Erwin Madrid

A world made of books

Once upon a time, there was a big house with thousands of rooms. One of the rooms was a huge library. The shelves were like wallpapers, covering the walls from top to bottom. I had never seen so many books in my life decorating them. They came in all sizes and colors. Some were very old, others with still shinning covers. I was in a state of complete fascination! Then, something very strange happened…

 The books, one by one, started introducing themselves to me. Each one told me proudly about what kind of stories they were made of. Not only the words got a life on their own, but the illustrations popped out of the pages and performed to me as acrobats in a circular ring of a circus. It was like a fairy tale turned into reality…

 Each book took my imagination as they were reins far, far away. I visited so many countries, unknown worlds, fantastic places which were pure magic. I met so many interesting people. Learned a gazillion things. Things I could never ever even dream of… I spent just a few hours in that library, but I felt as I had lived there for centuries!

After leaving that incredible atmosphere, I was never the same girl. I became much more aware of the life around me and I decided to be a storyteller.

 Wherever I went, I shared with kids all the stories I learned from my books friends. They kids got so mesmerized the exactly same way I was when I discovered that library, in that big house, of a thousand rooms…

Books are like this, they have the power to bewitch us, set us free, makes us take off, travel through time, dream, and live roles without borders. Books turn the impossible into possible! It is just a matter of let us go with them…

(Illustration Erwin Madrid.

family grace NR

Retrato de um instante

Fim de tarde na janela

Sombra de primavera

Gente com expressão severa

Cenário de quimera

 

Criança brincando na praça

Armários impregnados

De naftalina e traça

A mãe amorosa cada filho incondicionalmente ama e abraça

 

Eucalíptos centenários

Abarrotados de canários

Sob a sombra deles

Longos descansos de visionários

Cheios de sonhos revolucionários

 

Gramado picotado

Feito colcha de retalhos

Caminhos estreitos se abrem em atalhos

Cigarras cantarolando

No tronco dos carvalhos

 

Senhoras conversam

Ressuscitando memórias

Orgulho sentem das próprias trajetórias

A vida delas se resume num redemoinho de estórias

 

Homens mastigam

Cigarros de palha

Rostos marcados

Pelo fio da navalha

 

Formigas nos roseirais em batalhões

Gás queimando nos botijões

Panelas borbulhando nos fogões

Cabeças povoadas de elocubrações

 

A escuridão vem caindo

Lampeões de rua reluzindo

Energia dos corpos se esvaindo

Tempos de vida subtraindo

 

Esquinas vivendo a solidão

Da falta de multidão

Grupos de jovens tentando compor por detrás de portas

Serestas com violão

Cada um desfilando sua rica aptidão

 

Gafanhotos saltam em bando

Sonatas repletas de encanto

Sombras se movem

Causando nas crianças arrepio e espanto

 

Hora da ceia

Aranha pousa na teia

Sangue correndo na veia

Paz na alma se anseia

 

Família reunida

Ao redor da mesa

Olhares de incerteza

Preocupações em correnteza

 

Oração de mãos dadas

Almas entrelaçadas

Mangas arregaçadas

Preces de bem querer para todos endereçadas

 

Cabeças tombam nos travesseiros

Toque de recolher nos vespeiros

Encontram-se nos braços do outro

Comprometidos parceiros

 

O sono torna-se palco

De desejos incandecentes

Os inquietos se contorcem

Em pesadêlos intermitentes

 

A vela desfalece

Derretida no pires

Luz de uma vida

Repleta de cicatrizes

Destinos sem diretrizes

 

O dia chega ao fim

Vaga-lumes desnorteados no jardim

O ar da noite impregna-se de perfume de alecrim

No livro de receitas, a página marcada é de

Deliciosa sobremesa de quindim

 

O amanhã

Reserva mais um dia de luta

Jornada de sôfrega labuta

Imperiosa é a necessidade de força bruta

Para fazer nascer e crescer  do solo nú

A beleza, o frescor, o sabor da árvore e sua fruta

 

Retrato de um instante

Pulso do movimento

Metamorfose do desdobramento

Vidas em inexorável amadurecimento

 

Um dia destes vira isca

Do esquecimento

Páginas perdidas ao relento

Nostálgico passatempo.

Scan (1)

A fuga do Neco

Por Luiz Ernesto Wanke – Esta é uma história de cadeia.

Trabalhei como dentista na Penitenciária Central do Estado do Paraná por dez anos. Lá ouvi histórias divertidas como esta e também, as amargas, como as da rebelião de 1989 – em que escapei por um triz – e onde morreram onze pessoas (dez presos e um agente, todos baleados pela polícia).

E o hospitalzinho desta história é o mesmo onde estão alguns presos da operação Lava-Jato.

