Coletivo Aos Nossos Pais

‘Afinidades afetivas’ da Bienal para o Brasil

Num Brasil polarizado como agora vivemos, vale prestar a atenção nos artistas que se uniram em suas ‘Afinidades Afetivas’, na Bienal de São Paulo. Nunca um tema foi tão necessário como o escolhido pelo  curador para a 33a. edição.

Apesar da conexão com o atual momento brasileiro feita por mim, a real inspiração do curador Curador Gabriel Pérez-Barreiro foi o romance Afinidades eletivas (1809), de Johann Wolfgang von Goethe, e a tese “Da natureza afetiva dá forma na obra de arte” (1949), de Mário Pedrosa.

A idéia é valorizar a experiência individual do espectador na apreciação das obras em vez de um recorte curatorial que condiciona uma compreensão pré-estabelecida.

Coletivos 

As minhas considerações sobre a Bienal de São Paulo nessa edição ainda são por intermédio de pesquisas online e entrevistas. Pretendo até o seu término avaliar pessoalmente o que nossos artistas estão mostrando nesse biênio.

Num rápido olhar online visitando a página da Bienal, gostei do coletivo Aos Nossos Pais, de Alessandro Cesarco, pelo conteúdo emocional da proposta. Sentido/Comum é outro conceito altamente afetivo. Antonio Balleter Moreno.

Novamente, o que me atrai é a narrativa. Sem ver as obras:

“Somos todos diferentes. Cada um vê o mundo de uma forma distinta.

Cada vez que nos movemos, o fazemos com nosso mundo. O que nos rodeia a cada momento é parte de um universo particular que se move conosco. O ambiente faz o mundo”.

A brasileira Sofia Borges na A infinita história das coisas ou o fim da tragédia do um, parte de considerações filosóficas sobre a tragédia grega e referências mitológicas.

Esse coletivo e o de Waltercio Caldas que estão representados por alguns artistas brasileiros.

Ao final, todos os coletivos trazem para arte, as profundezas da afetividade e nos oferecem uma gama de emoções que estou curiosa em interagir.

Individuais

Dos trabalhos individuais, relembrando que a análise é preliminar e com base nas informações do site oficial, a obra de Aníbal López, ou A-1 53167 (número de seu documento de identidade), me chama atenção pela provocação.

O desestabilizar a rotina: jogar uma tonelada de livros em uma rua movimentada, desmascarar a hipocrisia, entre outras posições, sobretudo políticas.

Césio 137

A obra de Siron Franco na Bienal nos remete ao povo brasileiro, descaso, e saúde pública. Trata-se de uma pesquisa artística que se iniciou em setembro de 1987,  quando um catador de sucata em Goiânia encontrou uma máquina de raio X abandonada em um terreno baldio na rua 57 do Bairro Popular.

“Quando abriu parte da máquina, encontrou uma cápsula de césio 137, substância altamente radioativa usada para fins terapêuticos e que deveria ter sido descartada profissionalmente, e não jogada no lixo comum.

Ignorando suas propriedades letais, o catador ficou fascinado com a substância, que brilhava no escuro, e a levou para casa, onde a mulher e a filha brincaram com ela”.

Uma história triste de preconceito, dor, falta de conhecimento e responsabilidade que até hoje a população do local sofre as consequências.

Visite a Bienal

A 33a. Bienal de São Paulo está aberta ao público até o dia 9 de dezembro. A pequena apresentação que fizemos é para motivar o maior número de pessoas a prestigiar no Parque Ibirapuera, em São Paulo, uma das mais importantes iniciativas em prol da arte  no Brasil.

O artista transporta suas emoções para uma obra de arte, é evidente. No entanto, também sente a necessidade de depois de finalizada a obra, experimentar as emoções do público.

 

 

 

Foto de Antonio Lacerda/EPA

Memória nacional à mercê do mercantilismo

A nossa identidade histórico cultural? Talvez esteja em processo de privatização…

Duas semanas depois do incêndio que consumiu o Museu Nacional, a UNESCO anuncia que será preciso 10 anos para recuperar parte da nossa memória. Na contramão desse processo de reconstrução está a tentativa, por parte do governo federal, de privatizar o setor.

medida provisória (850/18) que autoriza a criação da Agência Brasileira de Museus (Abram), em substituição ao Instituto Brasileiro de Museus (Ibram – Lei 11.906/09), que será extinto, está para análise no Congresso Nacional.

