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Por uma ABI presente em todo Brasil

Mulheres vão à luta para renovar a Associação Brasileira de Imprensa. A candidatura das jornalistas, Cristina Serra e Helena Chagas, é a esperança de uma ABI mais presente em todos os cantos do Brasil.

 Nestes tempos sombrios de pós-verdade a imprensa precisa de muita garra para manter-se livre da dependência financeira e ideológica dos interesses escusos de poderes políticos que não contemplam a sociedade como um todo.

A Associação Brasileira de Imprensa é a mais indicada para exercer o papel de defensora da verdade tão necessária nesse momento perigoso para democracia  no  Brasil.  “Aumentar a representatividade da ABI é um ponto chave e essencial para nossa chapa Democracia e Renovação”, afirma Cristina Serra, ao reconhecer que a organização é mais concentrada no Rio de Janeiro.  

Se vencerem a eleição prevista para dia 29 de abril, as duas mulheres irão quebrar a tradição da organização ser presida por homens durante 113 anos. Será um fato histórico e um gol contra o machismo brasileiro que está enrustido em todas camadas sociais e categorias profissionais, sobretudo na que se diz tão liberada, a jornalística. Desta vez será vez das mulheres que estão propondo com toda a energia  retirar a organização da sua ‘bolha’ carioca e fazer jus ao “Brasileira” que está no nome.  

Cristina Serra e Helena Chagas participaram de um encontro nos Estados Gerais da Cultura para falar sobre o que pretendem realizar e suas propostas de ação para melhorar e fortalecer o papel da ABI no Brasil.

 

Cristina Serra esclarece que a ABI tem hoje no  quadro associativo jornalistas de todo Brasil.  Mas concorda na necessidade de ampliar a representatividade porque segundo ela, de fato a presença do Rio de Janeiro e do Sudeste em particular é muito desproporcional.  Além de entender que a ABI precisa  trazer para dentro de seu quadro de sócios toda a diversidade regional do jornalismo brasileiro e as diferentes formas de fazer jornalismo. “Hoje eu diria que temos jornalismos”, afirmou. “Precisamos contemplar companheiros que vivem em cidades menores”. Citou o documentário Boca Fechada sobre os casos de violência contra jornalistas que se concentram em cidades com até 200 mil habitantes e para reforçar a tese de acolher a todos lembra que é preciso inserir, sobretudo as diversidades regional, de gênero e racial.

 “É trazer o perfil demográfico do jornalismo brasileiro para dentro da ABI que hoje sabemos ser majoritariamente feminino e também com significativa  participação de negros e negras”.

Qual é a saída proposta por elas para viabilizar essa participação?  Cristina e Helena na  chapa Democracia e Renovação, diga-se de passagem, um chapa de continuidade do processo de modernização realizado pela atual diretoria presidida por Paulo Jerônimo- a qual têm o apoio, colocam algumas prioridade e entre elas está a de trazer jornalistas que representam setores  da população para instâncias decisórias da ABI.

Todos os interessados em conhecer mais sobre os programas poderão segui-las no Instagram  e no Facebook. 

“A ABI tem um papel histórico de lutas em defesa da democracia. Na época das Diretas, ela teve um papel muito importante. O presidente era o Barbosa Sobrinho, um senhor de bastante idade que participou ativamente da campanha. Eu era estudante de jornalismo, via a atuação dele, achava inspirador. Me sentia muito representada por aquele senhor de terno, cabeça branca. Mas ele falava por mim, naquele momento, como cidadã, eu me sentia representada por ele e mais ainda como jornalista. E por isso me associei a ABI”, conta Cristina Serra  em uma entrevista ao Portal da Imprensa. 

Vamos apostar numa Associação Brasileira de Imprensa mais presente e moderna ! O Brasil precisa de uma imprensa menos manipuladora e interesseira e a ABI é o caminho para a defesa da democracia brasileira e tem meios  para descontruir  a mentira que se tornou  verdade na sociedade brasileira. 

Cristina Serra é jornalista e filiada à entidade desde a sua formação profissional. É colunista da Folha de São Paulo e autora dos livros Tragédia de Mariana, a história do maior desastre ambiental do Brasil e Mata Atlântica e o mico-leão-dourado. 

Helena Chagas é também jornalista e foi ministra-chefe da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República do Brasil durante o governo Dilma Rousseff. Hoje é consultora de comunicação e escreve esporadicamente para o blog no Noblat.

Barbatuques, Só +1 Pouquinho por Tati Wexler 11

Barbatuques nos EGC mostram que pessoas são melodias

Existe algo mais vibrante e também poético do que transformar o corpo num instrumento musical, com ritmo, sonoridade e movimento?