Há muito o interno Neco não gozava da liberdade de andar por chãos diferentes. Então vibrou quando o guarda veio trazer-lhe a novidade de que sua reivindicação para conseguir óculos tinha sido atendida. Foi avisado que na outra manhã a escolta já estava escalada para levar um grupo de presos que estavam precisando de atendimento especial no hospitalzinho que fica a uns dez quilômetros da penitenciária e onde está o Manicômio Judiciário. Fora das esporádicas visitas ao Fórum para responder aos processos, são impossíveis as oportunidades de saída.

Na expectativa daquele passeio maravilhoso, Neco caprichou no banho e no traje. Exagerou tanto que causou espanto nos companheiros de camburão, sendo o principal alvo das piadas conhecidas: “Vai fazer exame de fezes?” ou “Com toda esta panca vai telefonar para a favela?”

Mas as providências da Segurança demoraram tanto que ao chegarem ao destino já passava da hora do almoço. O camburão despejou sua carga humana no pátio e célere ‘se mandou’ porque toda sua tripulação estava ávida para desfrutar o picadão da penita e ninguém queria conferir a má fama da comida do manicômio. Nem o Neco, é claro, que sem pressa colocou-se no último lugar da fila para que o anotador registrasse a entrada dos presos. Assim ficou divagando, principalmente com a horta bem cuidada que ficava ao lado do prédio principal, tanto que distraidamente se afastou do resto da turba. Sua cabeça estava longe, girando, lembrando-se dos tempos que plantava lá no sítio da família e com isto, foi se afastando cada vez mais da fila. Até se dar conta e correr afobado para se apresentar ao anotador. Mas chegou tarde porque agora era ele que estava se levantando:

“- Que canseira!” queixou-se o funcionário, largando a caneta no tampo da mesa e dando aquela gostosa espreguiçada:

“- Então é nosso convidado pro grude?”

Surpresa com sua atitude desconexa, Neco procurou ganhar tempo para entender a situação. Tentou dar uma explicação qualquer sobre o seu atraso, mas a prudência mandou que se calasse.

“- Pois eu tenho que tratar da minha fome!” Completou o anotador desaparecendo por uma porta lateral.

Estático, Neco ficou ali parado, só e aturdido com a situação. Começou a entender o que se passava: não é que o cara tinha confundindo-o com um funcionário acompanhante da caravana? Isto por conta do atraso e do traje. Nada mal, mas a fuga desejada que instantaneamente se armou na sua cabeça tinha problemas… Saiu de fininho do prédio e foi analisar suas chances. Cauteloso se aproximou novamente da horta e viu que depois da cerca se estendia um pavoroso banhadão. Sorriu por dentro ao pensar que, se tinha caprichado tanto na roupa não valeria a pena ser capturado todo sujo.

Já que pular a cerca não era, literalmente, a sua saída, voltou até perto do prédio e olhou em direção ao portal. Gelou porque percebeu o guarda porteiro olhando-o curioso. Não teve escolha, foi ao seu encontro, numa típica estratégia de que a melhor defesa é o ataque.

Ainda longe do guarda falou alto:

“- Gente boa, o homem vai demorar?”

O guardinha não entendeu.

“- O diretor não vem mais?” Repetiu de perto.

“- Ah, o diretor? Pode esperar sentado… Isto aqui é uma merda, não é todo dia que aparece e quando isto acontece assina uns papeis e se manda. Quem toca esta bosta é o vice… Serve?”

Não é que a mentira colou? Agora só tinha que administrar a situação.

“ – Não, meu trato é com o homão!”

“- Sobre o que?” Melou o guarda.

Neco não tinha resposta pronta. Olhou para os lados e lembrou-se de ter visto lá na penitenciária alguns canos pendurados e soltos no teto. Foi o mais rápido possível:

“- Sobre o encanamento!”

O guardinha fez um sim com a cabeça:

“- Cara está mesmo tudo vazando e este prédio só tem cinco anos de construção.”

“- Pois é, serviço para o governo é assim mesmo, não dura nada.”

A liberdade agora estava a cinco passos. Neco se aprumou:

“- Irmão não vou mais esperar… Sou pobre e tenho que correr atrás do prejuízo.”

Ficou deslumbrado acompanhando a ação lenta do porteiro, destravando e escancarando a folha do portão de saída. No vão que ia aumentando, pode vislumbrar a fresta da liberdade. Mas o guarda não largava do seu pé:

“- Não quer mesmo falar com o vice?”

“- Não esquente que amanhã eu telefono antes e não repito a burrada!”

O porteiro se aproximou, pegou no seu ombro e apontou para algum lugar distante:

“- Você é rabudo, rapaz. Lá adiante o ônibus está chegando ao final da linha!”

Finalmente Neco deu o primeiro passo na liberdade… Mais um pouco e ‘adeus, cadeia!’. Aí ouviu um grito do desgraçado do guardinha:

“ – Ei, cara!”

Ficou na dúvida se atendia ou não, mas pediu calma para si mesmo. Parou e deu uma olhada de relance: não é que o porteiro corria na sua direção? Suas pernas congelaram e pensou que aquela bela história chegara ao fim. Mas, para sua surpresa, o guarda gritou:

“- Se você não correr vai perder este ônibus que só aparece aqui duas vezes por dia!”