Para a professora de Museologia da Universidade de Liège, Manuelina Duarte, que é também membro do Ibram, a situação não vai mudar. Em seu artigo Desafios do Presente, explica que é “fantasioso imaginar que vão chover investimentos privados”.

Recomendo a leitura do artigo aos interessados em entender como funciona o papel do poder público na administração desses espaços culturais.

Arbitrária

A MP é arbitrária e também um atentado à democracia.

Na recente reunião realizada no Rio Janeiro, em 10 de setembro, os representantes da Rede Brasileira de Coleções e Museus Universitários (RBCMU),  manifestaram apoio à UFRJ e conclamam a sociedade brasileira e internacional a reagir contra o atentado à democracia brasileira e às instituições públicas pela criação de forma arbitrária da Abram.

Esta medida agride frontalmente a continuidade das políticas públicas voltadas ao setor dos museus que resultaram na instituição do Estatuto de Museus e na criação do IBRAM, em que Estado e sociedade civil uniram esforços em prol da Cultura, do Patrimônio e dos Museus no país.”, diz a carta aberta da Rede.

Mercantilismo e memória nacional

“Não podemos permitir que um órgão fundamental aos campos museal e museológico e que veio para atender a uma demanda reprimida há várias décadas, construído de maneira coletiva e democrática para dar suporte a uma política especifica de museus, seja apagado por uma decisão monocrática sem consulta ou discussão com os setores diretamente envolvidos.

O Ibram, com quase uma década de existência, materializou uma importante conquista para a pesquisa e a preservação do Patrimônio e da Memória, além de representar um grande avanço para a construção identitária e o desenvolvimento da sociedade brasileira”, escreve aos deputados e senadores, o professor Ivan Coelho de Sá, da Escola de Museologia da UNIRIO.

Com seu desaparecimento os museus públicos fatalmente irão ficar à mercê da especulação. Além disso, sua extinção abrirá caminho rápido para a privatização de instituições museológicas, sobretudo de âmbito federal e cujos patrimônios, de importância nacional, transcendem o puro mercantilismo. Patrimônio público e Memória nacional são áreas muito relevantes para a sociedade e não devem sofrer processos especulativos que constituam risco e retrocesso.

 

 

 

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‘A Pulsão Pela Escrita’

‘A Pulsão Pela Escrita’ é o novo livro do jornalista e escritor paranaense Luiz Manfredini sobre a biografia do também jornalista e escritor Wilson Bueno (1949-2010). O título traduz a personalidade de Bueno e, sem dúvidas, envolve-se com a de  Manfredini. 
Amigos de infância e adolescência, ambos professaram já no início de suas carreiras a paixão pela escrita.
“Também me lembraria de como nos conhecemos e como nos tornamos, um o melhor amigo do outro, naqueles anos de formação, entre o final da infância e o início da adolescência, de 1958 a 1966. Certamente foram os livros, embora não me recorde exatamente de como isso aconteceu. Passamos a trocar livros e a emprestá-los na Biblioteca Pública. E a devorá-los com uma compulsão incompatível para nossa tenra idade.” Fonte revista Candido, da Biblioteca Pública do Paraná
Wilson Bueno é um dos autores ‘mais significativos e fascinantes da literatura brasileira’ e Luiz Manfredini, além de sua passagem nos principais jornais e revistas brasileiros como jornalista, é autor As Moças de Minas, Memória de Neblina (sobre a ditatura militar) e Retratos no Entardecer de Agosto ( a vida de Dr. Faivre, um médico francês que lutou pela igualdade social em 1847, no Paraná).

Leitura

Estou curiosa em conhecer a vida de Wilson Bueno. Gosto do texto leve e ao mesmo tempo detalhado de Manfredini, que considero uma característica de jornalista/escritor. Assim que encerrar o Décadence, de Michel Onfray, em italiano e a releitura de Questões de Arte, de Cristina Costa, o meu próximo livro será Pulsão pela Escrita.
Diga-se de passagem que tenho um velho hábito de ler dois, três ou até mais livros ao mesmo tempo. Quando canso de um, passo para o outro e assim a leitura torna-se um exercício rico de informações.
Manfredini é daqueles escritores, cuja relato faz o leitor participar da cena descrita. Gosto de me sentir parte e viajar no tempo e nas palavras. Não esqueço da sensação do francês Dr. Faivre, em Retratos no Entardecer de Agosto, ao refrescar os pés nas águas do Ivaí. A descrição do autor fez com que me sentisse sentada à beira do rio desfrutando do momento junto ao personagem.