Certamente é mágico!

Também é a  própria definição do Barbatuques. Um grupo de pessoas que usa a percussão corporal, como bater palmas, estalar dedos ou estalar a língua no céu da boca e a partir daí produzir  incríveis criações rítmicas e gostosas melodias. 

Em torno de 15 pessoas que  “furaram a bolha” da arte musical e provaram do novo para criar recursos percussionistas e buscar  as ilimitadas possibilidades do corpo e o encanto dos ritmos sincronizados. O resultado é incrível!

Vale destacar aqui que  Barbatuques foi interagir no debate “Como furar a bolha e sair do quadrado” realizado pelos Estados Gerais da Cultura,  que reuniu a filósofa, Márcia Tiburi e o professor João Cézar de Castro Rocha( clique aqui para assistir). Os dois intelectuais reconhecem o papel importante da cultura, a não acessória, no desenvolvimento de um país e na liberdade de um povo. “A cultura é a práxis política mais profunda que uma sociedade pode ter, que um governo pode ter, ou seja, é ali na cultura que a gente vai fazer com que as pessoas pensem, pratiquem, sintam, vivam aquilo que consideramos ser os valores democráticos. Mas podemos também fazer da cultura um inferno. A cultura pode ser um território do ódio”,  afirmou Márcia Tiburi durante o debate, ao tratar do grave e sério momento em que vivemos com o crescimento do poder da extrema-direita no mundo.

“Reconhecidos pela sua linguagem única de percussão e música corporal, o grupo Barbatuques tem mais de duas décadas de atividades artística e pedagógica pelo mundo. O músico, pesquisador e educador, Fernando Barba (1971 – 2021) foi o criador dessa história. A música do grupo é produzida apenas com o corpo: palmas, estalos, vozes, pés e diversas outras técnicas que criaram, resultando em uma sonoridade singular e impactante.

No palco, o Barbatuques traz um show com repertório especial, que circula por todos os trabalhos já lançados pelo grupo. Clássicos dos primeiros discos como Baianá (hit que ganhou o mundo), Barbapapa´s groove, Carcará e Baião Destemperado, juntam-se ao repertório mais recente que traz músicas como Ayú, Skamenco, Kererê e Você Chegou (Rio 2). Um apanhado rítmico que representa a sonoridade do grupo desde a sua criação. 

 

 O grupo se apresenta pelo mundo, fazendo shows para todos os públicos, oficinas e atividades pedagógicas para perfis variados e projetos para crianças.

Entretanto, a música do Barbatuques alcançou grandes voos e foi além dos palcos – dos mais de 30 países quejá se apresentaram, estão em trilhas sonoras diversas no cinema, em séries para TV, publicidade e jogos, estão nas pistas de dança pelo mundo, embaladas por grande DJs, como Alok, e também em diversas versões remix. Entre os eventos que participaram, vale citar a cerimônia de encerramento das Olimpíadas Rio 2016, a Copa do Mundo da África (2010), tantas edições do International Body Music Festival (EUA), Europalia (Bélgica) e Lollapalloza Brasil. A linguagem musical desenvolvida pelo grupo contribuiu significativamente para a difusão da música corporal, tornando-se ainda uma importante ferramenta pedagógica.

A sonoridade do Barbatuques mostra uma sobreposição de estilos e estéticas, passando pelo baião, coco, samba, maracatu, rap, afoxé, funk, carimbó, toré indígena, choro, rock, beatbox, kecak e a música africana. São canções e músicas “instrumentais” que exploram a fonética, aspectos rítmicos, harmônicos e melódicos. Variando entre o erudito, a tradição popular brasileira e o pop contemporâneo.
O Barbatuques leva a música corporal pelo mundo sempre surpreendendo o público, comouma orquestra corporal ou uma banda que toca da cabeça aos pés. Fonte: Barbatuques – Tenda Artística / Estados GErais da Cultura

Mulheres Facetadas - Di Cavalcanti /1968

“Escrever é minha zona de prazer e é também minha cena de dor”

Nada mais justo que homenagear Conceição Evaristo na semana dedicada a mulher e junto ilustrar com Mulheres Facetadas de Di Cavalcanti.

A obra de Di Cavalcanti representa as inúmeras mulheres em uma só voz e é  pela voz e escrita da grande escritora contemporânea Conceição Evaristo, que ecoam  lutas contra injustiça, desigualdade social e combate ao racismo. A sua escrita é um ato político.

Romancista, poeta e contista premiada, é também educadora aposentada e pesquisadora da cultura afro-brasileira, Conceição Evaristo carrega  em sua ancestralidade a história oculta de um Brasil racista e por intermédio de sua ‘escrevivências’ fortalece e potencializa o papel  da mulher negra como influenciadora da nacionalidade brasileira.  

