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Os prazeres e desprazeres de uma viagem insólita

 

Eduardo acomodou-se entre dois bancos, o meu e de minha irmã e dali para frente a prosa começou.

Aquele homem era alto demais para permanecer em pé naquele micro-ônibus apinhado de gente rumo a Natal, no Rio Grande do Norte, e para se acomodar melhor começou a pedir licença, passar de um lado para outro e num contorcionismo circense, com o seu corpo magro e esguio conseguiu chegar ao final do corredor e lá, sentar-se no chão e de modo mais confortável prosseguir a viagem.

Aí começamos a conversar

Entre curvas e solavancos tudo foi tema para jogar “conversa para fora e não ver o tempo passar”. O clima, a fantástica beleza quase que inexplorada da Barra do Cunhaú, uma praia localizada no litoral Sul distante duas horas e meia da capital potiguar, o perigo da poluição, do lixo destruir sem dó aquele paraíso tropical, fizeram parte deste conversa que fez o tempo passar rápido. A partir daí, o Dudadaboneca como é conhecido na comunidade praiana, revelou aquele dom que poucos têm: o de declamar um verso tirado com emoção lá fundo do coração.

Até rimou….

Neste momento o cenário mudou. A viagem ficou bem mais leve e animada. Todos que estavam por perto esticaram o ouvido para não perder nenhuma parada daquela prosa rimada.

Neste grupo estavam as turistas, as moças que já conheciam Eduardo lá da Barra, gente voltando para trabalhar na cidade e moradores locais. O poema de cordel “Os sete constituintes” ou como quiserem chamar Os animais têm razão”, de Antonio Francisco, potiguar de Mossoró, foi exaltado pelo Dudadaboneca naquele fim de tarde, numa viagem enfadonha dentro de um micro-ônibus, que além de lotado estava cheio de problemas mecânicos.

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Artista

A companhia de um artista trouxe alegria e tranquilidade de tal maneira, que na hora em que o motorista parou o veículo para ver o que era aquele cheiro de borracha queimada, ninguém falou nada…

Assim, sem pânico e reclamações, num tranco lento e cuidadoso o moço da direção retomou a viagem dizendo que o veículo estava só com a roda meio travada e que ele ia tentar chegar até Natal.

Resumindo a história, sem que pudéssemos sentir tédio ou medo chegamos sãs e salvas em Natal em outro ônibus e com um sorriso nos lábios. A viagem foi divertida e prazerosa apesar dos percalços.

Obrigada Eduardo por alegrar nosso trajeto com arte e nos apresentar um poema tão verdadeiro!

Barra do Cunhaú

*Na Barra do Cunhaú, Eduardo – Duda da Boneca – é uma espécie de embaixador cultural no período em que passa veraneio naquele paraíso na terra. Dança com sua boneca de piche, canta e brinca com uma turma que gosta de música e de prosear.

Gente que respeita a cultura popular e só precisa de sanfona, trombone e bons instrumentos musicais para animar uma boa roda, sem a necessidade de arrebentar os ouvidos do vizinho com músicas de mau gosto e um som altíssimo. Em seu projeto Alvorada – acorda às 5h – às 6h percorre o bairro com um jeep temático, antes uma bicicleta gigante, e embala a vizinhança ao som de alguns boleros a Waldick Soriano.

A realidade do dia-a-dia vive em Natal, quando cumpre seu papel como um militar do exército brasileiro. “Sou artista desde que nasci e quando entrei no exército já fui consciente de que precisava ajustar esses opostos – arte e a vida militar. E deu certo”, diz ele sorrindo.

 

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Deleites em torno da Luz

À luz de velas. Por que nos seduz tanto a iluminação bruxuleante de uma vela acesa?

Talvez pelo mistério das sombras...

Gosto de sentir as cidades, captar a alma delas quando as visito.

Florença é uma cidade que não me cansarei jamais de apreciá-la, admirá-la. Ela é maravilhosa. Me sinto fazendo parte de uma pintura de um mestre da Renascença. Ela é única, personalíssima. Firenze para os italianos, floresce sempre e encanta o mundo.

 

Mesmo na paisagem natural e num pôr do sol, Firenze é arte!

Florença, Itália. Foto por Mari Weigert

Artistas do passado eram os fotógrafos de hoje. As suas obras, muitas vezes, eram feitas em troca de comida pela Igreja. Evidente que o veneziano Bartolomeo Vivarini não está neste rol. Mas aconteceu isto na Idade Média. Vale observar os detalhes das expressões fisionômicas. Beatos?

 

 

Expressão fisionômica. Detalhe de uma tela de !430, de Bartolomeo Vivarini. Natività dei santi... Foto per Mari Weigert. Accademia. Venezia.

