular de sua cidade natal no interior de São Paulo, Brodowski 

O menino e o pião (1947) é de uma beleza pueril. A criança sempre foi tema para Portinari, em seus folguedos e brincadeiras. Essa tela é fenomenal ao retratar a infância num chapéu de soldado feito em dobradura de papel e sua atenção a um pião, um brinquedo popular na infância de antigamente. 

A obra “Os Retirantes” produzida em 1944 retrata uma família que precisa abandonar sua terra para fugir da miséria e da fome. Os tons escuros e as figuras fantasmagóricas revelam uma situação desumana que infelizmente ainda é vivenciada por muitos

Guerra e Paz traz uma grande mensagem ética e humanista. Dois painéis com  14 metros de altura e 10 metros de comprimento, que o governo encomendou para presentear a ONU em 1957. O tema do primeiro painel é a guerra, mas em vez de cenas de combate o artista optou por retratar o luto e o sofrimento da população civil. O segundo mural é dedicado à paz, simbolizada por danças e brincadeiras de crianças.

 

Segundo João Cândido, a previsão é de levar em janeiro de 2022, Guerra e Paz para uma mostra pública em Roma e em Pequim.
645944C7-6537-4F69-AD06-46AE5C059BA4

O que você escolhe: A Bolsa ou a Vida?

O título sugere um assalto não é mesmo? É quase isso! O mais novo filme de Silvio Tendler, A Bolsa ou a Vida, mostra o quão ameaçador e imoral é o mercado financeiro diante da vida humana.

O filme é comovente e ao mesmo tempo um ‘soco na boca do estômago’ de quem assiste, para fazê-lo acordar do marasmo em que se encontra e se perguntar que futuro deseja construir.

No futuro pós pandemia do novo coronavírus, a centralidade será o cassino financeiro e acumulação de riqueza por uma elite ou uma vida de qualidade para todos, com menos desigualdade? O Estado mínimo se mostrou capaz de atender ao coletivo? Como garantir a vida sem direitos sociais e trabalhistas? Em qual modelo de sociedade queremos viver?“, convida Silvio Tendler à reflexão.

Os entrevistados mostram a realidade nua e crua. Emocionam inúmeras vezes como o Padre Júlio Lancellotti, que conta de uma família de moradores de rua e onde vivem colocaram pendurado num poste de luz um crucifixo.  “Apesar da miséria absoluta, eles têm fé”.

 

A indignação aflora quando Rita Von Hunty, professora e celebridade Drag Queen, fala que o número de bilionários no planeta conseguiriam acabar com a pobreza do dia para noite vezes sete. 

A reflexão surge quando a indígena Márcia  Mura, nos remete a ditadura de costumes e hábitos impostos pelo colonizador. Quando o  chefe do povo indígena Suruí, Almir Narayamoga, reconhece que a Terra e Água não podem ser privatizadas. A revolta é inevitável quendo o economista americano,  Jeffrey Sachs, fala sobre a fortuna de Jeff  Bezos, proprietário da Amazon, que cresceu em 2020 em 80 bilhões de dólares.

Se ficou curioso e quer assistir o documentário deve acessar o site Ecofalante . O filme estará disponível até domingo dia 22 de agosto no site.

A Bolsa ou a Vida participa da 10a  Mostra Ecofalante está concorrendo ao PRÊMIO DO PÚBLICO. 

“A Bolsa ou a Vida é um filme-manifesto que incorpora diferentes olhares em um quebra-cabeças sobre o Estado, a financeirização, a desigualdade, a vida nas cidades, nas florestas e no campo e as portas de saída para o pandemônio em que vivemos”.

IMG_20191005_192803459

Diferenças entre compreensão e conhecimento. Aldous Huxley

As palavras compreensão e conhecimento são muito diferentes em seus conceitos. Temos o hábito de confundir nosso conhecimento, que é sempre limitado e incompleto, entre o que é realidade dos fatos ao que desejamos como realidade. Compreensão deturpada.

