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As cabeças do gênio Jaume Plensa

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Quando entrei na Basílica de San Giorgio Maggiore em Veneza e me deparei com aquela cabeça gigante em malha de aço inox, a visão era como se ela flutuasse na majestosa abóboda. Um silêncio intenso perpetrou minha alma, em uma conjunção perfeita com o divino. Fiquei perplexa diante do “Mist”, obra escultural do artista catalão Jaume Plensa.

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Sem conhecer Plensa, nem saber que foi considerado um dos 10 melhores escultores do mundo, senti na sua obra a espiritualidade refletida, aquela que só encontramos nas obras dos artistas mais amadurecidos. Em seguida, mais alguns passos adiante na igreja, vi que flutuava na nave uma mão metálica com letras penduradas em sua malha de aço. Monumental o conjunto: cabeça e mão.

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Foi então após algum tempo de admiração e reflexão daquelas obras, que entendi o sentido do tema “Together”, “juntos”. Sim, cabeça e mãos, dialogando eternamente. Não sem razão, o primeiro movimento inteligente do homem foi a pinça, o qual nenhum ser vivente além do homem é capaz. As mãos obedecem o comando da cabeça.

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O que me impressionou foi a sutileza conceitual de Plensa, apreciar sua obra é como ler seus pensamentos.Ele, com propriedade afirma “minha obra não é para ser tocada, mas sim acariciada…

” Este pensamento é muito forte no trabalho das esculturas de alabastros, maiores do que o tamanho de uma pessoa de estatura alta, brancas e silenciosas, situadas na sacristia da Basílica, um corredor escuro onde enfileiradas recebem apenas uma luz central, concedendo-lhes a majestade, respeito e silencio que merecem, realmente elas pedem uma carícia do visitante.

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 As obras de Jaume levam a introspecção silenciosa e a religação com o divino. A cabeça de Plensa é tão maravilhosa quanto as obras.

Me surpreendo com a consciência e direcionamento que ele atribui a sua obra. Hoje, existem mais mercadores de arte do que artistas verdadeiros. Quando Plensa revela que “direciona seu trabalho para a comunidade” e , “quer celebrar a vida e não atos individuais”, verifico, com tristeza que a contemporaneidade nos presenteia com artistas que produzem em escala industrial, quase sempre atendendo a pedidos individuais, inclusive, focando a obra em temas sugeridos pelos próprios clientes. Não é, infelizmente, arte.

O que seria da humanidade sem a perpetuidade das obras de arte, sem o teto da Capela Sistina, sem Moisés, Pietá, David, eGuernica, o retrato da revolução, Guerra e Paz, o Museu de Bilbao, a cidade de Brasília. Como no dizer de Plensa quando suas obras são removidas, “o vazio deixado é imenso. Muitos dos minhas instalações e exposições começam quando terminam. 

É quando de verdade começam a trabalhar, ao indicar que o abismo pode ser criado. A vida nos ensina, nós damos valor real a uma pessoa quando ela já não está mais. E a arte também fala destas coisas. Exposições temporárias são desfeitas, mas cada trabalho é para o futuro … e esta é uma responsabilidade enorme, porque o dia que você desaparecer a obra continua existindo”.
Concluo minha admiração por Plensa constatando que ele é o gênio de mil cabeças. “A cabeça é o lugar mais selvagem de nosso corpo”. Jaume Plensa.

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Quem não descobre a si mesmo acredita que é perfeito

 

Por Erol Anar / “Pessoas Perfeitas existem, claro que existem (?)!” . Eles se dizem tantos que se os contarmos nos parecerá inacreditável. Quem não descobre a si mesmo acredita que é perfeito. Quem não confia em si mesmo, se esconde atrás de uma máscara e fica com a aparência de poderoso mesmo com sua personalidade pobre. Esse tipo de pessoa julga todas as outras, e julga cruelmente. Segundo seu julgamento todo mundo é pouco inteligente, ruim e sujo. No enorme planeta Terra só existe ele de limpo e bom, conhece tudo, observa tudo e comenta coisas certas. Fica atrás de seus conceitos imutáveis e da velha vida superficial. Canta com seu ar de superioridade e orgulho as mesmas músicas como um disco estragado. Porém, só os conceitos e conhecimentos não podem explicar a substância da vida! Mas esse tipo de pessoa não aprendeu isso… e passeia superficialmente pela vida. Quem quer compreender a substância da vida precisa ir além, agarrar a vida profundamente, psicológica, filosófica e historicamente, acumulando e fazendo intersecções entre o que sabe com esses dados, tudo isso somado à sua própria experiência de existir.

