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O carnaval começou pelo cristianismo

Ninguém sabe como começou o carnaval na história da humanidade.  Há indícios e relatos em regiões onde o cristianismo foi difundido.

Nenhuma organização deseja ser autora daquilo que é o oposto do que se prega…

Ao rigor da religião cristã é difícil se responsabilizar pela invenção de uma festa que permite a falta de decoro e loucuras cometidas em alguns dias de folia durante o ano.

Se analisarmos a própria palavra folia, tem origem em folle, em italiano follia, e pelo dicionário Devoto, significa: estado de alienação mental, loucura e demência.

Por que se usa tanto uma palavra tão forte para definir o que está entre as manifestações mais populares do Brasil e que é rentosa como espetáculo em muitos países?

Uma resposta simples. O carnaval envolve eventos culturais que foram evoluindo ao longo da história, como os ritos pagãos e hábitos medievais.

 
Carnaval em Veneza 2006. Foto Mari Weigert

Uma pista interessante nos dá o filósofo suiço Alain de Botton, no livro Religião para Ateus, quando defende a ideia que as religiões são sábias e conta sobre a Festa dos Loucos muito difundida na Europa, no período medieval.

“São sábias ao não esperar que lidemos sozinhos com todas as nossas emoções. Sabem como pode ser confuso e humilhante admitir desespero, luxúria, inveja ou egomania”.

O escritor, para justificar essa ideia, conta que o cristianismo medieval compreendia a dívida em que a bondade, fé e doçura têm com seus opostos. Uma dicotomia. Durante a maior parte do ano pregava solenidade, ordem, moderação, camaradagem, sinceridade, amor a Deus e decoro sexual, e, então, na noite de ano-novo, abria as portas da psique coletiva e dava início ao “festum fatuorum“, a Festa dos Loucos.

Durante quatro dias, o mundo ficava de cabeça para baixo e cometiam as mais absurdas aberrações.

“Membros do clero jogavam dados em cima do altar, zurravam como burros em vez de dizer amém, seguraram os livros sagrados de ponta cabeça, urinavam em cima das torres dos sinos….(..)

Em 1445, a Faculdade de Teologia de Paris explicou aos bispos da França que a Festa dos Loucos era um evento necessário no calendário cristão, “para que a insensatez, que é a nossa segunda natureza, e inerente ao homem, possa se dissipar livremente, pelo menos uma vez ao ano. Barris de vinho de tempos em tempos estouram se não os abrimos para entrar um pouco de ar.

Um estopim

Todos nós, homens, somos barris reunidos inadequadamente, e é por isso que permitimos tolice em certos dias: para que, no fim, possamos regressar com maior fervor ao serviço de Deus.

A moral que devemos tirar é que, se desejamos comunidades que funcionem bem, não podemos ser ingênuos, quanto à nossa natureza. Precisamos aceitar a profundidade de nossos sentimentos destrutivos, antissociais.

 

 

Imagem fotografada do livro Religião para Ateus
Imagem fotografada do livro Religião para Ateus

Instantâneos amador de um bloco de carnaval brincando perto do mar, com alegria e muita folia, em 2015, na praia de Ponta Negra em Natal. Vale lembrar que era uma Brasil diferente em todos os sentidos, político, social, sobretudo num contexto que insere o tempo da pandemia. Independente do Covid -19, uma peste que atinge o mundo e que nos retira a nossa máxima diária que é o abraço carinhoso, o brasileiro vive hoje em confronto direto de ideias. As disputas políticas autorizam a violência, a descriminação e o aniquilamento do nosso bem maior que é a cultura e arte. (pequeno texto atualizado em fevereiro de 2021)

 “(…)Não deveríamos exilar na periferia as festas e a libertinagem para serem limpas pela polícia e condenadas por comentaristas. Deveríamos dar ao caos um lugar de destaque pelo menos uma vez por ano, designando ocasiões em que podemos ficar brevemente isentos das duas maiores pressões da vida adulta secular: ser racional e fiel.Deveríamos ter permissão para falar bobagens, amarrar pênis de lã em nossos casacos e cair na noite para festejar e copular aleatória e alegremente com estranhos e, então, retornar na manhã seguinte para os nossos parceiros, que também teriam saído fazendo coisas semelhantes, ambos cientes de que não era nada pessoal, que foi a Festa dos Loucos que provocou as ações. (…)”
Vale a pena convidar Alain Botton para visitar o Brasil nos quatro dias de carnaval….

Se o carnaval brasileiro virou espetáculo não importa. Se está agora a serviço do capitalismo também não importa. O que importa é o espírito, a essência da coisa… rsss..

