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Etiópia pede o retorno de tábuas sagradas mantidas no British Museum

A devolução de valiosas obras arte por parte de museus europeus, saqueadas em períodos de colonização e guerras, provoca discussões acaloradas. Verdadeiros tesouros arquelógicos, de valor histórico-artístico inestimável. O impasse agora é mais sério e envolve o British Museum. Trata-se de 11 tábuas sagradas ainda utilizadas em cerimônias religiosas na Etiópia.

A dúvida é sempre em relação a quem tem o direito pelo objeto, aquele que o mantém como uma espécie de alienação fiduciária, ou aquele de onde o objeto é originário.Uma matéria publicada recentemente no site The Artnewspaper , assinada por Alexander Herman, diretor assistente do Instituto de  Arte e Direito, expõe o caso do museu britânico e coloca mais ‘lenha da fogueira’.

Devolução onerosa

 “O Museu Britânico parece gostar de contar ao mundo suas restrições legais. Sempre que pretensos pretendentes se aproximam do museu em busca de restituição de um objeto da coleção, a resposta quase mecânica do museu é que seus curadores são impedidos de fazê-lo, mesmo que o desejem, devido às restrições onerosas à desativação de itens de coleção encontrados dentro do British Museum Act 1963.

Isso tem sido parte da resposta aos representantes gregos em relação às Esculturas do Partenon e, mais recentemente, à delegação de Rapa Nui (Ilha de Páscoa) que, emocionalmente, pediu para que a gigante moai entalhada retornasse a Ilha”.Fonte: The Artnewspaper.

Invisíveis

As tábuas sagradas (cristãs) simbolicamente representam a Arca da Aliança – citada na Bíblia.  Para igreja ortodoxa etíope, os textos sagrados não devem ser vistos por ninguém, salvo os sacerdotes. O Museu Britânico relaciona as tábuas no grupo de objetos ‘invisíveis’. Elas encontram-se mantidas, como confidenciais, em depósito lacrado, no próprio Museu. Nem o guardião da ala da África, Oceania e das Américas pôs o pés na sala ou muito menos viu os objetos.

Empréstimo

O empréstimo tem sido uma solução aceitável por ambas as partes e em alguns casos é a saída para o impasse. O diretor do museu britânico sugeriu o empréstimo das 11 tábuas a longo prazo, quando reuniu-se com a delegação e prometeu que a proposta seria encaminhada aos curadores.

“Mas no caso dos 11 tábuas, um empréstimo simplesmente não funciona. Estes são itens de grande importância para uma igreja ativa na Etiópia hoje. Eles foram levados em circunstâncias particularmente oprimidas durante uma invasão punitiva. Eles não estão servindo a nenhum propósito museológico ou acadêmico dentro da instituição e criam um obstáculo desnecessário para as autoridades da igreja que procuram venerá-los”. Alexander Herman

E o leitor já tem uma opinião formada sobre o assunto? Sem dúvida, complexo, sobretudo se considerarmos que muitas obras foram preservadas por estarem exatamente num museu. No entanto, é justa essa posse se os objetos foram saqueados ou até mesmo roubados em períodos de conflito?

Metamorfose de Narciso - Salvador Dali

Narciso e suas representações na arte

Em tempos de Selfie – autorretrato hoje facilitado  pela tecnologia – falar sobre narcisismo nunca perde a atualidade, especialmente quando a conexão é com a arte. O jovem Narciso da mitologia grega, hoje tão citado para exemplificar a vaidade destrutiva, estimulou artistas ao longo da história a representá-lo, cada qual com sua poética e época. Caravaggio, Salvador Dalí, Vik Muniz…

O artista brasileiro, Vik Muniz, em sua obra Narciso d’après Caravaggio – 1961, recria em fotografia, com material de sucata  (pneus, velhos, ferramentas, pedaços de madeira),  Narciso do artista italiano do século XVI. A obra de Muniz repaginando Caravaggio é visionária no que se refere ao significado da vaidade e da destruição do mundo. O homem moderno construído com sucata, o que significa imerso no lixo industrial mirando-se numa duvidosa beleza. Imaginem que ele o criou em 1961. De lá para cá, o planeta está agonizando de tanto lixo gerado pela tecnologia e o homem se achando o máximo do ser inventivo.

Caravaggio

Narciso atribuído a Caravaggio (1561-1610), cuja autoria é contestada por alguns especialistas em arte, foi descoberto por Roberto Longhi, que propôs a sua datação de 1590-1595, considerando-o, sem dúvida, um original, contra outros estudiosos eminentes, como Pevsener, Mahon, Baumgart, que consideraram um trabalho Gentileschi.

