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Velha mala e as fotos de uma vida

Ele vivia num vilarejo chamado Campina da Alegria

Depois de um dia exaustivo de trabalho me deparei com aquele homem de cabelos brancos, magro,  óculos, meio sem jeito, com uma  mala velha aberta na minha frente,  cheia de fotografias antigas, em preto e branco, e alguns vídeos feitos por ele durante o tempo  em que trabalhou na fábrica de papel e celulose, em Santa Catarina.

José era seu nome e viveu a maior parte de sua vida no vilarejo chamado “Campina da Alegria”, em Santa Catarina.

Cena Inesquecível

Esta cena, inesquecível, como foram algumas situações na sequência do episódio,  se passou numa pequena produtora de vídeos pertencente a dois amigos cinegrafistas que estavam, no momento,  investindo na área de eventos.

Sérgio e Carlinhos eram hábeis em produzir vídeos de casamentos e festas de 15 anos – trabalho que não exigia muito texto, apenas  a condição de dominar a técnica de edição de imagens,  com a sensibilidade de usar  música e belas cenas das festas e cerimônias.  Nisso eram exímios cinegrafistas, pois captavam bons flagrantes.

Mas agora a situação era outra. Aquele senhor queria contratar os serviços da empresa  para produzir um vídeo do tempo em que trabalhou na fábrica, como foi instalada e o que representou para o vilarejo em que vivia desde a sua juventude.

Chinfrim

Segundo, ele passou alguns anos de sua vida filmando alguns detalhes como uma filmadora meio chinfrim – que resultou nuns filmes de péssima qualidade. “Já faz muitos anos que sonho com o projeto de fazer este vídeo”, disse ele. “Quero deixar como herança para os moradores da cidade, pois participei da instalação da fábrica no local, também de toda a história”, completou, e fez um sinal para as fotos que estavam dentro da mala.

Neste momento,  me debrucei sobre a mala e encarei aquele amontoado impressionante de fotos amareladas, ainda do tempo em que picotavam as bordas das fotos “pb”( preto e branco). Deveria ter umas 300 fotos e a mala era daquelas  que parecia ser feita de papelão bem duro, com os cantos de metal, estilo anos 30.

Olhei para ele e para os meus amigos, que também estavam com uma expressão desconcertada, demonstrando nos olhos que não queriam perder o cliente, contudo não tinham nem ideia de como iriam começar a produzir um vídeo daquele gênero, que era mais ou menos como elaborar um roteiro cinematográfico.

Preço alto

Rapidamente, não pensei muito no que ia falar e chutei alto no preço para o homem desistir porque, realmente, sabia que iria trabalhar muito. Mas….. não custava ousar.

Faço este trabalho por  tanto… . e tinha dado o maior preço pedido em serviços ocasionais. Os dois sócios confabularam e também acrescentaram o preço deles , que dava uma soma um pouco acima do normal para os preços de vídeos da época.

Nossa! É muito! Debatia-se desesperado o homem argumentando que nós não teríamos muito trabalho. As imagens estavam prontas.

” De fato – respondi, têm imagens, sim,  que não significarão nada sem a referência delas dentro da sua história, que eu escreverei  e darei  vida a elas… Acha isso pouco?”. Me admirei com minha firmeza. Estava me transformando numa boa negociante.

– “Tudo bem. Vou pensar e amanhã dou a resposta”, disse ele.

No outro dia, recebi o telefonema de Carlinhos avisando ,feliz , que o homem tinha aceitado o preço e contratado os serviços da produtora. E mais… que eu deveria estar à noite lá e preparada para escrever e sobre a vida daquele catarinense sonhador.

“Seo” José estava lá, com sua mala velha aberta e com um largo sorriso no rosto.

Fada Madrinha

“Sabe que olhei para esta mala e para fotos dentro dela e pensei…. se não fizer este vídeo, o que vou fazer com estas fotos que guardei a minha vida inteira? Queimar todas elas na churrasqueira lá de casa? Disse isso e me olhou profundamente como se eu fosse a fada madrinha, que daria o toque com a varinha de condão transformando  em realidade o desejo dele.

“Queimar o seu sonho  de vida numa churrasqueira é muito triste”, pensei.