A Festa dos Loucos era medieval mas ainda repercute com toda força neste país verde-amarelo. Para aqueles que resistem em libertar a sua fera, vale a pena lembrar que faz bem à psiqué. E mais….  vá em frente e solte suas amarras sem dó por que a história confirma tudo e se vasculhar mais vai sentir as mãos da IGREJA  abençoando toda esta folia.

Um conselho: sinta e desfrute carnaval com o olhar da arte que a emoção será bem mais colorida e alegre.

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Os prazeres e desprazeres de uma viagem insólita

 

Eduardo acomodou-se entre dois bancos, o meu e de minha irmã e dali para frente a prosa começou.

Aquele homem era alto demais para permanecer em pé naquele micro-ônibus apinhado de gente rumo a Natal, no Rio Grande do Norte, e para se acomodar melhor começou a pedir licença, passar de um lado para outro e num contorcionismo circense, com o seu corpo magro e esguio conseguiu chegar ao final do corredor e lá, sentar-se no chão e de modo mais confortável prosseguir a viagem.

Aí começamos a conversar

Entre curvas e solavancos tudo foi tema para jogar “conversa para fora e não ver o tempo passar”. O clima, a fantástica beleza quase que inexplorada da Barra do Cunhaú, uma praia localizada no litoral Sul distante duas horas e meia da capital potiguar, o perigo da poluição, do lixo destruir sem dó aquele paraíso tropical, fizeram parte deste conversa que fez o tempo passar rápido. A partir daí, o Dudadaboneca como é conhecido na comunidade praiana, revelou aquele dom que poucos têm: o de declamar um verso tirado com emoção lá fundo do coração.

Até rimou….

Neste momento o cenário mudou. A viagem ficou bem mais leve e animada. Todos que estavam por perto esticaram o ouvido para não perder nenhuma parada daquela prosa rimada.

Neste grupo estavam as turistas, as moças que já conheciam Eduardo lá da Barra, gente voltando para trabalhar na cidade e moradores locais. O poema de cordel “Os sete constituintes” ou como quiserem chamar Os animais têm razão”, de Antonio Francisco, potiguar de Mossoró, foi exaltado pelo Dudadaboneca naquele fim de tarde, numa viagem enfadonha dentro de um micro-ônibus, que além de lotado estava cheio de problemas mecânicos.

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Artista

A companhia de um artista trouxe alegria e tranquilidade de tal maneira, que na hora em que o motorista parou o veículo para ver o que era aquele cheiro de borracha queimada, ninguém falou nada…

Assim, sem pânico e reclamações, num tranco lento e cuidadoso o moço da direção retomou a viagem dizendo que o veículo estava só com a roda meio travada e que ele ia tentar chegar até Natal.

Resumindo a história, sem que pudéssemos sentir tédio ou medo chegamos sãs e salvas em Natal em outro ônibus e com um sorriso nos lábios. A viagem foi divertida e prazerosa apesar dos percalços.

Obrigada Eduardo por alegrar nosso trajeto com arte e nos apresentar um poema tão verdadeiro!

Barra do Cunhaú

*Na Barra do Cunhaú, Eduardo – Duda da Boneca – é uma espécie de embaixador cultural no período em que passa veraneio naquele paraíso na terra. Dança com sua boneca de piche, canta e brinca com uma turma que gosta de música e de prosear.

Gente que respeita a cultura popular e só precisa de sanfona, trombone e bons instrumentos musicais para animar uma boa roda, sem a necessidade de arrebentar os ouvidos do vizinho com músicas de mau gosto e um som altíssimo. Em seu projeto Alvorada – acorda às 5h – às 6h percorre o bairro com um jeep temático, antes uma bicicleta gigante, e embala a vizinhança ao som de alguns boleros a Waldick Soriano.

A realidade do dia-a-dia vive em Natal, quando cumpre seu papel como um militar do exército brasileiro. “Sou artista desde que nasci e quando entrei no exército já fui consciente de que precisava ajustar esses opostos – arte e a vida militar. E deu certo”, diz ele sorrindo.

 

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Deleites em torno da Luz

À luz de velas. Por que nos seduz tanto a iluminação bruxuleante de uma vela acesa?

Talvez pelo mistério das sombras...

Gosto de sentir as cidades, captar a alma delas quando as visito.

Florença é uma cidade que não me cansarei jamais de apreciá-la, admirá-la. Ela é maravilhosa. Me sinto fazendo parte de uma pintura de um mestre da Renascença. Ela é única, personalíssima. Firenze para os italianos, floresce sempre e encanta o mundo.

 

Mesmo na paisagem natural e num pôr do sol, Firenze é arte!

Florença, Itália. Foto por Mari Weigert

Artistas do passado eram os fotógrafos de hoje. As suas obras, muitas vezes, eram feitas em troca de comida pela Igreja. Evidente que o veneziano Bartolomeo Vivarini não está neste rol. Mas aconteceu isto na Idade Média. Vale observar os detalhes das expressões fisionômicas. Beatos?

