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Sufoco infernal

1Por Luiz Ernesto Wanke – Vinha preocupado quando entrei na Avenida Vicente Machado com minha velha Brasília. É que o dinheiro do mês tinha acabado e eu não conseguira renovar o licenciamento do carro – também chamado de ‘emplacamento’ – já com três meses vencidos. Automaticamente parei no semáforo respeitando o sinal vermelho. Afundei-me na poltrona cheio de dúvidas existenciais principalmente pela minha péssima escolha de ser professor.

Liberado deste primeiro sinaleiro vi lá longe outro com a luzinha verde me chamando. Rezei para transpô-lo a tempo porque uma aula no colégio me esperava. Pisei firme no acelerador, o coitado do carro tossiu, mas seguiu célere para a esquina próxima. Tudo bem parecia normal, mas em cima da hora o sinaleiro me advertiu com o amarelo. Com o rabo dos olhos pude ver que pouco antes de passar por debaixo de seu olho crítico sua cor mudar repentinamente para o vermelho. Putzgrila era tarde para corrigir a manobra!

Desgraça pouca é bobagem: desesperado, vi um miserável de um guardinha sair do meio dos carros estacionados, levantando o braço e pedindo que eu parasse. Claro, entrei em pânico e minha cabeça deu a impressão de estar girando sem sentido, perdi a noção dos ruídos do trânsito com um silêncio interior e uma péssima expectativa. Era um isolamento estranho no meio dos carros e das pessoas que circulavam nas calçadas. Bati no bolso da camisa e não senti os documentos… Ainda por cima estava sem a carteira de habilitação!

Não tinha mais nada que pudesse piorar a situação.

Tinha!

Não dava para parar porque os carros atrás do meu já ensaiavam um buzinasso por causa da minha lentidão. Não havia lugar livre nas laterais da rua onde eu pudesse estacionar. Fazer o que? Pensei: tenha paciência seu guarda, só me resta seguir adiante!

Pelo espelhinho retrovisor pude ver que o guardinha não tinha desistido de mim. Protestava levantando os braços tal como um desses espantalhos de vento. Fui avançando até encontrar, quatro quarteirões adiante, uma vaga de entrada de garagem com uma pequena folga para estacionar. Mesmo assim, meio enviesado.

Parei ali e fiquei inerte e surdo. Rezei baixinho esperando um milagre. Quem sabe se, pelas dificuldades circunstanciais e pela distância, o guardinha desistisse de mim? Mais ainda, o calor de um sol a pino de verão ajudava a levar aquela cena ao limite do suportável. Mas o espelhinho teimava em mostrar que o espavorido guardinha vinha ao meu encontro numa correria louca, balançado sua túnica desabotoada de um lado para outro. Desejei que caísse ou coisa parecida e mentalmente empurrei-o sem dó, mas claro, sem sucesso.

Finalmente ele chegou e se aproximou de minha janela. Mas o trânsito estava pesado daquele lado e fez que o infeliz precisasse contornar a frente de meu carro. Nesse instante pude ver a silhueta de meu algoz toda manchada de suor e seu rosto fechado num zum imaginário. No meu delírio juro que vi seu corpo projetar no chão da rua uma sobra de demônio, incluindo um rabo pontudo e os dois chifres.

Quando chegou à janela do carona pude ver seu rosto pingando de suor. Bateu no vidro que estava fechado e eu, do lado oposto, estiquei o braço direito, agarrei a maçaneta e girei lentamente a manivela. Meu desejo era que aquele ato durasse toda eternidade.

Quando finalmente o vão ficou livre, o guardinha enfiou a cabeça para dentro do carro e balbuciou ofegante:

“– Quanto tirei ontem?”

Seja por uma confusão mental, seja pela surdez momentânea provocada pelo medo, a ‘ficha demorou a cair’ Pensei, ‘quanto tirou?’… ‘quanto tirou?’… Aí sim eu entendi: o rapaz estava me perguntando sobre uma nota de prova? É, lembrei-me que na noite anterior tinha feito uma avaliação com alunos do ensino médio.

Sim, agora podia respirar: era um aluno! Recostei-me lívido na poltrona do carro, fiz cara de professor sério e aborrecido com a situação, mas enfim consegui liberar minha voz que ainda estava presa pela angústia:

“- Quanto tirou?”

O guardinha se contorceu de curiosidade. Para afastar qualquer outra possibilidade de reação, menti:

“- Você foi ótimo, rapaz! Tirou dez!”

Deus há de me perdoar!

Enquanto o jovem sorria de felicidades eu gargalhava por dentro.

Como uma vingança silenciosa e sem mais conversa, saí engatando uma primeira com tal violência que obriguei o guardinha a recolher a cabeça rapidamente.

