Jaider Esbell 2017
Transformação/Ressurgência de Makunaimi

Queremos liberdade e utopia! Sonho teimoso de todos nós

Simples assim! Ao escutar "Coração Civil" música e letra de Milton Nascimento e Fernando Brandt, a inspiração aflorou para publicação desta semana, um dia após ao 7 de setembro.

Vamos cantar e cantar sempre para incorporar em nossos corações e mentes como um mantra, que nos ajudará a apertar o número certo na urna eletrônica nesta eleição do dia 2 de outubro. Um Brasil fortalecido pela cultura, arte e educação. 

A tela Makunaimi/ Ressurgência de Jaider Esbell, cuja série de obras está exposta no Arsenale, na  59º Bienal de Veneza, foi escolhida com a propósito de compor essa reflexão sobre os 200 anos de independência do Brasil e dar voz aos povos originários e fortalecer a luta por um país mais justo. 

Também a brasileira Rosana Paulino está na Bienal de Veneza com seus desenhos em uma série que representa a mulher negra, escrava que amamentava os filhos do patrão, trata do racismo e do colonialismo em Wet Nurse. Em Senhora das plantas, foto ao lado,  retrata raízes e plantas que se derramam pelo corpo feminino como a grande produtora da vida.

Quero a alegria muita gente felizQuero que a justiça reine em meu país

Quero a utopia, quero tudo e maisQuero a felicidade dos olhos de um paiQuero a alegria muita gente felizQuero que a justiça reine em meu país
Quero a liberdade, quero o vinho e o pãoQuero ser amizade, quero amor, prazerQuero nossa cidade sempre ensolaradaOs meninos e o povo no poder, eu quero ver
São José da Costa Rica, coração civilMe inspire no meu sonho de amor BrasilSe o poeta é o que sonha o que vai ser realBom sonhar coisas boas que o homem fazE esperar pelos frutos no quintal
Sem polícia, nem a milícia, nem feitiço, cadê poder?Viva a preguiça, viva a malícia que só a gente é que sabe terAssim dizendo a minha utopia eu vou levando a vidaEu viver bem melhorDoido pra ver o meu sonho teimoso, um dia se realizar

A arte transforma e aprimora o espírito. Vamos  escutar essa letra/poema e acalentar um sonho teimoso dentro de nós, de lutar pela igualdade social, na qual todos têm casa, comida, saneamento, saúde e educação.

Junto coloco a interpretação da cantora paranaense Nice Luz, que ao escutá-la em uma rede social, inspirou-me a escrever pensando nesses 200 anos de independência do Brasil, que em tantas lutas ainda está gatinhando nas utopias e sonhos que Milton e Fernando colocaram em seus versos e na bela melodia. Precisamos unir nosso país e buscar na cultura e na arte as armas para o desenvolvimento de uma terra sem males. Como os Guaranis que caminham rumo ao leste em busca da “terra sem males”.

“”O Brasil é signatário de Pacto de São José da Costa Rica, desde 25 de setembro de 1992. Assim como outros países signatários, reafirma o “…propósito de consolidar neste Continente, dentro do quadro das instituições democráticas, um regime de liberdade pessoal e de justiça social, fundado no respeito dos direitos humanos essenciais.” Isso precisa ser sempre lembrado. Fonte: Nice Luz/Facebook

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Vinte e quatro horas de chuva

Faz três dias que chove. Dizem-se que as chuvas continuarão nos próximos dias. Talvez a vila seja porque fica bem na beira da floresta. Estou às margens da Mata Atlântica.

Eu amei duas coisas desde a minha infância. Uma é a solidão preferida, a outra é a chuva. Mais precisamente, chuvas torrenciais; chuvas que duravam dias. Eu também amo o nevoeiro. Talvez tenhamos saído de um nevoeiro. Um dia vamos desaparecer no nevoeiro novamente. Dirão que era uma vez… É como se as árvores que desaparecem ao longe expressassem a vaga ilusão da nossa existência.
Solidão, chuvas torrenciais, o mar tão perto, e a Mata Atlântica atrás de mim, levando até as montanhas distantes.
Agora o outono está acabando, o inverno está chegando. A floresta está nublada, o céu está cinza. As aves, por outro lado, parecem menos frequentes. Se chover no mundo exterior, choverá no meu mundo interior também. O mar dentro de mim corre pela tempestade, uma névoa invisível cobre tudo ao meu redor. Até o sol nascer novamente.

