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Homenagem à Terra pela arte de dois menestréis

Por Lucia Helena Fernandes Stall – No Dia da Terra, quero mencionar dois artistas que falam com o âmago da Terra em suas obras. Primeiro Mia Couto, para mim um dos maiores escritores contemporâneos com seu livro Terra Sonâmbula, uma narrativa da catastrófica guerra em Moçambique, com uma narrativa  diferente que mistura um pouco do mágico (realismo fantástico) e a linearidade tradicional, revelando uma devastação e morticídio sobre uma terra de sonhos, a África.

Mia Couto/ Foto Internet
Mia Couto/ Foto Internet

 

O início da narrativa mostra de antemão o que vamos encontrar nas entranhas do livro, “um ônibus incendiado, um diário perdido, e um menino aventureiro e sonhador tentando neste caminho encontrar a paz na Terra. Percurso difícil, que com maestria Mia Couto nos conduz, sempre com a Terra presente.

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Foto por Sebastião Salgado. Êxodus

 

O outro artista é Sebastião Salgado que na primeira parte do filme “Sal na Terra”, nos remete à Africa demolida pelas guerras, uma das fotos impressionantes percorre uma estrada totalmente coberta de corpos inertes dos africanos dizimados.

Gênesis/Sebastião Salgado
Gênesis/Sebastião Salgado

A Terra sempre presente na obra dos dois artistas. No primeiro a revelação de um continente cheio de enigmas, o outro a apresentação de um Planeta onde os homens habitam o desconhecido. O Planeta com suas entranhas mais profundas. Hoje, homenageio a terra através destes dois menestréis.

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Sobre a hospitalidade dos simples…

Sempre penso na hospitalidade das pessoas humildes…

Podem achar que não têm muito a oferecer, porque moram numa casa singela, a comida é pouca, as roupas que vestem sem requinte. Mas o que não sabem é que, de fato, têm muito mais para partilhar e do que se orgulhar do que imaginam.

Têm a virtude da autenticidade, a riqueza do calor humano, o charme do carisma, a abundância do ser gente boa, gente com substância, gente sábia, gente humana!

As casas

As casas, não importa quão luxuosas possam ser, um dia ficam velhas. A comida pode estar sobre uma mesa farta hoje, mas logo é reciclada, desaparece na digestão. As roupas mudam, conceito de moda é fugaz, passageiro. O que hoje é obsessão, amanhã é considerado ultrapassado.

Mas o material humano, a essência que nasce dentro, esta não envelhece, não apodrece,  não vira velha guarda. É esta a matéria prima que preenche vidas com alegrias, sabedoria e coragem. É o pilar que sustenta a construção inteira das relações. É aquele acalento de um cobertor tão necessário para aplacar a dureza do frio, a luz brilhante de um farol quando se está náufrago, assim como o arco-íris que anuncia o fim da tormenta. Calor humano é casa, comida, vestimenta. Só é perecível se a gente quiser, permitir ou parar de cultivar.

Parentes de minha mãe

Lembro com muita saudade dos parentes de minha mãe do Sul.  Estavam sempre com as janelas, portas e braços abertos para quem chegasse. Iam para a cozinha preparar coisas gostosas para compor a mesa de fim de tarde, como gesto de boas vindas. Aí, todos reuniam-se para conversar, partilhar histórias, lágrimas de saudade e risos de felicidade. A alegria, o carinho e a satisfação que demonstravam ao acolher as pessoas eram palpáveis.

Não recordo-me dos detalhes das casas deles, como estavam vestidos, ou quais foram os pratos que serviram, mas lembro de modo absolutamente cristalino  dos abraços bem dados, os olhares interessados, os sorrisos largos, os gestos de amor, apreciação, bem querer em liquidação em cada oportunidade. Era tudo tão natural, tão generoso e, sobretudo, desprentecioso! Coisas que não têm preço, que não se compram em lojas, que não se acham assim em qualquer canto, ao contrário, são tesouros raros.

