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Cinema reflete a realidade e faz dela um sonho

 

A cineasta francesa Claire Denis encontrou no cinema um modo de viver  o sonho.

“O cinema reflete a realidade, mas se comunica como algo da imaginação, como um sonho”, afirmou a cineasta sobre a sétima arte, e disse mais: “a vida é real e precisamos acrescentar bastante fantasia para aguentar o que é insosso nela”.

Sagaz, sensível, a cineasta confessa que chegar ao limite, até a fronteira do desconhecido  sempre foi  para ela algo instigante ou irritante. Uma ideia mágica. Um de seus filmes “O Intruso” – a  história de um homem de 70 anos, que precisa fazer um transplante cardíaco para continuar vivendo, ultrapassa a fronteira que tanto a fascina.

“Um coração que penetra nas fronteiras internas das defesas do corpo humano”.

Claire Denis revelou que não tinha vontade de escrever o roteiro na época. O filme foi lançado em 2004, no entanto depois  que leu o livro do filósofo Jean-Luc Nancy sobre imigração na França, que relata a sua própria experiência com um transplante cardíaco feito há mais de 15 anos, pediu autorização para escrever o cenário. “Vou tentar fazer uma ficção, escrever essa viagem de alguém que vive com a morte do outro”, contou.

O Intruso

“O Intruso” para ela  foi o filme mais  difícil de fazer de todos outros que produziu. Segundo revelou, é mais fácil fazer a pesquisa de qualquer outra história, do que filmar uma operação cardíaca, sobretudo quando ela própria se obrigou a assistir de fato para realizar as cenas. “Impressionante ver o cirurgião abrir o peito, afastar as costelas e no meio tem um coração, que depois de ligar as artérias num tubo, é jogado no lixo e em seguida pegar outro novo dentro de uma caixa de sorvete, como aquelas que levamos a um pic-nic. É como assistir Ilíada e Odisséia, de Homero”, relata.

“O cirurgião não percebe essas sutilezas que um ser humano normal sente ao ver um peito vazio e ver também um outro coração. É coisa pavorosa”, entendeu. “Não vou filmar isto porque para filmar precisamos abrir o peito do ator, é melhor abrir o filme e fazer uma elipse sobre a história”, pontuou.  Filha de pais franceses e nascida e criada na África, agora com mais de 60 anos diz que fazer um filme não a torna mais forte, ao contrário, a deixa mais frágil e sensível.

A Chefe

“Quando comecei a fazer filme me sentia a chefe. Com o desenrolar das cenas a situação gira lentamente e se apresenta de fato.É nesse momento que  a minha relação  de poder com ele fica cada vez mais fraca. É bom porque muda a relação de estar possuindo para compartilhar sentimentos  e devaneios”

Ao explicar o que entende por documentário, é categórica e afirma que um documentário não é reportagem, exige do diretor um risco, uma aventura, exploração e participação. “O documentário deve ir além da simples curiosidade”.

Para definir o seu conceito da fronteira entre a ficção e realidade, ela dá o exemplo de alguém estar sozinho no cais,  na beira do Tejo, em Portugal, perto da Torre de Belém, sentado numa manhã de vento e vê um ponto escuro no horizonte, um transatlântico chegando.

“O tempo que leva para o navio de luxo chegar gira lentamente na mente. É nesse momento que começa a ficção. Aí ele pode escrever fantasias, a história inteira de Portugal, conquistas, descobertas, no fim desta poesia o barco chega ao porto e nisso passou-se uma hora. Essa é a ideia mágica da fronteira”.

  • reportagem republicada do PanHoramarte baseada na palestra de Claire durante o encontro de jornalismo cultural, em São Paulo, em 2011.
Filmes de Claire Denis:

> Chocolate (Chocolat, 1988). Jovem francesa retorna para Camarões, onde viveu com sua família, para contemplar e relembrar a infância.

> Dane-se a Morte (Se’en Fout la Mort, 1990). A vida de dois irmãos imigrantes da África que vivem de rinhas de galo no subúrbio de Paris.

> USA Go Home (US Go Home, 1993). A história de duas adolescentes parisienses, uma festa e as tensões sociais e sexuais que envolvem o evento.