Eu amo passar o tempo com a minha família. Mas às vezes preciso de solidão; tanto quanto pão e água.

Penso na minha existência, longe de tudo e de todos, me isolei por um tempo. É como uma dor existencial devastadora que alguns escritores e filósofos não podem aceitar e sofrer. Também estou procurando aqueles aspectos da minha existência que podem me trazer pouca felicidade. Às vezes, como Cioran, gosto de filosofar entre as ruínas; entre as ruínas filosóficas.*

A maioria das pessoas gostam das praias lotadas, do céu azul, das bolas de algodão das nuvens brancas, da atmosfera de verão. Eu também gosto desses às vezes. Mas sobretudo desde a minha infância, preferia o inverno… preferia a solidão, praias vazias que parecem não ter fim, estradas vazias com folhas voando, florestas distantes na neblina… Talvez seja porque tenho espírito artístico, não tenho não sei, talvez seja por isso.
Meu lado existencial sempre prevaleceu; às vezes eu sofria de dor existencial, e às vezes eu gostava da minha existência. A vida não é avança no equilíbrio entre os dois de qualquer maneira?

Quando olho para uma praia vazia, quando ando por lá sozinho, talvez uma gaivota que vejo ao longe ou das ondas que chegaram na praia vazia me lembre da minha existência; Na verdade não vivemos entre as ondas que vão e voltam da praia?

Estamos sempre tentando dar sentido às nossas vidas, não ouvimos o que muitos filósofos dizem há milhares de anos; dizem que ‘a vida não tem sentido’, mas não a ouvimos porque não suportamos viver sem sentido. Talvez a única coisa significativa no mundo seja a própria morte… Quem sabe; aqui coloco tudo nesta palavra, mais uma vez: Quem sabe…

“Ninguém pode se livrar da maior ferida, o problema de nascer. No entanto, aceitamos a vida e suportamos suas dificuldades com a esperança de cura um dia. Os anos passam e a cicatriz fica.” diz Emil Michel Cioran. (The Fall into Time, Emil Michel Cioran, Metis Publications, página 40.)

Mas como digo de vez em quando, embora sofra de dores existenciais, já não vejo o nascer como algo ruim. Porque não há nada que eu possa fazer sobre isso; Eu nasci e tenho que viver. O suicídio está longe de mim.
Quanto mais aprecio esta vida, mais vivo com sua amargura e doçura, e mais feliz posso ser. Então, às vezes… Porque tudo é temporário. Não há nada permanente. Talvez além do infinito.
Porque o espaço dentro e fora de nós é tão grande que nada pode preenchê-lo; vai ao infinito. Se acreditarmos que nossa vida é cheia de significado, estaremos apenas nos enganando.
“A cicatriz permanece.” Esta é a ferida da existência. Alcança muito fundo em nosso mundo interior. Talvez devêssemos nos acostumar a viver com a cicatriz.

Erol Anar

Santa Catarina, 2 a 4 de junho de 2022.

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Experiências bonitas

Está certo que o período de mais isolamento na pandemia – que durou para mim uns dois anos – nos trouxe muitas angústias, incertezas e dores de perdas de uma maneira nunca imagináveis.

Eu particularmente não precisei lidar com o luto de uma morte tão repentina de algum familiar próximo, mas sofri com os amigos que os tiveram.