O mestre lombardo Michelangelo Merisi, conhecido como Caravaggio, tornou-se famoso pelo jogo de luz e sombra em suas telas. Em Narciso, sem dúvida, a sua maestria é evidente. O belo Narciso emerge de um escuridão solitária e seu corpo e vestes recebem uma luminosidade fora do comum. A luz inebriante de seu corpo mal aparece no reflexo da água.

Eco e Narciso – John William Waterhouse – 1903

Dalí e Waterhouse

Ao contrário do contraste e da emoção de Caravaggio, o pintor britânico William Waterhouse (1849-1917) representou Narciso numa natureza colorida e bucólica. Tal como é a característica da época – o Realismo. Representar algo com o máximo de fidelidade e naturalismo. Waterhouse usa temas clássicos com um toque delicado e uma interpretação personalissima.  É possível identificar a dor de amor de Eco e a indiferença de Narciso em relação a ela.

Metamorfose de Narciso, de Salvador Dali ( feita em 1937 , foto de abertura), é um tratado de psicanálise do mestre do surrealismo. O tema retirado da mitologia clássica e transfigurado por Dalí numa tela surrealista é de complexa interpretação. Dizem  que foi uma das obras que mais representou o interesse de Dalí pela psicanálise. Era um grande admirador de Sigmund Freud. Das inúmeras histórias que circulam sobre as excentricidades de Dalí, contam que levou a pintura quando foi visitar Freud e que tinha preocupação pela sua personalidade narcisista, que só melhorou com a entrada de Gala em sua vida.

A história Narciso

Narciso era um herói grego famoso por sua beleza e orgulho. Diversas versões de seu mito sobreviveram e entre as mais famosas permanecem a de a de Ovídio, das suas Metamorfoses; a de Pausânias, do seu Guia para a Grécia (9.31.7).  As Metamorfoses narra a história de Narciso, cuja beleza foi motivo de sua própria ruína.

Narciso era tão belo que todas as pessoas que olhavam para ele, homens ou mulheres, apaixonaram-se por ele. Mas ele obstinadamente recusou toda a atenção. De sua insensibilidade e vaidade, diz-se que um dia ele deu uma espada a Aminio, um amante incurável dele, para que com ele tirasse a vida.

“E Aminio, por causa de seu Narciso, perfurou seu coração. Um dia, a ninfa Echo encontrou Narciso, que estava caçando na floresta, e ficou em êxtase. Mais tarde, quando Narciso estava caçando, ele se perdeu na floresta e pediu ajuda. Eco entrou correndo e ofereceu-se a ele como um presente de amor. Mas Narciso fugiu horrorizado.

Eco, desanimado, ele fugiu dolorido. Ele se refugiou na floresta, atormentado por sua paixão por Narciso, tanto que desistiu de viver e seu corpo enfraqueceu rapidamente até que desapareceu e apenas sua voz a deixou.

Os deuses então decidiram punir Narcisco por sua crueldade, confiando Nemesis, deusa da vingança, que fez questão de fazer Narciso se apaixonar, enquanto bebia de uma fonte, de sua imagem refletida na água.

Contemplem os olhos que parecem estrelas, contemplam os cabelos dignos de Baco e Apolo, e as bochechas lisas, os lábios escarlates, o pescoço de marfim, a brancura do rosto banhada de cor … Oh, quantos beijos inúteis ele deu na fonte enganando! … Ele ignorou o que ele viu, mas queimou por aquela imagem … ‘

Ovídio (Metamorfose).

Inconsciente de olhar para si mesmo, ele enviou beijos e carícias, mergulhando os braços na água para tocar o rosto, que desapareceu assim que ele tocou.

Narciso permaneceu por um longo tempo perto da fonte, tentando captar sua imagem refletida na água, alheio aos dias que passavam, esquecendo de beber e comer, perdidos naquele feitiço. E finalmente ele morreu perto da fonte. Quando os Naiads e as Dryads foram tomar seu corpo para colocá-lo na pira funerária, encontraram em seu lugar uma maravilhosa flor branca que tirou o nome de Narcissus dele.

‘Ele definhava por muito tempo em amor, não mais tocando comida ou bebida. Pouco a pouco a paixão o consumia, e um dia perto da primavera … ele inclinou a cabeça exausta na grama, e a morte fechou os olhos que estavam loucos. de amor por si mesmo … … dizimando as Dríades, e Echo respondeu aos gritos de tristeza, eles já haviam preparado o fogo, as tochas, o caixão, mas seu corpo não estava mais lá: eles encontraram onde uma flor havia estado de onde coração de recinto de açafrão de folhas brancas ‘

Ovídio (Metamorfose). Fonte: Fragnoli

 

 

 

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Culto à beleza distorce o significado da adoção

A polêmica provocada pelo desfile “Adoção na Passarela’ realizado em Cuiabá coloca um tema complexo como a adoção em pauta e escâncara a superficialidade do mundo moderno. Vamos viajar no tempo e trazer para o século XXI o mito grego ‘Narciso”, que se apaixona pela sua própria imagem e isso o leva à morte.