Pessoas simples

Para as pessoas simples e generosas, mesmo que a vida  venha com aspereza, é sempre encarada com fortaleza. Professores catedráticos de ímpar sabedoria e profundo senso de valores, família, amizade, compreensão, comunhão incondicional. Educadores do sobreviver do amanhecer do dia, até a escuridão do anoitecer. Nos fazem enxergar a essência, não a aparência. A essência é que preenche o ambiente destas riquezas. É essa essência que faz a gente querer ficar mais, sentir saudade e, mesmo se tiver que partir, vai manter vivo o nosso desejo de retornar.

É essa essência genuína partilhada de modo incondicional por estas pessoas maravilhosas e inspiradoras que faz nascer dentro da gente um amor igualmente verdadeiro por elas. Na presença delas, através dos gestos delas, nos sentimos em casa, mesmo estando longe de casa. É uma sensação mágica, uma alegria contagiante que transcende para a alma.

Quando o tempo de vida chega ao seu fim, tudo passa, só estas coisas ficam, as coisas que nos tocaram o coração, preencheram nossos dias de alegria. Foi a bondade de pessoas assim genuínas e abundantes em generosidade, que nos ajudou a construir este legado incomparável, precioso e tão alentador num momento no qual tudo mais já se tornou anêmico e pueril.

(Ilustração Norman Rockwell)

Foto Internet

As aparições mágicas de Galeano

A primeira vez que ouvi falar de Eduardo  Galeano foi num congestionamento. Eu tinha 17 anos e estava prestes a cursar jornalismo. No carro, um velho amigo ponderou: você não pode entrar no curso sem ler “As veias abertas da América Latina”. Perguntei por que e ele, enfático, respondeu: como iniciar no jornalismo sem ler um grande jornalista? Pareceu-me justo, mas não fazia ideia de quem seria o grande jornalista. Ali, no congestionamento, pedi para que me apresentasse, com uma história, esse senhor que era grande e era jornalista.

“Posso te contar mil histórias do Galeano, mas acho esta ótima: havia um velho bebum que a mulher ameaçou arrancar-lhe o bagos. Para evitar de ser capado ali mesmo, ele abraçou as pernas da mulher ciumentíssima e, chorando, afirmou: ‘Tá aqui este amigo que não me deixa mentir: você é a minha única catedral, as outras são apenas capelinhas’”.

A história contada foi escrita por Galeano e publicada por Ziraldo na revista “Bundas”. Lembro de rirmos, durante meia hora, dessa história insólita. A partir daí, Galeano ganhou um espaço sagrado nas gavetas do meu coração.

No ano passado, quando conclui o curso de jornalismo, fui passar uma temporada no Chile. Numa dessas aldeias, feitas de madeira e de neve, havia uma pousada belíssima chamada Farellones. Ali, passei três dias com o intuito de me aventurar nas estações de esqui. Qual o quê. Minha diversão naqueles dias foi conhecer uma família uruguaia composta por avós, pais e netos. O avô da família era médico e sósia de Galeano. Foram muitas conversas sobre o Uruguai, o Brasil e, claro, sobre o escritor uruguaio e a semelhança dos dois. A cada três palavras, uma dose de chimarrão para aquecer os sentidos.

Galeano estava comigo em muitos momentos, tomando um cafezinho ali na minha frente, em algum lugar. Sua presença era constante, seja nos livros, nos textos, seja nas histórias ou nas conversas. Eric Nepomuceno, que era seu tradutor e “um irmão mais jovem” do escritor uruguaio, me contou que Galeano era um dos maiores seres humanos que conheceu.

A partida de Galeano, no dia 13, me esvaziou. Assim como esvaziou muitos de seus admiradores, amigos, conhecidos e próximos. A gente que fica não se acostuma com a ida de alguém que foi tanto e era enorme em tudo na vida. (Paula Pires).

 

Paula Pires  é jornalista. E, como quase todo jornalista, ama tudo que se relacione a expandir os horizontes: bons lugares, bons filmes, boas músicas, bons livros, boas companhias, a lista nunca acaba… Sempre se descobrem boas coisas. Trabalhou como editora de cultura no Jornal Diário do Povo, em Teresina-PI. Foi produtora de TV do noticiário Jornal Cidade Verde e repórter ocasional do programa cultural Feito em Casa, também na TV Cidade Verde (afiliada do SBT no Piauí). Atualmente é analista de comunicação na área ambiental com enfoque em saneamento.