Contudo, busco me apegar às coisas boas que tive neste período. Revendo outro dia fotos e vídeos dos meus filhos, de 13 e 8 anos hoje, me emocionei pela grande evolução que eles tiveram e que pude acompanhar quase que minuto a minuto.
No começo, um caos, confesso. A sala, ou melhor, a mesa de jantar na sala, que já era meu local de trabalho virou o escritório do meu marido. Virou também a escola das crianças – um entrando na pré-adolescência e outra iniciando a alfabetização. De repente, um emaranhado de fios, extensões e dispositivos ligados ao mesmo tempo.

Depois, cada um foi se ajeitando como pode e no final de 2 anos, crianças de volta à escola, o marido continuou trabalhando em casa, mas agora com uma bancada de trabalho adequada e a internet só pra nós…

Caos_amor

Meses depois de isolamento total, começamos sair do apartamento em um mega esquema de segurança sanitária para fazer trilhas e piqueniques ao ar livre. E esta foi uma das experiências mais gostosas e com os melhores frutos que tive.
Quarentei na quarentena e não sei se foi a maturidade dos quarenta anos ou a pandemia, mas eu, uma cidadã urbana desde sempre e com medo extremo de qualquer animal, – sério, até mosca! – fui me descobrindo e me integrando com a natureza. E isso foi me fazendo bem. Parece que fui sendo mais eu, na íntegra.

Passei de odiar mato, picada, trilhas a amar cada passeio desses que podíamos fazer. Comecei a procurar lugares próximos da cidade para aproveitar entre nós, depois com mais um casal de amigos e descobrimos trilhas, quintais, cachoeiras! E isto esteve ali, muito perto de Curitiba, sempre.

Sem que me desse conta, meu próximo passo foi ter um cachorro. Nunca tinha tido um e minha memória só recordava de uma má experiência, um susto, que tive de muito pequena na casa da minha avó. De lá pra cá, nem entrava em casa que o cachorro estivesse solto.

Arquivo pessoal

Mas um dia, uma amiga postou no grupo do whatsapp fotos e vídeos de um filhotinho que os filhos haviam ganhado e foi nascendo uma vontade de ter um cãozinho também. A outra amiga me indicou um monte de canis onde pudesse pesquisar e no momento em que o instagram me mostrou um vídeo de um filhote muito pequena e fofa, me apaixonei.

E assim nossa Lily – uma Shih tzu – veio para casa, integrando e completando a família. Parece que a bolinha de pelos sempre esteve conosco, sempre se alegrando com nossa presença, sempre brincando de pegar nossa meia e levando para a casinha dela.
E quando ela chegou, eu ainda me lembro do medo que imaginei que teria ao pegá-la, cuidá-la, pensando nas possíveis mordidas e eu, indefesa… (risos) E foi só carinho!

Minha filha estava há um tempo falando sobre fazer equitação – ainda acho que por influência do desenho do Spirit e Lucky – e eu nem sabia que era tão fácil encontrar escolas por perto. Marquei uma aula experimental pra ela e resolvi tentar também. Subi num cavalo, aprendi a montar, a trotar, a saltar um pequeno X, a cair… e a me sentir leve, calma quando estava nas aulas. Por vários motivos, inclusive logísticos, não pudemos continuar este semestre, mas um dia voltaremos! E esta foi uma experiência linda pra mim. Dessas que quero valorizar. Um pouquinho da superação dos meus medos.

Assim como vou valorizar cada etapa dos meus filhos neste período: aprender a ler, a andar de bicicleta, de patinete, de hoverboard, a cozinhar, a jogar xadrez, a voltar das aulas de inglês sozinho. Valorizar e gravar na memória a tarde de frio, reuniões e aulas on-line, mas com todos juntos comendo um pãozinho caseiro fresquinho e um bolo quentinho recém-saído do forno.

E o tempo passou, as vacinas chegaram, todas as doses tomadas por todos e com isso os encontros maravilhosos com os amigos, festinhas de aniversário das crianças e a possibilidade de uma viagem de férias.

O destino escolhido? Bonito!