 

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‘Navigare è necessario’…

Sant’Agostino diceva che “La vita è un libro e quelli che non viaggiano leggono soltanto la prima pagina.” Oggi, penso di poter dire che lui aveva ragione.

Dopo tanti anni sulla strada, davvero, dico che non c’è niente di meglio nella vita da viaggiare. In aereo, in macchina, in autobus … con un libro, un film … una canzone … viaggiare con il pensiero, con l’apprendimento, nella realtà, ampliando gli orizzonti.

Sono felice per vedere che viaggiare oggi, sta diventando più accessibile rispetto a prima, prendere un aereo per l’Europa, l’Asia, l’Africa non è così impensabile come anni fa.

Sono anche felice quando vedo sempre persone investendo in viaggi molto di più che dall’altra cosa. Il piacere comincia con la pianificazione, la prima cosa, la seconda è durante e quando siamo vivendo e scoprendo luoghi e poi, con i ricordi che rimangono e le storie che raccontiamo.

Condividere

Adoro chiacchierare con gli amici sul viaggi; hanno sempre qualcosa da dire, abbiamo sempre qualcosa da condividere. Mi ricordo quando mio fratello e la sua fidanzata hanno preso un anno sabbatico per fare un viaggio in zaino in Asia. Lui spediva un’e-mail settimanale raccontando le storie e le avventure e ogni volta che leggevamo sembrava come se fossimo lì con loro.

D’altra parte, posso anche dire che ho fatto il mio anno sabbatico. E’ stato 10 anni. E mi è piaciuto così tanto che non ho trovato più il cammino verso casa. O meglio: ho fatto una espansione di questo cammino. Ho vissuto in quattro paesi diversi e la verità è che una volta che si comincia mai si vuole fermare. Io voglio vivere anche in un paio di più. E, se possibile, conoscere il mondo.

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Cambiamento di priorità

Dopo aver trascorso così tanto tempo lontano da casa, le mie priorità sono cambiate completamente. Non ho certe paure, insicurezze che molte persone possono avere. Non ho il sogno di una casa o l’auto dell’anno. Naturalmente cerco stabilità e qualche conforto, ma ho scoperto che è più mentale che pensiamo.

Quella l’insicurezza che mi affliggeva, ora non è niente neanche un seme nel mio giardino. Non ho più paura del incerto, perché è una paura irrilevante: l’incerto arriva sempre. Nessuno davvero è sicuro di quello che l’accadrà. La quella sicurezza di tanto acquistiamo è più illusoria di quanto sembra. Niente e nessuno garantirà il domani. Né il denaro, né la tua casa, tua macchina o la tua assicurazione sulla vita.

Fuori di Brasile

I miei primi anni fuori del Brasile mi hanno insegnato ad affrontare quelle paure e vivere con meno. Cosa difficile in un paese consumatore come la Spagna o il Brasile, dove ogni momento la società e le persone sono incoraggianti acquistare o spendere.

E la verità è che quello che ho comprato negli ultimi anni nel livello materiale è nulla in confronto ai corsi e viaggi che ho fatto. Ho fatto risparmio per riuscire studiare e a viaggiare. I miei beni di prima necessità sono diventati altro e hanno cominciato ad espandersi orizzonti nella direzione opposta di molte persone intorno a me.

La verità è che non mi ricordo sui pantaloni, le scarpe e la borsa che ho comprato. O non ho acquistato. Però ricordo per anni e anni nei viaggi che ho fatto ed i momenti che ho vissuto. Amici, famiglia, Natal insieme; un viaggio in Messico con mio fratello; Russia con mio marito. Penso nei corsi in cui  ho investito e quello che ho imparato. Rimango a pensare 10 volte nelle storie e romanzi che ho letto. E piango, rido, mi diverto con questo tipo di memoria: loro sono la prova più grande che sto godendo la vita al massimo.

Non scrivo questo come una lezione morale a chiunque. In realtà ho bisogno sentire la mia voce a darmi conto che anche ho disimparato alcuni concetti che mi ha dato l’instabilità. E rimanendo in un paese, così tanto tempo, con un certo “status quo”, la verità è che ho bisogno di un giro di più lì o là per vedere quello che posso imparare di nuovo in questo grande mondo a parte.

Passata la paura, c’è il mondo.

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noah bradley

Tempo…

O tempo se desvela em por de sóis e amanheceres. Ponteiros de relógios que circulam sem descanso hipnotizando nossas mentes. Calendários dos quais se rasgam as páginas. Luas em constante metamorfose. Marés que sobem e descem. Escuridão e alvorecer. Semear e colher. Flores que se colorem e desbotam. Paisagens que se transformam e sucumbem. Olhos que despertam para uma vida nova enquanto outros para sempre descansam. Fome e saciedade. Pressa e contemplação. Amor e desilusão.  Ignorância e solução. Luzes que acendem e apagam. Corpos que se cobrem e despem. Retratos de família que se preenchem e esvaziam.  Cumprimentos e despedidas. Lembrança e esquecimento. Histórias contadas, outras caladas. Salas de espera uma hora povoadas, outras de movimento emancipadas . Telefones que tocam em desvario e silenciam. Tudo isto é o tempo!