O  singelo desabafo  daquele homem me deu força para colocar em ordem, na minha mente,  o emaranhado de informações e fotos, na medida em que escutava  a história simples daquele homem vindo da Campina da Alegria.

– “Olha esta aqui, da primeira caixa da água que já não existe mais, e esta outra, uma das primeiras, quando derrubamos a mata para começar a construir a fábrica.  Aqui são as mulheres que trabalhavam num setor em que os homens não tinham vez ….”,  continuou, e assim foi falando de cada uma, e eu anotando tudo e participando, entrando, no mundo dele por meio daquelas imagens desgastadas pelo tempo.

Deus! Já eram quase 23 horas e estava lá ainda com o estômago grudado nas costas escutando tim-tim-por-tim os fatos que José eternizou nas  imagens.

Por fim… acabou!  Já estava dentro da minha mente a vida de “seo” José.

Obra de arte

Meu trabalho era o de transformá-la numa obra de arte.  Afinal, não podia mais deixar esta vida  relegada em centenas de fotos amareladas pelo tempo e esquecidas dentro de uma  velha mala, sobretudo predestinadas ao futuro cruel de acabarem queimadas numa churrasqueira, nem mesmo numa lareira, com aquele glamour cinematográfico,  em que os artistas queimam cartas de amor deixando  lágrimas caírem enquanto observam as  labaredas reduzirem em cinzas suas ilusões.

Então…. Entrei fundo no trabalho e pincelei a minha obra. Isso mesmo…. minhas mãos, neste caso, transformam-se em um pincel . Sinto-me a artista das palavras dando nuances a uma obra de arte, em cor e luz.

E como não poderia deixar de ser, a fada madrinha começou a história como num contos de fada:

Era uma vez…

Um povo  feliz que vivia na Campina da Alegria, onde a cor e o som da natureza foram cenário de uma história repleta  de conquistas… E assim fui delineando conteúdo para aquelas imagens desbotada  e deixando-as  com alma.

O vídeo ficou pronto. A história ficou romântica nas palavras, mesmo que na projeção pecava pela falta de definição e qualidade das imagens. Carlinhos e Sergio capricharam nos efeitos visuais e despistaram  o que puderam nas imperfeições do cineasta e fotógrafo  amador.

De qualquer modo, sua vida foi cantada em prosa e verso e José agora estava feliz,  tão feliz, que certo dia recebi uma ligação da Campina da Alegria e era ele me pedindo mais texto.

Os moradores adoraram o vídeo  e alguns sugeriram mais material. Numa empresa local ele acrescentou mais imagens e entrevistas, contudo não conseguiu achar outro redator que escrevesse como eu,  com tanta paixão pela sua história.

Aí, criei mais fatos sobre uma vida que seria reduzida em cinzas de churrasqueiras.

As pessoas gostam de brilhar!

Moral da história: o preço foi uma facada que se tornou indolor  para José.

Pudera! Eu tinha dado significado às imagens ao ponto de reinarem  em majestade absoluta  naquele filme de 15 minutos.  Não estavam mais esquecidas dentro de uma velha mala…

 

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Rio Opará para os índios sob a benção de São Francisco

Um rio tão grande que parece mar

A  admiração que o italiano Américo Vespúcio sentiu em 1501  ao se deparar com a grandiosidade do rio São Francisco era certamente semelhante a das pessoas que hoje visitam a sua Foz, em Alagoas.

As águas do antigo Opará ( rio e mar para os índios Caetés) eram talvez até mais impressionantes e fizeram com que o navegador italiano acertasse e fosse justo ao homenagear o santo da humildade e da natureza e denominar todo aquela beleza natural com o seu nome.

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Velho Chico

Muita coisa mudou no Velho Chico de há 500 anos até os dias atuais, porém suas águas ainda continuam sagradas para a população que vive de seus benefícios.  Ele é um dos mais importantes rios do Brasil e da América do sul banha diversos estados –  Bahia, Pernambuco, Sergipe e Alagoas – e tem sua nascente em Minas Gerais.

O passeio à Foz, que está próxima ao município de Piaçabuçu, em Alagoas, mostra um Brasil verdadeiramente franciscano, de gente simples e orgulhosa de seu grande rio que oferece vida e alimento.

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Arnica

“Esta vendo aquela planta que cresce em quantidade, ali na margem esquerda de quem segue em direção a Foz”, aponta o guia a um tapete verde que cobre grande parte da margem do rio, quando o barco passa por perto.