Todos em casa quiseram aproveitar o meu “momento natureba” pra fazer este passeio que há tempos falávamos. Mas antes de eu ser o eu de hoje, nem pensar! Só de imaginar eu colocando o pé num rio cheio de peixe, me arrepiava, virava o estômago. Eu, que nem limpava o pequenino aquário do meu filho com um único beta.
Partimos em agosto para uma viagem ma-ra-vi-lhosa! Passeios incríveis em meio à mais pura natureza.

E Bonito tem passeios para todos os gostos: da aventura à contemplação do pôr do sol. Da bicicleta à flutuação. Tanta coisa pra fazer em tão pouco tempo!

Chegamos na cidade umas 15 horas e estávamos famintos. Fomos a um dos muitos balneários que existem lá pra almoçar e curtir o final de tarde e já nos encantamos. Água limpinha, pessoas nadando com os peixes (bem grandes) na maior tranquilidade, o clima extremamente agradável. Um ótimo início para os 6 dias de férias.

Mas o dia seguinte reservava o meu maior desafio. Enfrentar mais um medo e entrar no rio cheio de peixe. Nossa primeira aventura seria uma flutuação no Aquário Natural.

Minha filha também estava com um pouquinho de medo e decidimos enfrentar juntas, entrar de mãos dadas. E ela me falava: “Não tem reembolso, mãe”, dando muitas risadas.

E o tal dia seguinte chegou, o frio na barriga foi diminuindo e depois das roupas de mergulho, máscara full face – um snorkel moderno que recobre a face toda – e treinamento, parecia que estava pronta para entrar no rio e até tocar num peixe.

Parece bobo para quem não tem este medo, mas não é.

Nunca me senti tão integrada, tão pertencente ao mundo. Eu ali, flutuando sobre águas mais límpidas que já vi, cercada de peixes lindos e enormes que simplesmente me observavam. Sem medo. Só felicidade por poder ver e viver mais uma experiência bonita.

Aquário Natural - Bonito, MS
Aquário Natural - Bonito, MS
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Muitos mundos em Veneza emergem da Bienal das Artes

Cada vez que visito Veneza tenho a sensação de senti-la através das suas famosas máscaras. É como se a cidade italiana mostrasse diferentes mundos por detrás desses inspiradores disfarces da Idade Média.

 O mundo dos turistas, dos moradores e das artes. A contemporaneidade da mais antiga Bienal das Artes do mundo, tem como cenário de fundo Veneza, misteriosa e exótica vivendo o presente dentro do passado, mas num universo em outro dimensão. 

Exato. É o que sinto ao entrar no Arsenale e visitar os Pavilhões  instalados no Giardino repletos de significados expresso nas obras e instalações. 

Artistas de todos os cantos usam a linguagem global do contemporâneo em suas poéticas, sobre questões sociais, políticas e ambientais, mas com olhar e a cultura de sua gente.  É como se o visitante fosse transportado a esses mundos, viajando nos conceitos que esses artistas idealizaram para transmitir a sua mensagem pelas obras expostas.  

 

É possível comparar a uma Torre de Babel que neste lugar fala uma única linguagem: a da arte como expressão da vida.

Por isso, com certeza, entrar numa bienal contemporânea como a de Veneza, que reúne 213 artistas de 58 países, é se transportar numa outra dimensão da matéria. 

A 59º Bienal das Artes de Veneza está estupenda. Leite dos Sonhos é loucura e êxtase porque se conecta com o corpo, a terra (camada superficial do solo) e o Planeta, num emaranhado entre a destruição e a esperança da construção de numa nova era. 

Por ser um tema tão subjetivo é quase impossível colocar na linguagem escrita o nível sensorial da visita. A foto de uma gigantesca árvore construída por sacos de terras empilhados simetricamente pode não tocar o observador. A foto é estática e um fragmento de segundo que captou uma imagem.

Mas a obra feita pelos artistas ucranianos, num pavilhão improvisado, no Giardino, com totens contendo fotocópias de telas e poesias descrevendo o conflito é muito impactante para quem está no local.

Leite dos Sonhos é agonia e êxtase num mundo pós pandemia, no qual a guerra continua sendo ameaça para vida no planeta, e o amor e a paz continuam sendo a busca do homem.