 

Índia Kaingang Foto Ivan Bueno- Todos os direitos reservados

Poética artística do indígena brasileiro

O genuíno índio brasileiro tem um modo poético e simples de viver. Entre eles estão tribos inteiras que ainda conservam os costumes de seus ancestrais, Funi-Ô (foto), Zoe (ver Sebastião Salgado), Guaranis, Kaigangs(Paraná), entre outros.

 Os Guaranis, por exemplo, tem poética em sua busca. São nômades. A mudança é constante e a busca deles é rumo a Leste na direção da “Terra sem Males”. Diga-se de passagem, a poética artística em relação à vida não é propriedade apenas dos primeiros habitantes do Brasil, sim, de todos os povos ameríndios que têm gravadas em suas células a sabedoria da natureza como memória atávica.

Mas é sobre os índios brasileiros que posso falar com mais propriedade porque os conheci por intermédio de entrevistas que fiz com os Guaranis e Kaigangs, da Reserva Indígena de Mangueirinha, localizada no Sudoeste do Paraná. É comovente entendê-los. Povos da floresta que andando no mato conseguem apontar que aquela árvore ali serve para tratar isso, o cipó para aquilo e assim por diante…

No final da década de 90 realizei um trabalho de resgate de plantas medicinais e dos usos e costumes  com os índios de Mangueirinha. Lá estive por alguns meses, como jornalista da Secretaria Estadual do Meio Ambiente e com o cinegrafista Jurandir Carneiro (in memorian), captando imagens e entrevistando seus líderes, acompanhada do índio e professor da Reserva, Sauri.

foto menina indígena da aldeia Funi-Ô (Pernambuco)

O vídeo é antigo e alguns participantes, como o pajé dos Guarani já é falecido, mas não deixa de ser atual nos exemplos que repassa ao homem branco. As imagens originais, sem cortes, captadas para fazer um vídeo institucional  na época, ensinam sobre plantas, ensinam muito. Jurandir Carneiro as fez com amor porque era também apaixonado pelo trabalho que fazia como cinegrafista na área ambiental.

Desta época tenho as melhores lembranças. Aprendi com uma índia que a vida é medida em ciclos para definir a idade de cada um. Perguntei qual era a sua idade e ela me respondeu que tinha visto a Taquara secar por duas vezes (aparece no vídeo). Portanto, isto significava que ela tinha mais de 60 anos, considerando que a Taquara seca de 30 em 30 anos.

E não é que ela tinha razão! Que ideia mais sem cabimento a nossa de medir a maturidade por minutos e segundos ou comemorar todos os anos que estamos um ano mais velhos. Precisamos de tempo para incorporar as nossas marcas na pele e a nossa história nas passagens da vida. É bem mais simples enxergar a vida como estar jovem, maduro ou estar envelhecendo, principalmente no mundo de hoje que se cultua a beleza e a juventude.

Outro fato interessante foi observar a devoção dos Guaranis pelo que chamam de  invisível, o Tupã. É a definição de Deus para eles. A Casa da Reza existe em todas as tribos não somente na dos Guarani. A reunião para a devoção entre os Guaranis é diária. O ritual é feito com música e uma rabeca que te transporta a um um mundo que não é o nosso. O som é quase um lamento profundo, um mantra. Esta mesma entonação de mantra percebi no cantos Fulni-Ô, que se apresentaram recentemente no terreiro Pai Maneco em Curitiba.

Seja Guarani, Kaigang, Zoè (Pará) ou seja Fulni-Ô(Pernambuco) eles sabem mais que o homem branco em relação a mãe terra. Todos  a respeitam e não derrubam árvores sem dó. Tem sua medicina sagrada e uma beleza serena estampada no semblante. Como disse o índio Guarani no vídeo, “o que manda é o que está lá em cima”, e apontou o dedo para o céu.

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