‘Ordem é ordem’, concordou silenciosamente.

Finalmente Neco pode olhar para o céu azul, aspirar o ar da liberdade e fazer aquilo que vinha reprimindo desde que se sentiu sozinho:

‘Por sebo nas canelas!’

 

(Do livro inédito, ‘Pobrete, mas alegrete’.)

 

 

 

 

 

 

 

Foto Internet/www.fanpop.com

‘Minha mulher parece uma artista’

Minha mulher parece uma artista’….

falou Umberto alto e em bom tom, com aquela sonoridade na voz que faz vibrar as mais escondidas e profundas cavidades de nosso ouvido. A frase foi uma reação imediata, logo em seguida que demonstrei a ele minha admiração pela elegância de Francesca.

A entonação usada era tão firme e segura que não havia dúvidas sobre o fato de que ele considerava sua esposa uma mulher tão bela quanto uma artista.

Francesa vestia um longo esportivo preto,  acompanhado por um blazer branco para quebrar a cor escura e para dar um tom mais colorido, colocou como acessório uma flor de seda amarela no lado direito do paletó feminino, mais um colar de pérolas, longo, jogado displicentemente no pescoço, maquiagem delicada, cabelos em coque e um sorriso nos lábios. Ela sabia que encantava o seu pequeno público.

Espontânea

A cena foi tão espontânea naquele espaço de tempo em que Francesca surgiu na porta de sua casa que fiz uma exclamação de admiração e disse:  Que bela!

Umberto assentiu com a cabeça em sinal afirmativo, para em seguida dizer que para ele sua mulher parecia uma artista. Até este ponto da narração nada de incomum  quanto ao fato do marido achar a esposa muito bonita.

No entanto, neste caso, é muito significativo o contexto em que se insere o referido casal. Eles vivem há mais ou menos 50 anos juntos, o que certamente em idade nenhum dos dois tem  20 anos. Arriscamos mais de 70 anos.

– ‘Mia moglie sembra un`artista’, repito a frase original dita para mim por aquele italiano alto, de porte majestoso e ao mesmo tempo extraordinariamente objetivo na constatação de que  sua mulher era carismática.

Afeto

A cena me impressionou tanto que até hoje me lembro do episódio e do casal com muito afeto, como duas pessoas que estão além do tempo. A firmeza nas palavras de Umberto, seu porte altivo (passou maior parte de sua vida como militar de carreira), e a jovialidade de Francesca,  me fizeram enxergá-los com um outro olhar.  Os gesto firme do italiano e a jovialidade  da mulher dele eram tão perfeitos, naqueles instantes mágicos, tão bem acabados quanto uma obra de arte.

Isso mesmo! Uma obra de arte.

Tem gente que não fica velho, apenas antigo. Assim são as obras de arte quanto mais antigas mais valiosas.

Provavelmente, Umberto e Francesca viveram sem grandes pretensões de transformar a vida num contos de fada, pelo contrário, enfrentaram os desafios do cotidiano como todo casal que vive um relacionamento duradouro.

Por isso, não vem ao caso associar um elogio ao sentimento que ele, o marido, nutre pela mulher. O objetivo em colocar como ponto de partida a frase de Umberto para este texto foi fazer uma viagem reflexiva sobre a magia do além tempo. Quase um tratado de Física Quântica, rsss…

Sim, sorrio! É ousado tentar escrever algo nada palpável. Na Física Quântica o objeto muda de acordo com a realidade. Imaginem vocês eu arriscando teorias no campo da Física!

No entanto, é maravilhosa essa condição de, numa fração segundos, captarmos a essência dos nossos mais preciosos e perfeitos conteúdos.

Neste momento lembrei do escritor Milan Kundera quando escreve em seu livro, Imortalidade, suas impressões sobre o encanto de um gesto feito por uma senhora de idade, pela leveza e o jeito gracioso com que acenou para seu professor de natação e como esse instantâneo de comportamento a transformou numa jovem de 20 anos, por segundos.

Jovem

De algum modo, Francesca  que não tinha mais 20 anos, revelou a essência de seu encanto na elegância do modo de vestir e na pureza do seu sorriso. Apresentou-se com o frescor da juventude. Bela como uma artista não somente para Umberto, mas para ela mesma porque sentia-se estimulada pela vida.

Concordo plenamente com Kundera quando diz que uma parte de todos nós vive além do tempo e que talvez só tomamos consciência de nossa idade em certos momentos excepcionais, sendo na maior parte do tempo, uns sem-idade.

Assim Francesca  naquele dia encantou Umberto e fez sentido à reflexão do escritor Milan Kundera.

“Graças a este gesto, no espaço de um segundo, uma essência de seu encanto, que não dependia do tempo, revelava-se e me encantava” .