O raciocínio acima é para definir filosoficamente, de um jeito mais elegante a era da pós-verdade, denominação também elegante para tratar a mentira. Em consequência disso, tentar entender o comportamento das pessoas, sobretudo no Brasil de hoje.

Ao ler o artigo de  Maria Popova, em seu fantástico blog sobre literatura, o Brainpicking, lembrei da séria disputa de opiniões baseada em notícias falsas na sociedade brasileira. Um momento de disputa eleitoral que  transformou a vida das pessoas num verdadeiro inferno devido a disseminação de notícias falsas. Isso provocou entre famílias, amigos, grupos, uma polarização de ideias jamais visto na história do Brasil. Certamente foi uma ação muito bem elaborada para provocar confusão social.

Jaume Plensa - Bienal de Veneza 2025

 

O texto de Maria Popova é permeado de citações para mostrar a grande diferença entre os dois conceitos e é dirigido a outro foco. Na verdade,  a partir do ensaio de Aldous Huxley, dentro do livro Divine Within ( não encontrei a versão em português), o artigo tenta explicar o indivíduo num processo de meditação.  O  conhecimento parcial  das coisas e o entendimento pela metade que se agrega ao fato. O filósofo e poeta americano,  David Thoerau, reconheceu isso ao contemplar os nossos preconceitos e lamentou dizendo que “ouvimos e compreendemos apenas o que já sabemos pela metade”, 

 Em outros palavras, o nível de preconceitos que existe dentro de uma pessoa interfere na compreensão do seu conhecimento.  

Vale a pena ler alguns trechos do artigo até para entender melhor  comportamentos e a própria sociedade.  Portanto, concluir  pelo raciocínio de Huxley, que separa o significado de compreensão e conhecimento, que grande parte da sociedade brasileira é profundamente  preconceituosa e conservadora. 

Maria Popova escreve:

Gerações após Thoreau e gerações antes de a neurociência começar a iluminar os pontos cegos da consciência, Aldous Huxley ( 1894 -1963) explorou essa confusão eterna de conceitos em “Conhecimento e compreensão” – um dos vinte e seis ensaios perspicazes coletados em The Divine Within (sem tradução para o português)

O conhecimento é adquirido quando conseguimos encaixar uma nova experiência no sistema de conceitos baseado em nossas antigas experiências. A compreensão surge quando nos libertamos do antigo e, assim, tornamos possível um contato direto e não mediado com o novo, o mistério, momento a momento, de nossa existência.

Como as unidades de conhecimento são conceitos, e os conceitos podem ser transmitidos em palavras e símbolos, o próprio conhecimento pode ser transmitido entre pessoas.

A compreensão, por outro lado, é íntima e subjetiva, não um conteúdo conceitual, mas uma imediata reação mental lançada sobre uma experiência – o que significa que ela não pode ser transmitida e transacionada como o conhecimento.

Nossos antepassados conceberam formas de transmitir o conhecimento de uma geração para a outra – em palavras e símbolos, em histórias e equações – que garantiam a sobrevivência de nossa espécie preservando e transmitindo os resultados da experiência. Mas conhecer os resultados de uma experiência não é o mesmo que compreender a própria experiência. Para complicar a questão, podemos compreender as palavras e os símbolos pelos quais falamos uns aos outros sobre nossa experiência, mas ainda perdemos o imediatismo da realidade que esses conceitos pretendem transmitir. Huxley escreve:

A compreensão não é conceitual e, portanto, não pode ser transmitida. É uma experiência imediata, e a experiência imediata só pode ser falada (de forma muito inadequada), nunca compartilhada. Ninguém pode realmente sentir a dor ou tristeza de outra pessoa, o amor, a alegria ou a fome de outra pessoa. E da mesma forma ninguém pode experimentar a compreensão de outra pessoa de um determinado evento ou situação … Devemos sempre lembrar que o conhecimento da compreensão não é a mesma coisa que a compreensão, que é a matéria-prima desse conhecimento. É tão diferente de compreensão quanto a prescrição do médico para a penicilina é diferente da penicilina.