Num encontro dos mais contundentes, ao dar seu depoimento aos Estados Gerais da Cultura,  a escritora destacou o conceito ‘escrevivências’ como o direito em escrever e o prazer em ler. 

 “Para chegar a esse conceito vou pra História das mulheres escravizadas na casa grande. O corpo delas estava inscrito na economia de produção, do lazer, do prazer, da educação… Seus corpos produziram trabalhos. Mas não só os seus corpos: as suas palavras. A palavra dessas mulheres vai influenciar muitíssimo a nacionalidade brasileira a partir da língua, é o que Lélia Gonzalez fala: que nós falamos o pretoguês.

Um autor que a gente lê com muito cuidado é o Gilberto Freyre. Ele fala em “Casa Grande & Senzala” que a descendência dos colonizadores aprendia a falar o português muito mais com essas mulheres do que nos próprios espaços de educação que a casa grande reservava pra eles, que eram os colégios religiosos. Elas foram também as primeiras professoras da prole da casa grande. Elas tinham que contar as histórias pra prole da casa grande. Tinham seus corpos escravizados e tinham também a palavra direcionada, a palavra delas cumpria uma função.

A nossa “escrevivência” não é pra adormecer os da casa grande, e sim para acordá-los de seus sonhos injustos. A nossa palavra hoje quer borrar essa palavra que ficou pra trás, essa palavra escravizada, mas ao mesmo tempo essa palavra escravizada que nos deu sustança, que foi o nosso fio de prumo.

A potência da palavra dessas mulheres também foi usada no processo de escravização. Então até a palavra delas tinha um dono, era o senhor. Se elas quisessem guardar silêncio naquela noite, não podiam. Pelo menos enquanto aquelas crianças não dormissem. É a famosa Mãe Preta tão incensada na literatura brasileira, que pensa nessa mulher com tanta abnegação.

O que que eu quero contrapor a isso? A escrita das mulheres negras. É como se a nossa escrita borrasse esse quadro. Nossa escrevivência não é para adormecer os da casa grande, e sim para incomodá-los nos seus sonos injustos. O que as mulheres negras estão produzindo hoje a partir de seus lugares de pertença, é uma produção que não tem esse compromisso de apaziguar a casa grande, pelo contrário, incomoda a casa grande. Nossa escrevivência nasce dessa coletividade negra que traz toda uma herança, uma ancestralidade, dos povos afro-diaspóricos.” Fonte: EGC

 

Autora de Olhos D’água, Insubmissas lágrimas de Mulher, entre outras obras que  revelam a ternura de um coração sensível, ao ponto de não ser branda em expressar a crueldade de uma sociedade desigual, a escritora . 

Conceição Evaristo nasceu na periferia de Belo Horizonte, era filha de uma lavadeira. Aos sete anos foi morar com uma tia que não tinha filhos, teve oportunidade de estudar, mas mesmo assim, “os períodos de estudo foram entremeados com o trabalho de babá, muitas vezes, trocava a limpeza da casa por livros”, conta. “Em dado momento, estudava à noite, limpava casa de manhã e fazia estágio à tarde”.

Também ajudava a mãe e a tia a lavar e a entregar as trouxas de roupas. Olhava crianças da vizinhança, tudo que pudesse render um troco, mas sem deixar os estudos de lado. Ao terminar o antigo primário, ganhou o primeiro prêmio de literatura com a redação: “Por que me orgulho de ser brasileira”.

Nos anos 70, se mudou para o Rio de Janeiro, onde passou em um concurso. “Trabalhei com o ensino fundamental, fiz mestrado e doutorado, mas só comecei a escrever nos anos 90”, contou num artigo publicado no site Geledes.

Performance com Ramon Paixão. Foto via Facebook de Conceição Evaristo. Todos os direitos reservados

Uma gota de leite
me escorre entre os seios.
Uma mancha de sangue
me enfeita entre as pernas.
Meia palavra mordida
me foge da boca.
Vagos desejos insinuam esperanças.
Eu-mulher em rios vermelhos
inauguro a vida.
Em baixa voz
violento os tímpanos do mundo.
Antevejo.
Antecipo.
Antes-vivo
Antes – agora – o que há de vir.
Eu fêmea-matriz.
Eu força-motriz.
Eu-mulher
abrigo da semente
moto-contínuo
do mundo.

  • Foto destaque-Mulheres Facetadas – Di Cavalcanti /1968
Pavilhão da Russia - Giardino. Bienal de Veneza

Protesto: Pavilhão da Russia de portas fechadas na Bienal de Veneza

Artistas russos cancelam a participação na 59º Bienal de Veneza e decidem manter fechado o Pavilhão da Rússia.