Wilson Bueno

“Wilson Bueno, escritor de múltiplas facetas. Ora um flâneur, um vagau, como dizia, colhendo aqui e ali, em andanças sem destino, a vida tortuosa dos marginalizados. Suscetível a influências, ora incorporava Jean Genet, em sua mitologia pessoal de escândalos e rixas, ora o libertino Arthur Rimbaud, vestes rotas, cabelos longos e desarrumados e o comportamento considerado ultrajante. Em seus últimos vinte anos de vida, sóbrio, fechou-se em recato, mostrando-se como um discreto e elegante cavalheiro vitoriano.

A pulsão pela escrita é, enfim, um voo acidentado e pungente, sobre a vida e a obra de um escritor que “não viveria, absolutamente, sem escrever”, e que se agarrava à literatura movido por uma pulsão vital, absoluta”.

Para agendar

O lançamento será no dia 18 de setembro, das 18h às 21h, na Casa de Chá The Kettle, na Rua Prudente de Morais, 836 (esquina com Júlia da Costa), em Curitiba.

Nada melhor, entre uma xícara de chá e outra, algumas guloseimas, ‘jogar conversa para fora’ sobre a vida de um cara que amava escrever. Vamos lá!

Claude Monet, The Gare Saint-Lazare (or Interior View of the Gare Saint-Lazare, the Auteuil Line), 1877, oil on canvas, 75 x 104 cm (Musée d'Orsay)

Numa estação perdida na França…

Numa estação perdida na França havia uma menina comendo um sanduíche; uma criança
jogando com os brinquedos da estação, um menino dormido no sofá e um monte de gente
indo e vindo de todos os cantos do país.

Numa estação perdida na França tinham pessoas de pé, pessoas sentadas, pessoas com pressa e
outras com nem tanta pressa. Havia gente com sono, gente cansada; gente que tentava
esconder o seu cansaço tomando café. Também havia gente desperta e festeira.

Português

Numa estação perdida na França, fui tomar um café e me quebrei para pedir tudo em francês
e de repente, quando já estava quietinha no meu canto, escuto a menina que me atendeu
falar em português. E não aquele português enrevesado que a gente as vezes não entende. Eu
ouvi o sotaque do meu país, na boca não só de uma, mas de todas que trabalhavam ali.

Numa estação perdida na França, todo mundo era gentil. Todo mundo falava por favor,
obrigado e desculpa. Todo mundo tinha boa cara.

Seria a cara das férias… de quem vai e de quem já voltou.

Caras morenas de quem esteve na praia, caras branquinhas de quem foi para a
montanha… caras despreocupadas de quem parte hoje…mas sempre caras muito relaxadas,
dessas que esconde a pressa da vida.

Piano

Numa estação perdida na França tinha um piano. Um piano que estava ali para quem quisera
tocar: e tocavam. Tocavam o tempo todo. O piano mais disputado que eu já vi. Com músicas
lentas, tristes, alegres, animadas, capazes de transformar tudo a nossa volta em pura poesia.

Numa estação perdida na França tinha um mochileiro hippie que levava seu lap-top de
trabalho, com marca da empresa e tudo; estudantes que chegavam com os tuppers feito pela
mãe. Havia gente com malas pequenas, medias, grandes… e até gigantes; gente que parecia
que levava a casa encima.

Numa estação perdida na França o piano não parava de tocar. Como se todo mundo nesse país
soubera tocar muito bem o piano. Como se fosse algo tão natural que já ninguém dava valor.
Em 3 horas, havia pessoas que chegavam e que partiam… e sempre, sempre, sempre, havia
alguém disposto a sentar e tocar o piano para a plateia mais ausente do mundo. Mas tudo
bem!!!

Poesia em cada gesto

Numa estação de trem perdida na França, para ser mis precisa, na estação de Toulouse, ali
estava eu. Sentada ao lado desse piano, escutando cada música que cada passageiro se
propunha a tocar… E buscando nessa música de fundo, nessa trilha sonora da Estação, poesia
em cada gesto, em cada palavra, em cada momento que eu estou passando.

Minhas férias começam hoje. Será que as pessoas olham para mim e veem que eu também tenho cara de férias?!