 

 

Expressão fisionômica. Detalhe de uma tela de !430, de Bartolomeo Vivarini. Natività dei santi... Foto per Mari Weigert. Accademia. Venezia.

A grande teia da vida

“Na medida em que nos relacionamos com o mundo, que vivemos com intensidade nosso dia a dia, percebemos que fazemos parte da grande teia da vida, percebemos que tudo está interligado, que existe uma inteligência divina que se expressa na natureza no cosmos e nos seres humanos”.

Regina Medina

Uma foto que mais parece uma pintura. A obra de arte da natureza. A foto captura a imagem num fragmento de segundo e a mantém eterna para nossos olhos. Por André Figueiredo. Pequenos Lençóis Maranhenses, Município de Vassouras.

O português André Figueiredo é cidadão do mundo. Viveu em muitos lugares e tem histórias para contar. Suas imagens, no entanto, falam mais que prolongadas conversas.

A função do belo que me provocou o não sei o quê! Num calor de 40 graus no Vaticano, a água é mais sagrada que as sagradas regras da instituição cristã.

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Uma carona. Foto Mari Weigert
Viver livremente. Foto Mari Weigert
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Tributo a Marie. Parte IV

A leitura não fazia parte do universo feminino no tempo em que Marie passou por esse mundo. O espaço da mulher era limitado à casa, filhos e marido.

O contos de o Legado são dedicados a Marie Weigert Wanke uma senhorinha do século XIX que adorava ler e ficou famosa na família dela por um episódio que foi contado de geração à geração de um jeito doce e bem humorado…

O legado é uma história escrita em quatro partes, Tributo a Marie, Ser Dona de Casa, eu? Viagem de Marie ao Brasil, Um resgate necessário.

Curitiba/ Ponta-Grossa, aos tempos de hoje. Século XX e XXI

É interessante observar que talentos, defeitos, estigmas de família permanecem, muitas vezes, de geração a geração e são chamados pelos psicólogos de vínculos trans-geracionais.

O livro “Meus Antepassados”, da psicóloga junguiana, Ane Ancelin Schtzenberger, que faz um estudo sobre os mitos familiares, conclui que existe de fato comprovadamente vínculos trans-geracionais.

Tempo

Aprovado cientificamente ou não, o certo é que Marie deixou marcas no coração da família. Um legado eterno. Verdadeiramente eterno porque principalmente seus netos – Eno Theodoro (que se dedicou a pesquisar detalhes da vinda dos imigrantes alemães ao Paraná e escrever um livro sobre o assunto), contaram a sua história, dessa forma, neste momento, ela encontrou espaço para permanecer no tempo.

A forma que Eno encontrou para conquistar seu público, já que tinha “veia poética” e adorava escrever livros e contos, foi “sui-generis”.

Cada exemplar publicado com recursos próprios era enviado pelo correio aos amigos e contatos, também com o frete pago e direito à dedicatória. No lançamento do livro sobre a imigração Eno confessou que gostava tanto de engenheira quanto de ser escritor e poeta. Porém, para se sustentar precisou sair de Ponta-Grossa, fazer um concurso na Petrobrás para trabalhar como engenheiro porque no interior “ninguém dá casa para engenheiro poeta construir”.

Muitos dos descendentes de Marie aceitaram a herança, sim, receberam o sinal!

A grande escritora, Lygia Fagundes Telles, que foi a terceira mulher a tomar posse na Academia Brasileira de Letras – 12 de maio de 1987, define em apenas uma frase o que sente quando escreve um livro. “A palavra é a ponte que o escritor lança para o seu próximo. Eu estendo a ponte e digo: venha”.

Eu entendo Lygia! Construo pontes por meio de palavras e as atravesso sempre, pelo simples fato de que recebi este “gosto”, este estímulo, seguindo as pegadas de Marie. Recebi dela um legado eterno!

Por isso, é para você, Marie, minha bisavó, que dedico esta história e com as palavras nela contidas, reforço as estruturas da nossa ponte e passo adiante o teu legado e, assim unidas, juntas, estendemos continuamente a ponte e dizemos a todos, venham…

  • Esse texto finaliza em quatro capítulos um episódio hilário sobre a minha bisavó (foto que ilustra o artigo é Marie e Edward na festa dos 50 anos de casado),  o Legado de Marie. Leia por ordem e se divirta com a história:  Ser dona casa, eu? Parte I ; Um resgate necessário Parte II   Viagem de Marie ao Brasil  Parte III; Tributo a Marie

 

Curitiba, setembro de 2008Mari Weigert