Tempo é nascimento, crescimento, morte. Construção, transformação,  dimensão, realidade e ficção. Tempo é acorde, melodia, ditando o ritmo da vida com maestria. Tempo é fim, meio e começo. Correnteza inquieta viajando na imensidão. Somos como ele umas vezes liberdade, outras escravidão …

(Pintura de Noah Bradley)

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Navegar é preciso…

Santo Agostinho dizia que “A vida é um livro e quem não viaja, lê apenas a primeira página”.

Hoje, acho que posso dizer que ele tem toda razão.

Depois de tantos anos na estrada realmente penso que não há nada melhor na vida que viajar. Em avião, de carro, de ônibus… com um livro, um filme… uma canção…Viajar com pensamento, com o aprendizado, ou, na real, expandindo horizontes.

Fico feliz vendo que hoje em dia viajar é cada vez mais acessível que antigamente, e pegar um avião rumo a Europa, Ásia, Africa já não é tão impensável como antes.

Fico também feliz quando vejo cada vez mais gente investindo mais em viajar que em outra coisa. Aproveitamos do antes, com a planificação, do durante, quando estamos vivendo e descobrindo lugares e do depois, com as lembranças que ficam e as histórias que contamos.

Adoro falar com amigos sobre viagens; sempre temos algo que contar: sempre temos algo pra compartilhar. Lembro quando meu irmão e a sua namorada tiraram um ano sabático pra fazer um mochilão na Ásia. Mandava-nos um e-mail semanal contando as historias e peripécias e toda vez que líamos parecia que estávamos ali com eles.

Por outro lado, também posso dizer que já faz 10 anos que tirei meu ano sabático. E gostei tanto que não encontrei mais o caminho de casa. Ou melhor: acabei expandindo-o. Já vivi em 4 países diferentes e a verdade é que uma vez que se começa não se quer mais parar. Quero viver ainda em uns quantos mais. E se possível conhecer o mundo.

DSCF2280Depois de passar tanto tempo fora de casa, minhas prioridades mudaram completamente. Não tenho certos medos, inseguranças que muita gente pode ter. Não tenho o sonho da casa própria ou do carro do ano. Claro que busco estabilidade e certo conforto, mas descobri que ele é mais mental do que pensamos.

E aquela inseguridade que me assolava agora não passa de uma sementinha quase seca no meu jardim. Passei a não ter mais medo do incerto, até porque é um medo irrelevante: o incerto sempre vem. Ninguém tem realmente certeza do que irá acontecer. A segurança que tanto compramos é mais ilusória do que parece. Nada e ninguém te garante o dia de amanhã. Nem o teu dinheiro, nem a tua casa, nem o teu carro, nem o teu seguro de vida.

Meus primeiros anos fora do Brasil me ensinaram a enfrentar esses medos e a viver com menos. Coisa difícil num país consumista como  Espanha, ou o Brasil, em que todo momento empresas e pessoas estão te estimulando a comprar ou a gastar. E a verdade é que nos últimos anos aquilo que comprei a nível material não me proporcionou nada em comparação com os cursos e as viagens que fiz. Comecei a economizar pra estudar e pra viajar. Minha primeiras necessidades passaram a ser outras e comecei a expandir horizontes na direção oposta de muitas pessoas a minha volta.

E o certo é que não me lembro sobre a calça, o sapato e a bolsa que comprei. Ou que não comprei. Porém, fico anos e anos pensando sobre as viagens que fiz e os momentos que vivi. Os amigos, a família, os natais juntos; a viagem ao México com o meu irmão;  a Rússia com o meu “namorido”.  Fico pensando sobre os cursos em que investi e o que eu aprendi. Fico pensando 10 vezes nas historias e novelas que li. E choro, rio, e me entretenho com esse tipo de lembrança: elas são a maior prova de que estou aproveitando a vida ao máximo.

Não escrevo isso como lição de moral pra ninguém. Na verdade preciso escutar da minha própria voz pra me dar conta que também desaprendi certos conceitos que a instabilidade me proporcionava. E estando vivendo tanto tempo num país, com certo status quo a verdade é que preciso dar uma voltinha mais por aí e ver o que posso reaprender e aprender de novo nesse mundão afora.

Depois do medo, vem o mundo.DSCF5806

**”Navegar é preciso” – Fernando Pessoa