“É Arnica”, afirma.  “A terra é de um  alemão que descobriu que a planta crescia igual mato aqui”, confidencia. Arnica é o grande remédio do traumatismo, pouco importa qual seja o órgão lesado. É uma medicação vendida em farmácias na tintura-mãe, dinamizada em Homeopatia e por um laboratório alemão que segue os princípios da Antroposofia.

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O passeio turístico é realizado por diversas agências de turismo de Maceió e oferece um percurso de barco de Piaçabuçu até perto do encontro das águas. Realizá-lo é a oportunidade de presenciar um espetáculo da natureza inesquecível.

Depois de conhecer a beleza e a riqueza do rio São Francisco é possível imaginar o assombro do italiano Américo Vespúcio ao navegar pela Foz deste gigante há 500 anos.

É um rio-mar como denominavam os índios Caetés. Opará já existia e sempre existiu antes de ser franciscano, por isso é brasileiríssimo com a benção de São Francisco.

Olhar Crítico

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Inquietude é o sentimento presente entre as pessoas que vivem nas cidades ribeirinhas. A preocupação é com a transposição do rio e a complexidade do projeto que poderá afetar as regiões nos componentes  ambientais, econômicos e sociais.

“O mar já está entrando para dentro do rio”, denunciam os moradores, comentando os efeitos do assoreamento.

As pessoas que vivem próximas à Foz não aguardam com tanta ansiedade a transposição como o povo que vive no sertão e sofre com a  seca. Nos passeios turísticos os guias falam sobre o projeto e comentam que a obra é para beneficiar apenas 3% da população carente atingida pela seca, os maiores beneficiários serão os latifundiários e usineiros.

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Prejuízo

O projeto de transposição do rio São Francisco consiste em desviar em 1% do volume de água para  canais que irão percorrer algumas regiões mais áridas de Pernambuco e Paraíba.

Um projeto que já está atrasado, dando prejuízo aos cofres públicos e com falhas técnicas. Os questionamento maior é sobre a energia elétrica que irá consumir para bombear a água do São Francisco para chegar aos canais, que segundo os técnicos poderá afetar o fornecimento de energia para o todo o nordeste.

Como sempre no Brasil as obras faraônicas são debitadas na conta da população.

Itaipu foi assim, Belo Monte será e a transposição também estará dentro dos mesmos parâmetros. Os interesses são escusos e beneficiam sempre os mais fortes.

Com isso, o Brasil perdeu tesouros insubstituíveis como foi Sete Quedas, com Itaipu, que por mais que se divulgue a importância de uma Hidrelétrica deste porte, os opositores e cientistas que se posicionaram contra na época (ditadura) não tiveram espaço para questionar o que hoje estamos percebendo, Itaipu é mais importante para o Paraguai do que para o Brasil.

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Frida Kahlo e artistas mexicanas surrealistas numa mostra inesquecível

Frida Kahlo Conexões entre Mulheres Surrealistas no México”  foi uma mostra  inesquecível. Apresentada em São Paulo,  não se prendeu somente às obras de Frida Kahlo (1907-1954), que são apenas 20, das 143 que produziu em toda a sua curta vida, mas dimensionou a artista dentro do surrealismo, com mais 15 mulheres todas entrelaçadas na trama do período na história da arte e na cultura nativa mexicana.

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Mulher Saindo do Psicanalista – Remédios Varo (1908-1963)

Na leitura de PanHoramarte é a mostra que oferece um percurso mais interessante, talvez mais completo, sob o ponto de vista do período histórico e do movimento artístico, comparando com as outras duas descritas e visitadas em 2014, em Roma e em Curitiba (fotografias) que focaram diretamente na vida de Frida Kahlo e sua contribuição para a história da arte. Ambas aconteceram em meados de 2014.

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Arista Viajando Incógnita (1943) – Leonora Carrigton(1917 – 2011)

O destaque dado pelo Instituto Tomie Ohtake, com a excelente curadoria de Tereza Arcq apresentam um conteúdo enriquecido sobre Frida Kahlo, oferecendo assim ao público mais informação e obras sobre o mesmo tema.

