As palavras compreensão e conhecimento são muito diferentes em seus conceitos. Temos o hábito de confundir nosso conhecimento, que é sempre limitado e incompleto, entre o que é realidade dos fatos ao que desejamos como realidade. Compreensão deturpada.
O raciocínio acima é para definir filosoficamente, de um jeito mais elegante a era da pós-verdade, denominação também elegante para tratar a mentira. Em consequência disso, tentar entender o comportamento das pessoas, sobretudo no Brasil de hoje.
Ao ler o artigo de Maria Popova, em seu fantástico blog sobre literatura, o Brainpicking, lembrei da séria disputa de opiniões baseada em notícias falsas na sociedade brasileira. Um momento de disputa eleitoral que transformou a vida das pessoas num verdadeiro inferno devido a disseminação de notícias falsas. Isso provocou entre famílias, amigos, grupos, uma polarização de ideias jamais visto na história do Brasil. Certamente foi uma ação muito bem elaborada para provocar confusão social.
O texto de Maria Popova é permeado de citações para mostrar a grande diferença entre os dois conceitos e é dirigido a outro foco. Na verdade, a partir do ensaio de Aldous Huxley, dentro do livro Divine Within ( não encontrei a versão em português), o artigo tenta explicar o indivíduo num processo de meditação. O conhecimento parcial das coisas e o entendimento pela metade que se agrega ao fato. O filósofo e poeta americano, David Thoerau, reconheceu isso ao contemplar os nossos preconceitos e lamentou dizendo que “ouvimos e compreendemos apenas o que já sabemos pela metade”,
Em outros palavras, o nível de preconceitos que existe dentro de uma pessoa interfere na compreensão do seu conhecimento.
Vale a pena ler alguns trechos do artigo até para entender melhor comportamentos e a própria sociedade. Portanto, concluir pelo raciocínio de Huxley, que separa o significado de compreensão e conhecimento, que grande parte da sociedade brasileira é profundamente preconceituosa e conservadora.
Maria Popova escreve:
Gerações após Thoreau e gerações antes de a neurociência começar a iluminar os pontos cegos da consciência, Aldous Huxley ( 1894 -1963) explorou essa confusão eterna de conceitos em “Conhecimento e compreensão” – um dos vinte e seis ensaios perspicazes coletados em The Divine Within (sem tradução para o português)
O conhecimento é adquirido quando conseguimos encaixar uma nova experiência no sistema de conceitos baseado em nossas antigas experiências. A compreensão surge quando nos libertamos do antigo e, assim, tornamos possível um contato direto e não mediado com o novo, o mistério, momento a momento, de nossa existência.
Como as unidades de conhecimento são conceitos, e os conceitos podem ser transmitidos em palavras e símbolos, o próprio conhecimento pode ser transmitido entre pessoas.
A compreensão, por outro lado, é íntima e subjetiva, não um conteúdo conceitual, mas uma imediata reação mental lançada sobre uma experiência – o que significa que ela não pode ser transmitida e transacionada como o conhecimento.
Nossos antepassados conceberam formas de transmitir o conhecimento de uma geração para a outra – em palavras e símbolos, em histórias e equações – que garantiam a sobrevivência de nossa espécie preservando e transmitindo os resultados da experiência. Mas conhecer os resultados de uma experiência não é o mesmo que compreender a própria experiência. Para complicar a questão, podemos compreender as palavras e os símbolos pelos quais falamos uns aos outros sobre nossa experiência, mas ainda perdemos o imediatismo da realidade que esses conceitos pretendem transmitir. Huxley escreve:
A compreensão não é conceitual e, portanto, não pode ser transmitida. É uma experiência imediata, e a experiência imediata só pode ser falada (de forma muito inadequada), nunca compartilhada. Ninguém pode realmente sentir a dor ou tristeza de outra pessoa, o amor, a alegria ou a fome de outra pessoa. E da mesma forma ninguém pode experimentar a compreensão de outra pessoa de um determinado evento ou situação … Devemos sempre lembrar que o conhecimento da compreensão não é a mesma coisa que a compreensão, que é a matéria-prima desse conhecimento. É tão diferente de compreensão quanto a prescrição do médico para a penicilina é diferente da penicilina.
A compreensão não é herdada, nem pode ser adquirida laboriosamente. É algo que, quando as circunstâncias são favoráveis, chega até nós, por assim dizer, por conta própria. Todos nós somos conhecedores, o tempo todo; é apenas ocasionalmente e apesar de nós mesmos que compreendemos o mistério de determinada realidade.
No cerne do ensaio de Huxley está a observação de que uma grande parte do sofrimento humano decorre de nossa tendência de confundir o conhecimento conceitual com a compreensão, “conceitos caseiros para dada realidade.” Tal sofrimento pode, portanto, ser amenizado substituindo a confusão com clareza – com uma consciência total da realidade, não filtrada pelo “pseudo-conhecimento sem sentido” que surge de nossos hábitos reflexivos e humanos de “simplificação excessiva, generalização excessiva e abstração.”
Tal consciência total, observa Huxley, pode produzir uma onda inicial de pânico com os dois fatos elementares que revela: que somos “profundamente ignorantes” – isto é, carecemos para sempre de conhecimento completo da realidade; e que somos “impotentes a ponto de ficarmos desamparados” – isto é, o que somos (o que chamamos de personalidade) e o que fazemos (o que chamamos de escolha) são meramente a vida do universo que vive através de nós. (Qualquer pessoa capaz de pensar com calma, profundidade e sem defesa sobre o livre arbítrio reconhecerá isso prontamente.)
E, no entanto, além da onda inicial de pânico, encontra-se um mar profundo e insondável de serenidade – uma paz flutuante e um acordo alegre com o universo, disponível mediante a rendição a esta consciência total, após a liberação do empreendimento narrativo, a intoxicação de identidade, o condicionado reflexo que chamamos de self, nosso eu.
Huxley escreve:
[…]Esta descoberta pode parecer à primeira vista um tanto humilhante e até deprimente. Mas se eu os aceitar de todo o coração, os fatos se tornam uma fonte de paz, um motivo de serenidade e alegria.
Em minha ignorância, tenho certeza de que sou eternamente eu. Essa convicção está enraizada na memória carregada de emoção. Só quando, nas palavras de São João da Cruz, a memória for esvaziada, poderei escapar da sensação de minha separação estanque e assim me preparar para a compreensão, momento a momento, da realidade em todos os seus níveis.
Mas a memória não pode ser esvaziada por um ato de vontade, ou por disciplina sistemática ou por concentração – mesmo pela concentração na ideia de vazio. Só pode ser esvaziado por consciência total. Assim, se estou ciente de minhas distrações – que são em sua maioria memórias carregadas de emoção ou fantasias baseadas em tais memórias – o turbilhão mental irá parar automaticamente e a memória será esvaziada, pelo menos por um ou dois momentos.
Novamente, se eu me tornar totalmente consciente de minha inveja, meu ressentimento, minha falta de caridade, esses sentimentos serão substituídos, durante o tempo de minha consciência, por uma reação mais realista aos eventos que acontecem ao meu redor.
Minha consciência, é claro, não deve ser contaminada por aprovação ou condenação. Os julgamentos de valor são reações condicionadas e verbalizadas às reações primárias. A consciência total é uma resposta primária, sem escolha e imparcial à situação presente como um todo.