A grande teia da vida

“Na medida em que nos relacionamos com o mundo, que vivemos com intensidade nosso dia a dia, percebemos que fazemos parte da grande teia da vida, percebemos que tudo está interligado, que existe uma inteligência divina que se expressa na natureza no cosmos e nos seres humanos”.

Regina Medina

Uma foto que mais parece uma pintura. A obra de arte da natureza. A foto captura a imagem num fragmento de segundo e a mantém eterna para nossos olhos. Por André Figueiredo. Pequenos Lençóis Maranhenses, Município de Vassouras.

O português André Figueiredo é cidadão do mundo. Viveu em muitos lugares e tem histórias para contar. Suas imagens, no entanto, falam mais que prolongadas conversas.

A função do belo que me provocou o não sei o quê! Num calor de 40 graus no Vaticano, a água é mais sagrada que as sagradas regras da instituição cristã.

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Uma carona. Foto Mari Weigert
Viver livremente. Foto Mari Weigert
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Tributo a Marie. Parte IV

A leitura não fazia parte do universo feminino no tempo em que Marie passou por esse mundo. O espaço da mulher era limitado à casa, filhos e marido.

O contos de o Legado são dedicados a Marie Weigert Wanke uma senhorinha do século XIX que adorava ler e ficou famosa na família dela por um episódio que foi contado de geração à geração de um jeito doce e bem humorado…

O legado é uma história escrita em quatro partes, Tributo a Marie, Ser Dona de Casa, eu? Viagem de Marie ao Brasil, Um resgate necessário.

Curitiba/ Ponta-Grossa, aos tempos de hoje. Século XX e XXI

É interessante observar que talentos, defeitos, estigmas de família permanecem, muitas vezes, de geração a geração e são chamados pelos psicólogos de vínculos trans-geracionais.

O livro “Meus Antepassados”, da psicóloga junguiana, Ane Ancelin Schtzenberger, que faz um estudo sobre os mitos familiares, conclui que existe de fato comprovadamente vínculos trans-geracionais.

Tempo

Aprovado cientificamente ou não, o certo é que Marie deixou marcas no coração da família. Um legado eterno. Verdadeiramente eterno porque principalmente seus netos – Eno Theodoro (que se dedicou a pesquisar detalhes da vinda dos imigrantes alemães ao Paraná e escrever um livro sobre o assunto), contaram a sua história, dessa forma, neste momento, ela encontrou espaço para permanecer no tempo.

A forma que Eno encontrou para conquistar seu público, já que tinha “veia poética” e adorava escrever livros e contos, foi “sui-generis”.

Cada exemplar publicado com recursos próprios era enviado pelo correio aos amigos e contatos, também com o frete pago e direito à dedicatória. No lançamento do livro sobre a imigração Eno confessou que gostava tanto de engenheira quanto de ser escritor e poeta. Porém, para se sustentar precisou sair de Ponta-Grossa, fazer um concurso na Petrobrás para trabalhar como engenheiro porque no interior “ninguém dá casa para engenheiro poeta construir”.

Muitos dos descendentes de Marie aceitaram a herança, sim, receberam o sinal!

A grande escritora, Lygia Fagundes Telles, que foi a terceira mulher a tomar posse na Academia Brasileira de Letras – 12 de maio de 1987, define em apenas uma frase o que sente quando escreve um livro. “A palavra é a ponte que o escritor lança para o seu próximo. Eu estendo a ponte e digo: venha”.

Eu entendo Lygia! Construo pontes por meio de palavras e as atravesso sempre, pelo simples fato de que recebi este “gosto”, este estímulo, seguindo as pegadas de Marie. Recebi dela um legado eterno!

Por isso, é para você, Marie, minha bisavó, que dedico esta história e com as palavras nela contidas, reforço as estruturas da nossa ponte e passo adiante o teu legado e, assim unidas, juntas, estendemos continuamente a ponte e dizemos a todos, venham…

  • Esse texto finaliza em quatro capítulos um episódio hilário sobre a minha bisavó (foto que ilustra o artigo é Marie e Edward na festa dos 50 anos de casado),  o Legado de Marie. Leia por ordem e se divirta com a história:  Ser dona casa, eu? Parte I ; Um resgate necessário Parte II   Viagem de Marie ao Brasil  Parte III; Tributo a Marie

 

Curitiba, setembro de 2008Mari Weigert
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Viagem de Marie ao Brasil.Parte III

Viagem de Marie ao Brasil

Breslau. Século XIX – 1879 a 1943

Quando completei  8 anos meu pai viajou para o Brasil. Vivíamos em Breslau perto dos meus avós maternos que eram açougueiros, Augusto Hänzel e Carolina Köler. Um dado peculiar: minha avó teve o cuidado de anotar os nomes e as datas de nascimento de seus 11 filhos, num livro de hinos. Ela ficou viúva com 40 anos e já tinha os 11, casou de novo e, dessa vez, não teve filhos.