A compreensão não é herdada, nem pode ser adquirida laboriosamente. É algo que, quando as circunstâncias são favoráveis, chega até nós, por assim dizer, por conta própria. Todos nós somos conhecedores, o tempo todo; é apenas ocasionalmente e apesar de nós mesmos que compreendemos o mistério de determinada realidade.

No cerne do ensaio de Huxley está a observação de que uma grande parte do sofrimento humano decorre de nossa tendência de confundir o conhecimento conceitual com a compreensão, “conceitos caseiros para dada realidade.” Tal sofrimento pode, portanto, ser amenizado substituindo a confusão com clareza – com uma consciência total da realidade, não filtrada pelo “pseudo-conhecimento sem sentido” que surge de nossos hábitos reflexivos e humanos de “simplificação excessiva, generalização excessiva e abstração.”

Tal consciência total, observa Huxley, pode produzir uma onda inicial de pânico com os dois fatos elementares que revela: que somos “profundamente ignorantes” – isto é, carecemos para sempre de conhecimento completo da realidade; e que somos “impotentes a ponto de ficarmos desamparados” – isto é, o que somos (o que chamamos de personalidade) e o que fazemos (o que chamamos de escolha) são meramente a vida do universo que vive através de nós. (Qualquer pessoa capaz de pensar com calma, profundidade e sem defesa sobre o livre arbítrio reconhecerá isso prontamente.)

E, no entanto, além da onda inicial de pânico, encontra-se um mar profundo e insondável de serenidade – uma paz flutuante e um acordo alegre com o universo, disponível mediante a rendição a esta consciência total, após a liberação do empreendimento narrativo, a intoxicação de identidade, o condicionado reflexo que chamamos de self, nosso eu.

Huxley escreve:

Esta descoberta pode parecer à primeira vista um tanto humilhante e até deprimente. Mas se eu os aceitar de todo o coração, os fatos se tornam uma fonte de paz, um motivo de serenidade e alegria.

[…]

Em minha ignorância, tenho certeza de que sou eternamente eu. Essa convicção está enraizada na memória carregada de emoção. Só quando, nas palavras de São João da Cruz, a memória for esvaziada, poderei escapar da sensação de minha separação estanque e assim me preparar para a compreensão, momento a momento, da realidade em todos os seus níveis. 

Mas a memória não pode ser esvaziada por um ato de vontade, ou por disciplina sistemática ou por concentração – mesmo pela concentração na ideia de vazio. Só pode ser esvaziado por consciência total. Assim, se estou ciente de minhas distrações – que são em sua maioria memórias carregadas de emoção ou fantasias baseadas em tais memórias – o turbilhão mental irá parar automaticamente e a memória será esvaziada, pelo menos por um ou dois momentos. 

Novamente, se eu me tornar totalmente consciente de minha inveja, meu ressentimento, minha falta de caridade, esses sentimentos serão substituídos, durante o tempo de minha consciência, por uma reação mais realista aos eventos que acontecem ao meu redor. 

Minha consciência, é claro, não deve ser contaminada por aprovação ou condenação. Os julgamentos de valor são reações condicionadas e verbalizadas às reações primárias. A consciência total é uma resposta primária, sem escolha e imparcial à situação presente como um todo.

indio

‘Posso ser quem você é, sem deixar de ser quem eu sou’

Essa frase, cuja eloquência já define sua autoria, foi utilizada na década de 80 pelo movimento indígena na luta por seus direitos constitucionais.

O indígena pode viver como o homem branco,  escrever livros, ir ao teatro, usufruir do mundo moderno, ele tem competência para isso, sem negar a sua ancestralidade. “Sem precisar abrir mão daquilo que sou”,  afirma Daniel Munduruku.

O escritor e professor indígena, Daniel Munduruku, é hoje a voz mais influente que estendeu a ponte ligando a narrativa oral dos povos da floresta e a escrita. A fala serena do escritor indígena num encontro nos Estados Gerais da Cultura, sob o título ‘Sobre Piolhos e Outros Afagos’ , nos transporta para outro universo, do presente, do aqui e agora, da relação do homem (microcosmo) com o planeta (macrocosmo).