Em tempos de que a passarela é o sonho de toda a ‘menina Barbie’ e a selfie, ou autorretrato, é a foto do momento, promover um desfile de crianças que vivem numa outra realidade afetiva representa que os valores morais são determinados por uma sociedade narcisista. Para saber mais sobre o mito Narciso clique aqui

O desfile em questão, ‘uma ideia de jerico‘ sem dúvida, foi usado para dar visibilidade ao assunto adoção, já sendo o segundo desfile realizado. Mesmo como leiga em assuntos de psicologia, considero a iniciativa um tanto esdrúxula e absurda. Cada vez mais os valores éticos perdem-se nos emaranhados da vaidade e do ideal de beleza.

É uma pena que crianças abandonadas e órfãs foram inseridas nessa escala de valores, exclusivamente direcionada ao significado da beleza física como padrão de escolha. É controverso e perigoso o recurso escolhido para tratar de um tema que o Brasil ainda tem muito a percorrer e corre o risco de um grande retrocesso.

Pobreza

O abandono de crianças  no Brasil é resultado da deseducação e falta de condições básicas de vida. É fato indiscutível.

Entenda-se que o termo educar ao qual me refiro, não é tão somente sair da escola com o diploma na mão. Educar é aquilo que aprendemos também pelo conhecimento não formal. Educare do latim, é instruir e ensinar e tal questão não se resume apenas ter conhecimento do português, matemática, história, e outras disciplinas. É sentido holístico do desenvolvimento da personalidade por meio da música, das artes, da filosofia, do esporte…

Os números que mostram a diminuição do analfabetismo não significam nada enquanto persistir o analfabetismo funcional. Isto é, enquanto um povo, mesmo sabendo ler e escrever, não consegue interpretar, criticar e ter poder de escolha do que é bom para ele. Uma pessoa somente é capaz de pensar e sentir-se parte de uma sociedade evoluída se estiver bem alimentada e com saúde.

A transformação de uma sociedade é um processo a longo prazo e exige um esforço contínuo do setores, governo e sociedade civil.

No Brasil estamos ainda muito distante desse ideal de educação holística. As escolas não têm período de contra turno, horário em que é possível oferecer aulas de teatro, prática de esportes, ensino de artes, música, reforço escolar. Enquanto o ensino público não for integral, haverá crianças na rua convivendo com maus elementos. Enquanto a educação não for prioridade neste país, crescerá cada vez mais o número da marginalidade. Um dos efeitos é a gravidez precoce.  Mesmo com todos os recursos de controle de natalidade, o número de adolescentes grávidas no Brasil é assustador, leia aqui.

Adoção ilegal

Minhas filhas eram ainda pequenas quando as mães brasileiras viviam sob a tensão de ter  filhos roubados para adoção ilegal por europeus, tal era o comércio internacional de crianças.Principalmente as do Sul e que eram claras. Isso na década de 80.

Na Itália, período em que estudei, entre 2009 e 2010, tive a oportunidade de conhecer uma família que tinha adotado um menino e uma menina (já agora crescidos), de um orfanato no Brasil e intermediado por um advogado.Elas custaram ao bolso dos pais adotivos cinco mil euros cada, isso há 19 anos (idade do mais novo).

Fiquei tão paralisada diante do sorriso puro daquela senhora que se sentia a pessoa mais feliz do mundo, que achei injusto perguntar mais sobre como foi feito o processo e quem era o advogado. Muitas campanhas foram feitas para frear essa ilegalidade sem precedentes na história brasileira.

Também no período em que estava em território italiano, certa vez, numa aula que participei em Roma de língua italiana, oferecida para estrangeiros, o tema da lição era adoção feita por europeus, de crianças abandonadas na Ásia e África.

Indignada questionei a atitude dos europeus e perguntei porque eles não usavam de outros meios para solucionar a questão, certamente muito complexa porque envolve interesses políticos, guerra, violência. Minha intervenção não foi bem-vinda. Todos, inclusive alunos, acharam estranho questionar uma atitude tão altruísta.

Adoção legal

Também a minha indignação foi tamanha por  ter ciência de que casais brasileiros enfrentavam fila para conseguirem a adotar uma criança. Sabemos que existe uma série de burocracia dos juizados e varas de infância. Sabemos também que o objetivo é evitar que o menor abandonado ou órfão sofram novamente o trauma da solidão e da falta do amor familiar.