Mulheres fortes estas que viveram em meu século, incluindo neste grupo, minha mãe, Anna Pauline, que era de estatura pequena, frágil, mas muito corajosa!

Nossa vida na Alemanha não era ruim. Era simples e certamente bem mais confortável que a grande aventura que passamos até nos adaptarmos e conseguirmos a estabilidade suficiente para viver melhor no Brasil.

Impetuosa

O que aconteceu, na verdade, é que mamãe, impetuosa demais, nunca se conformou em viver longe de papai. Ela já tinha em mente ir ao seu encontro desde o início. Depois, papai atarefado com seus rebites, nem tinha tempo para escrever e deixou-a sem notícias durante os meses que passou sozinho no Brasil.

Com certeza isso ajudou para que aumentasse a ansiedade dela de ir ao encontro de papai. Nada a fazia desistir da ideia, nem o fato de entregar todas as suas economias meses antes de deixar o seu país, para o seu irmão que tinha agredido um soldado prussiano, e que precisou fugir da Alemanha.

Ao contrário, trabalhou ainda com mais energia, alucinadamente, vendendo “broas” e juntando de novo dinheiro até arrecadar mais, desfazer-se de tudo e pegar os filhos, embarcar num navio e se jogar na mais louca aventura de sua vida, que a fez não voltar a viver na sua terra natal, e nunca mais encontrar com seus genitores.

Acampamento da ferrovia

Nós chegamos ao acampamento da ferrovia antes de completar um ano de trabalho do papai no local. Foi indescritível o susto que levou quando viu Anna Pauline e sua prole chegando para ficar.

Talvez, essa vivência prematura com as responsabilidades familiares, de ajudar mamãe a cuidar da casa, me fez capaz de enfrentar um casamento tão precoce. Edward sempre foi um homem de temperamento fechado, mas muito bom. Em reuniões familiares sempre relembrava os meus petelecos em tom de zombaria e brincava comigo, contava para os nossos filhos. Tivemos oito.

Era uma prole tão grande que uma vez, numa das viagens de trem, numa parada, esqueci de fazer a contagem de costume no retorno de um lanche e deixei um na estação. Foi um rebuliço geral, até que encontramos meu garoto aos prantos.

Edward Wanke

Edward sempre foi um homem inteligente, de espírito inventivo, ajudou a construir mais duas linhas ferroviárias, além de Curitiba/Paranaguá. Depois passamos a morar em Curitiba, na Rua Cândido de Abreu, ao lado do açougue de mamãe. Meu marido abriu uma ferraria e também fabricava facas industriais, utilizando-se de um segredo de têmpera de aço que estava na família há séculos.

Sempre achei que Edward foi pouco reconhecido no seu trabalho na rede ferroviária. Quando era chefe das oficinas de Ponta-Grossa, ele projetou um automóvel a vapor, a “Hildinha”, que foi inaugurado com uma festa entre amigos. Lembro que eles disseram: até que enfim o valor do nosso amigo Eduardo vai ser reconhecido!

Mas não foi. Ewaldo Krüger, seu chefe, nunca citou em seus escritos o nome do idealizador e construtor do veículo. Atribuiu a si a invenção.

Apesar da minha falta de jeito no início do casamento, tenho a consciência tranquila de que desempenhei bem o meu papel de mãe, esposa e companheira.Como você pode observar, não vivi em vão. As páginas da minha vida foram repletas de fatos, histórias, lutas e desafios.

Ajudei a nascer muitos de meus netos, e tive tanto empenho nesta tarefa divina que, em três dias consegui participar de três partos, uma neta e um neto, em Curitiba, e salvar a vida do outro, Eno Theodoro, em Ponta-Grossa.  Eno nasceu, segundo a parteira, morto com o cordão umbilical enrolado no pescoço. Um bom tapa que eu dei no seu bumbum o fez acordar para vida e salvar-se da asfixia provocada pelo cordão.

Talvez, a minha alma já sabia que o menino Eno já tinha captado o meu sinal. Além de engenheiro igual ao seu avô, foi escritor e poeta.  Eu salvei a sua vida e ele salvou a nossa história escrevendo um livro. Entende, como é maravilhoso isso, criou, escreveu não um, vários – um grande feito para mim que sempre adorei ler.

  broas – pão preto muito usado entre os imigrantes, em que se usa trigo, shorot, e centeio.

Ser dona casa, eu? ; Um resgate necessário; Tributo a Marie