Acredito que o leitor perderia muito se o PanHoramarte tentasse transmitir  na totalidade suas reflexões sobre a vida e cultura indígena. Vale mais escutá-lo e sentir-se como estivesse no afago do catar piolho. Quer imagem mais simbólica repleta de afeto do que é catar piolho no outro. Essa foto de Claudia Andujar mostra  exatamente essa afeição.

Daniel pertence a etnia Munduruku e se destaca por mostrar a importância em preservar a genuína ancestralidade brasileira por intermédio de seus livros publicados e premiados  como “As serpentes que roubaram a noite e outros mitos”,  “Histórias de Índios”, entre outros.

.Daniel Munduruku - foto cedida aos EGC
.Daniel Munduruku - foto cedida aos EGC

A escuta pelas palavras de um indígena nos apresenta uma outra realidade  existencial, muita mais solidária e verdadeira. É tocante quando o escritor apresenta os papéis dos pais e avós numa aldeia. É de uma simbologia existencial difícil de traduzir em palavras, apenas senti-la à  flor da pele.  

Os pais são responsáveis pelo corpo de uma criança. Isto é, de sua subsistência, crescimento, trabalho, entre outras atividades materiais.. Os avós são responsáveis pelo desenvolvimento espiritual da criança indígena.  “Pelas narrativas simbólicas avós devem dar sentido a existência dos netos”.  

Claudia Andujar - Inhotim

É uma pena que o colonizador não conseguiu captar a mensagem de sabedoria do indígena e chegou com a fúria da exploração a vontade de escravizar esses primeiros povos. Vale mergulhar nos livros de Daniel Munduruku e deliciar-se com as narrativas.  Segundo ele, o indígena vive o presente sem a expectativa de futuro. Sem estar o tempo inteiro tentando acumular coisas. O futuro não é importante e sim o presente, que segundo Daniel, por esta razão se chama presente e deve estar atrelado à memória, ao passado.

Claudia Andujar - Inhotim

As fotos reproduzem a mostra permanente de Claudia Andujar, em Inhotim, e foram reproduzidas  pela autora deste texto em 2016. As lentes e o olhar  sensível de Andujar mostram a pureza e a serenidade na alma de um indígena. Talvez, o indígena contemporâneo não tenha mais essa  expressão completamente serena por viver em constante situação de  violência provocada por  um governo que não o considera brasileiro e deseja expulsá-lo de suas terras. 

Claudia Andujar - Inhotim

“A gente olha apenas o passado e o presente. Entre os indígenas não existe a palavra futuro. Eles nomeiam as coisas a partir da experiência vivida. Como não se experimentou o futuro, não existe uma palavra que o nomeie. Não existe essa ideia de futuro. Claro que cada povo tem a sua dinâmica de compreensão cosmogônica. Mas costuma ser assim. O passado é fundamental porque é o tempo da memória, é essa memória que vai dizer quem eu sou e o que eu faço nesse mundo. Sem apressar, sem querer dar salto, mas se percebendo parte da natureza. Uma visão que olha pra trás. É esse passado que nos impulsiona para frente, para aquilo que há de vir. O indígena nunca pergunta para uma criança sua, pois de antemão ela já sabe que essa criança não será nada, porque ela já é tudo o que ela deveria ser. Porque ela é criança, e precisa viver essa estação plenamente. Brincar.  Quando a uma criança indígena foi perguntado o que ela queria ser quando crescer, ela respondeu “avô”. Fonte: Estados Gerais da Cultura.

O futuro é algo que faz com que a gente não se comprometa com as coisas ao nosso redor”

Assuntos similares a este no PanHoramarte:

Aprenda a viver com os índios

Ameaça do Covid-19 em índios. Apelo de Sebastião Salgado

Poética Artística dos índios

Emoções do olhar Yanomami nas lentes de Andujar