Enquanto bebês e até quatro anos são mais fáceis de serem adotados, as crianças acima desta idade estão ainda em maior número nos abrigos do Brasil. Pelo Cadastro Nacional de Adoção são em torno de 60 por cento o número de crianças acima de quatro anos aptas e aguardando uma família.

Portanto, a ‘Adoção na Passarela’ serve apenas para mostrar o quanto a sociedade brasileira está sem rumo em assuntos tão sérios sobre a afetividade e o abandono.

 “Adoção de uma criança é um encontro de almas”.A frase não é minha e sim de minha filha, mãe de uma linda menina por adoção. Minha neta da alma e do coração. Num encontro de almas, o poder do dinheiro ou atributos físicos são irrelevantes!

 

 

 

Mutuofagia - 2018. Viagem do artista chinês ao Brasil

Ai Weiwei: ‘eu nasci radical’

Pudera! Ai Weiwei não podia nascer diferente. Antes mesmo de pertencer a este mundo, o seu código genético já estava sendo formatado pelo pai poeta e escritor Ai Qing, perseguido pelo poder, preso e condenado a limpar privadas em comunidades remotas da China.

O artista chinês, talvez o mais polêmico e ativista de todos os tempos, consegue traduzir seu inconformismo pelas injustiças sociais na mostra WeiWei – Raiz.

Imperdível! … No Museu Oscar Niemeyer, em Curitiba.

Uma exposição que faz o expectador perceber nas obras a insolência e indignação do artista em relação a restrição do Estado às liberdades individuais, à questão dos direitos humanos. Contudo, apesar de provocativas têm o toque refinado da tão peculiar China milenar: a delicadeza e mensagens sutis.

A instalação Florescer representa esse antagonismo: o refinamento da porcelana em forma de flores para chamar atenção à injustiça. A obra é composta por 16 paineis de porcelana com milhares de delicadas flores, que remetem à atitude do artista quando teve seu passaporte confiscado pelas autoridades chinesas.

Wewei colocava todos os dias um buquê de flores em sua bicicleta do lado de fora de seu estúdio. Ele fotografou as flores e compartilhou em mídias sociais. Seus apoiadores, por sua vez, compartilharam também com hastag #flowersforfreedom.

Raiz

A sua raiz (radicalidade) foi traçada antes de nascer, na juventude do pai, poeta e escritor, um ativista também que jamais separou a arte da política. “Tudo é arte. Tudo é política”, defende o filho. Uma entrevista ao El Pais, em julho de 2018, Weiwei apresenta-se como uma pessoa tímida e que não lamenta a vida de oposição e dificuldades que teve.

Sementes de Girassol confeccionadas artesanalmente uma por uma. O trabalho foi realizado por 1.600 artesãos, a maioria mulheres, em dois anos, na cidade Jingdezhen, famosa por seus fornos e por sua produção de porcelana imperial. Cada semente é única em seu formato, embora pareçam idênticas. 

A obra faz a conexão com a questão dos direitos humanos, o papel do indivíduo na sociedade em tempo de internet e o desaparecimento da história cultural e material chinesa.

 

 “Passar 45 anos na China me fez artista. Seu território e sua cultura me inspiram, assim como -as dificuldades, a alegria, a sabedoria e a estupidez do meu país”.

Leia aqui

Forever Bicycles é uma instalação formada por 1254 bicicletas. O mais interessante é a transformação visual da obra a cada angulo de observação.

Refugiados

Depois que as autoridades chinesas devolveram seu passaporte, o artista mudou-se para Berlim e com isso ele aproximou-se das questões humanitárias da atualidade.Em dezembro de 2015, foi para ilha grega de Lesbos, que era uma das entradas dos refugiados na União Europeia. As pessoas dos países em guerra lançavam-se em perigosas viagens marítimas paradoxalmente em busca de uma vida com segurança.

Dessa experiência produziu um documentário Human Flow (2017) e inúmeras obras, incluindo a Lei da Viagem (Protótipo B). Um bote em PVC com 51 figuras.

“A liberdade diz respeito ao nosso direito de questionar tudo”.

Brasil

Weiwei está há anos viajando sem parar. Nos últimos dois anos já passou por 150 países e segundo ele, não tem o sentimento de pertencer a um lugar determinado. A sua passagem pelo Brasil rendeu alguns trabalhos. Entre eles, Obras de Juazeiro do Norte, uma série de esculturas em madeira com o estilo dos ex-votos que são oferecidos a santos de devoção como pagamento de promessas no interior brasileiro.

Wewei não só é radical como incansável transgressor do politicamente correto. A mostra Raiz deve ser revisitada, isto é, uma, duas, quantas vezes for necessário até que o observador consiga integrar a matéria que está ali exposta, aos conceitos propostos pelo artista.

“Eu não diria que eu me tornei mais radical: eu nasci radical”