O curador  Raimundas Malasauskas anunciou que estaria renunciando ao projeto da bienal para o Pavilhão, seguido pelo apoio dos artistas Alexandra Sukhareva e Kirill Savchenkov, que estavam juntos nesse trabalho de criação.

“Não posso avançar no trabalho neste projeto à luz da invasão militar da Rússia e do bombardeio na Ucrânia. Isso era política e emocionalmente insuportável. Como você sabe, nasci e me formei na Lituânia quando fazia parte da União Soviética. Eu vivi a dissolução da União Soviética em 1989 e testemunhei e apreciei o desenvolvimento do meu país desde então. A ideia de voltar a viver sob um império russo ou qualquer outro é simplesmente intolerável”, afirmou Raimundas em sua carta demissionária.

Mudança de Cena- Pavilhão Russo da Bienal de 2017.

As reações são percebidas pelas redes sociais e  Kirill Savchenkov, nascido em 1987 em Moscou, não deixou por menos e corajosamente colocou seu ponto de vista. “Não há nada a dizer, não há lugar para a arte quando civis morrem sob bombas, quando a população ucraniana se esconde em abrigos, quando dissidentes russos são silenciados. Como russo, não apresentarei meu trabalho no Pavilhão da Rússia na Bienal de Veneza”.

O Leite dos Sonhos é o título da Bienal de Veneza 2022. Este nome é emprestado de um livro de Leonora Carrington no qual, segundo a curadora da 59ª Exposição Internacional de Arte Cecilia Alemani, “a artista surrealista descreve um mundo mágico onde a vida é constantemente repensada pelo prisma da imaginação, e onde todos podem mudar, ser transformados, tornar-se algo e outra pessoa.”

“Esta exposição está alicerçada em muitas conversas com artistas que aconteceram nos últimos meses. As questões que vão surgindo parecem capturar esse momento da história, em que a própria sobrevivência da espécie está ameaçada, mas também resumir dúvidas que permeiam as ciências, as artes e os mitos de nosso tempo. Como está mudando a definição do humano? O que constitui a vida e o que diferencia animais, plantas, humanos e não humanos? Quais são nossas responsabilidades para com o planeta, outras pessoas e os outros organismos com os quais vivemos? E como seria a vida e a Terra sem nós?” Fonte:  Bienal 

O que seria o projeto de Raimundas Malašauskas  no Pavilhão Russo:

“Coreografada como uma cena de gestos, a apresentação de Kirill Savchenkov e Alexandra Sukhareva na 59ª Bienal de Veneza é uma tentativa de abordar a complexidade dos tempos corporais, materiais e tecnológicos. Evoca uma transição de um estado para outro, um fluxo retorcido entre futuro e passado, uma divisão suspensa entre morto e vivo (e IA), dia e noite. Deslizando entre linguagens e representações, parando na memória social mais recente, congelando na antecipação de coisas imprevistas, preparando-se para o amanhã – seja catastrófico ou brilhante, ou ambos.”

“Mudança de Cena” foi o tema do Pavilhão da Rússia em 2017 e cabe exatamente aqui neste artigo para ser lembrado.  Segundo o conceito,  o tema envolvia o mundo contemporâneo, de Palmira, na Síria a Nova York, nos EUA. 

A obra é uma metáfora de uma nova ordem mundial, das quais as agressões, o terror,  a vida irracional das massas, estratégias sem precedentes de controle e  vigilância permeiam a vida do homem.

Em um espaço pouco iluminado, a exposição apresentava obras de quatro artistas russos.
No nível de entrada, o pavilhão mostravam-se várias esculturas de Grisha Bruskin (n. 1945); uma águia de duas cabeças, bonecos estranhos, homenzinhos marchando, soldados, andróides misteriosos meio humanos e meio mecânicos, figuras em miniatura e símbolos comunistas são acoplados a projeções de vídeo semelhantes a lanternas mágicas e som para criar uma instalação estranha focada no conceitos de poder, medo e controle das massas.

Descendo para o nível inferior, o pavilhão continha uma instalação escultórica do Grupo Recycle (Andrei Blokhin, nascido em 1987, e Georgy Kuznetsov, nascido em 1985). Intitulada Blocked Content, a obra é composta por volumes pontiagudos de onde emergem dramaticamente rostos, mãos e partes do corpo (ou são aprisionados) e por um aplicativo móvel de realidade virtual Inspirada na Divina Comédia de Dante, a instalação questionava o conceito de web ética, a moralidade da inteligência artificial e a ilusão de uma imortalidade digital.

 

Raimundas Malasauskas
Pavilhão da Russia - Bienal 2017