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Trajes de gala Tehuana e Nahus-Zapoteco

A produção surrealista das mulheres mexicanas é misturada às suas raízes culturais “diferente dos países onde essa expressão já está mais domesticada”, como se refere o texto de apresentação do Instituto Tomie Ohtake. Sem dúvida, a poética surrealista elaborada por essas mulheres é tramada em fios que se conectam com a identidade e autorrepresentação, o corpo feminino, maternidade, família,a influência da cultura mexicana, o pensamento mágico, a exploração do inconsciente e mundo dos sonhos.

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Altar da Madona Dolorosa. Maria Izquierdo. 1946

Mulheres ousadas e criativas que viveram num tempo em que a rigidez moral as anulava ao ponto de se envergonharem de pronunciar palavras como nádegas, “era a coisa que eu me sento”, como pernas, “a coisa com a qual ando”. Mulheres que imprimiram na sua arte os seus anseios e sonhos em períodos conturbados da história universal ( Segunda Guerra), no México (pós-revolução).

É importante assistir o vídeo-documentário, com depoimentos de amigos e pessoas que conviveram com Frida Kahlo. Isso deve ser feito antes de visitar a mostra. A partir daí, entre “esculturas, pinturas, fotografias, documentos, registros fotográficos, catálogos e reportagens, o observador se conectará com a poética das artistas e entenderá o legado que elas deixaram para a humanidade.

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Moisés e o Abraço Amoroso. Frida Kahlo.

Entre as obras de Frida Kahlo podemos apreciar Moisés e o Abraço Amoroso, vários autorretratos, com macacos, com trança, na cama e com Diego Rivera no pensamento. É uma pena que não estão telas contundentes em que artista transfigura a sua dor em cores e símbolos, como a Arvore da Esperança se Mantém em Equilíbrio ou Coluna Quebrada, que se encontram no Museu de Olmedo, no México.

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Autorretrato com trança. Frida Kahlo. 1943

Quanto as mulheres surrealistas, algumas fizeram parte do movimento em Paris, por intermédio de seus companheiros, outras foram descobertas pelos surrealistas num evento internacional sobre o tema, no México, em 1940, “utilizaram a sua obras como meio de exploração e catarse psicológica e espiritual”, escreve a curadora. “As artistas representadas aqui demonstram que as mulheres eram criadoras independentes e audazes, tendo elaborado linguagens e discursos imaginativos e inovadores”.

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Remédios Varo. Carroça.

A questão mais importante da mostra, que permanece até janeiro, como define o Instituto Tomie Ohtake é a enigmática rede de espelhos de Frida Kahlo, que amplia, com um acervo expressivo, a visão e o entendimento do público no bem traçado trabalho elaborado pela curadora.IMG_6252

 

 

 

 

 

 

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The red in the Japan pavilion. Obsession or fascination…

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Interesting was entering the Japan pavilion, at the 56th. International Exhibition of Arts of the Venice Biennial and be welcomed by The Key in the Hand installation, from the artist Shiharu Shiota, after being visited other pavilions and artwork, almost all requiring of our look the conjecture and profound concepts. The vibrant color of the Japanese pavilion, the poetics of the work, wether by the obsession or the fascination, provoked me, left me without thinking at first.

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The keys, which are the starting point in the installation conpcept, were at first, only interspersed objects to the mesh, red wires woven in various directions and united into one connection under two rustic wooden boats. When I observed the keys, effectively, the result of donations of the whole world, awakened from the trance, of those minutes that I was not thinking…

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The Japan Pavilion stands out for the range of its concept and not by the work be “beautiful and free effect”, as defined by the jornalist Sheila Leimer. “The keys connects us with others and the boats transports people and time”, explains Shiharu Shiota. So simple and able to lift us to meditation, to the act of staying with the mind free of thoughts. This is the motto.

Perhaps by the anguish of facing the social problems of “All the World’s Future”, prepared by the Nigerian curator Okwui Enwezor, the Japanese installation of the artist welcomed me, teased me. It presented the contemporary with vibration and red, which refers to something that is intense, beautiful or painful. The rustic wooden boats mean that the direction can be marked by simplicity.

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The red of Shiharu Shiota reminded me the red of Tomie Ohtake (1913-2015) on screens I will never forget. His work in red vibrates and causes as much as the Shiota’s red. An obsession or fascination?