Existem muitas pessoas na sociedade desse tipo: perfeitas e superficiais.

Na realidade essas pessoas não conseguem ser felizes. Pequenos acontecimentos os fazem reagir com muita intensidade, como uma voz desafinada num concerto, eles não aceitam nenhuma crítica para si mesmos.
O velho Murin fala o seguinte no livro de Dostoiévski “A Dona de Casa” : – “ um homem fraco não pode viver sozinho, não tire isso de sua mente! Dê para ele todas as coisas, ele deixará tudo e correrá para você novamente. Doe para ele metade do mundo e ele não vai pensar em dominar, vai diminuir ele mesmo e vai se encolher com medo, até ficar do tamanho de um sapato. Se você der a liberdade para um homem fraco ele a colocará numa sacola e devolverá para você, entregará tudo. O que irá fazer com a liberdade um coração sem a mente?”.
“Café da manhã Existencialista” Erol Anar

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O vermelho no pavilhão do Japão. Obsessão ou fascínio…

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Interessante foi entrar no pavilhão do Japão, na 56a. Mostra Internacional de Artes da Bienal de Veneza e ser acolhida pela  instalação The Key in the Hand ( A chave na mão), da artista Shiharu Shiota, depois de ter visitado outros pavilhões e trabalhos artísticos, quase todos exigindo do nosso olhar conjecturas  e conceitos profundos. A cor vibrante no pavilhão japonês, a  poética da obra, seja pela obsessão ou pelo fascínio, me provocou, me deixou sem pensar num primeiro momento.

IMG_4698As chaves, que são o ponto de partida no conceito da instalação, foram à primeira vista apenas objetos entremeados à malha, fios vermelhos tecidos em várias direções e unidos em uma só conexão sob dois barcos rústicos de madeira. Quando observei as chaves, efetivamente, resultado de doações do mundo inteiro, despertei do transe, daqueles minutos em que fiquei sem pensar…

IMG_4716O pavilhão do Japão se destaca pela alcance do seu conceito  e não pela obra ser “bela e de gratuito efeito”, como definiu a jornalista Sheila Leirner. “As chaves nos conectam com os outros e os barcos transportam pessoas e tempo”, explica a Shiharu Shiota. Tão simples e capaz de nos elevar à meditação, ao ato de permanecer com a mente limpa de pensamentos. Esse é o mote.

Talvez pela angústia em se deparar com a problemática social de “Todos os Futuros do Mundo”, elaborada pelo curador o nigeriano Okwui Enwezor, a instalação da artista japonesa me acolheu, me provocou. Apresentou  a contemporaneidade com vibração e em vermelho, que nos remete a algo que é intenso, belo ou doloroso. Os barcos de madeira rústicos significam que a direção pode ser demarcada pela simplicidade.

Tomie-Ohtake-Sem-Titulo-1987-acrilica-sobre-tela-150-x-150-size-598O vermelho de Shiharu Shiota me fez lembrar o vermelho de Tomie Ohtake (1913-2015) em telas que jamais esquecerei.  Sua obra em vermelho vibra e provoca tanto quanto o vermelho de Shiota. Uma obsessão ou fascínio?

 

 

 

 

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Lufadas de saudades vindas do passado

Por Luiz Ernesto Wanke – Uma maneira muito legal de visitar o passado é pesquisar jornais velhos. Descobrem-se muitos documentos importantes, mas também algumas lufadas de suaves brisas de saudades. Claro, esse vento do passado também pode trazer poeiras desagradáveis.

E nada mais terrível que a escravidão. Esses jornais estampam anúncios de crianças escravas, alguém querendo alugar um moleque pelo preço de oito mil reis, outro querendo um ‘escravo fiel’ para compras e um cruel, pedindo “uma negrinha e um moleque que não tenhão mais de 7 anos”. Crianças que não conheceram suas infâncias, sem escola, condenadas inocentemente e que, a partir daí foram separados dos pais sem dó nem piedade. Muito triste.

Outros anunciam escravos fujões. Mas como saber no meio de tantos escravos, de quem se tratava e como reconhecer um indivíduo invisível que não tinha cidadania? Pelos nomes? Ora, eles tinham um nome sim, mais como uma referência de posse. Por isto seus nomes únicos não tinham utilidade obrigando seus donos a capricharem na descrição (ou melhor, no enfoque cruel da maneira que eles viam seus escravos): “Fugiu no dia 24 de março p.p., a preta Martha, tendo os signaes seguintes: fula, papuda, gorda e tem um signal no braço esquerdo…” Ou este do escravo Antonio: “… de nação, 40 anos mais ou menos, alto, feio de rosto, barba por baixo do queixo, barriga grande, a unha do dedo direito da mão esquerda partida pelo meio e inchado…” Mais outro chamado Christovam: “meio fula, faltam-lhes cabelos no meio da cabeça, tem por volta de 25 anos de idade, fala fina e ar humilde…” Para terminar, o Sebastião: “… sem barbas, estatura regular, tem uma cicatriz no rosto, do lado esquerdo, procedida de dente furado, tem falta de cabelos pela continuação de carregar água, idade 18 anos mais ou menos e bem parecido…” Muito patético e desumano.

Nestes jornais podem-se resgatar também alguns valores sociais. Se existe alguma diferença daqueles tempos com os nosso é o conceito ético e bem delineado das relações humanas. Por exemplo, a tal ‘defesa da honra’: pisava-se em ovos quando uma notícia ou comportamento poderia chegar aos ouvidos dos ‘outros’ e ferir seu conceito certinho de bom cidadão. O mote era: ‘O que eles poderiam pensar?’ Esses exemplares de jornais antigos estão repletos de pessoas que, ao se mudarem de cidade, faziam questão de publicar no jornal que estavam ‘limpos’ e não deixavam nem dívidas nem encargos pendentes. Se tinha escafedido para nunca mais voltar, pelo menos ‘ninguém podia dizer um ai dele’.

Outros usavam o jornal para mandar recados pessoais e cifrados, mas, incógnitos. Este de 1/10/1856 é misterioso: “Senhor Raphael do bote-lhe do recreio. Diz VM muito bem: o bote foi bem dado, e o laço armado! Tomem palpavos! Lição gostosa. O desconfiado.” Um assunto que – presume-se – só os dois, ‘o desconfiado’ e o tal Raphael sabiam do que se tratava. Sim, porque passado algum tempo, este último não se fez de rogado e respondeu: “Snr. Desconfiado: se VM é de serra abaixo, bote-lhe a âncora, se é de serra acima, o laço, para a sociedade não ir ágarra. O Raphael” Mas o principal é que os dois estavam dialogando num mundo aparentemente constituído só por eles. Que se danassem os outros leitores!

(Assim como o leitor, o autor ficou curioso com o anúncio-recado e foi procurar alguma pista vasculhando os meandros desses mesmos jornais. Em outros tipos de textos, conseguiu três evidências: que palpavos quer dizer ‘aquele que foi enganado’, o termo ‘recreio’ está associado a um clube social da época, o Recreio Curitibano, cujo presidente era justamente o seu Raphael – em final de mandato – e finalmente, achou uma breve notícia de que o tesoureiro do clube poderia ter dado um desfalque e ter se mandado. Pronto, ‘o desconfiado’, que devia ser sócio do clube, estava ao mesmo tempo, xingando e cobrando do presidente o esclarecimento da ladroagem. Já o Raphael, em resposta, pediu prudência – a âncora e o laço – para conter a desconfiança do ‘Desconfiado’, justamente para o clube não terminar.)

Mas afinal, onde estão as tais ‘lufadas de suaves brisas de saudades’? Em anúncios como a instigante fuga de um ‘veado de estimação’: “Desapareceu da casa n.55 um veado pardo, manso, levando no pescoço uma estreita coleira de couro com guiso…” Ou ainda, a reclamação do redator do jornal assustado com a ‘carestia’: “Na capital do Paraná já se pede por uma carrada de lenha – dous mil reis!!! Viva a fertilidade!… E valha-nos, quem? Deos!” Outra pérola: “Quem tiver direito ao couro de uma vaca vermelha, que por engano se tirou, por ter morrido no banhado, dando signaes e marcas, se lhe entregará pagando as despesas, na Rua das Flores n. 1”. Como assim? Tiraram indevidamente o couro da vaca morta ‘por engano’e ainda querem tirar o couro do dono?

Mas a ‘joia da coroa’ está no anuncio abaixo, colocado aqui sem comentários, pois é auto explicável… Mas suas palavras trazem do passado a tal lufada de saudades:

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