> Noites sem Dormir (J’ai pas Sommeil, 1994). Um mosaico da juventude contemporânea numa Paris multicultural, violenta e obscura.

> Nénette e Boni (Nénette et Boni, 1996). Dois irmãos de criação tomam rumos diferentes, se reencontram e agora terão de se redescobrir.

> Bom Trabalho (Beau Travail, 1999). Um passeio coreográfico pelo campo de treinamento da Legião Francesa, no nordeste da costa africana, que mostra o universo repressor e os conflituosos sentimentos de um sargento. Livremente inspirado no romance Billy Budd, de Herman Melville.

> Desejo e Obsessão (Trouble Every Day, 2001). Americano que vai passar lua de mel em Paris começa secretamente a frequentar uma clínica médica que trata da libido e se deixa levar por perigosos impulsos sexuais. Com Vincent Gallo.

> Sexta-feira à Noite (Vendredi Soir, 2002). Presa num engarrafamento, mulher observa o caos da cidade de Paris e oferece carona para um estranho.

> O Intruso (L’Intrus, 2004). Homem de 70 anos que mora sozinho com seus cachorros em uma floresta entre a França e a Suíça precisa de um transplante de coração e vai até o Taiti procurar o filho que abandonara muitos anos antes.

> 35 Doses de Rum (35 Rhums, 2008). Releitura do clássico Pai e Filha, do diretor japonês Yasujiro Ozu, sobre as tensões sociais a partir da relação entre um pai viúvo e sua filha na periferia de Paris.

> Minha Terra, África (White Material, 2009). Em um país africano não definido e que vive em guerra constante, mulher branca se nega a deixar para trás sua plantação de café e passa a correr risco de ser assassinada pelos rebeldes. Com Isabelle Huppert

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História da Caricatura Brasileira. Parte I

Lucio Muruci, que assina sua obra com o pseudônimo de Luciano Magno, é sociólogo, com doutorado em História Social da Cultura e sempre envolvido com o tema da Caricatura Brasileira.

Esta é a primeira parte de uma entrevista que fiz com Lucio. Como sempre costumo fazer, meu o objetivo é mapear parte da trajetória do entrevistado num empreendimento vencedor ou digno de nota; neste caso a coleção de livros A história da caricatura Brasileira, para mostrar os bastidores desse trabalho e  registrar este caso de sucesso.

O primeiro volume da coleção sobre caricatura brasileira foi eleito um dos melhores livros editados em 2012, pelo jornal O Globo

A caricatura no Brasil: o livro

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Mais do que entretenimento, é um dos retratos de uma sociedade. Assim como o esporte, a política e a educação são retrato de uma época, a arte da caricatura faz um 3 por 4 dos hábitos, costumes e valores de um povo.

E foi nesse espírito que Magno lançou em 2012 o primeiro volume da “História da Caricatura Brasileira” que pode ser visto no blog da sua própria editora, Gala Edições de Arte, de um total de sete edições previstas.

Um dos grandes méritos do livro é ter um texto agradável até para quem não é fã do tema, além de ser um trabalho de pesquisa que interpreta a história, sem meramente citar datas e descrever opiniões pessoais do autor.

Mas a grande história deste livro não está nas suas páginas, e sim na trajetória de Magno até conseguir editar o livro.

Caricatura, charge e cartum: história com humor

Apesar de não ser um estudioso da área de empreendedorismo, Magno tem muitas dicas e lições para dar, e que provavelmente servirão de inspiração para quem atua na área cultural e deseja empreender nesta área, mesmo não sendo administrador, empresário ou formado em produção cultural. Lições que são válidas para projetos culturais mas se aplicam a qualquer projeto que envolva arte e comunicação.

Wallace: Magno, descreva como está o cenário da caricatura/charge/cartum no Brasil atualmente: os principais artistas e como se ganha dinheiro com essa atividade (mercado editorial, de pesquisa, colecionadores e produção artística).

Magno: O cenário artístico brasileiro, hoje, na caricatura, é bastante diversificado. Mudanças sempre ocorrem.  Desde o advento do rádio, da televisão, e agora da internet, afetando o jornalismo gráfico e fazendo migrar artistas da área do cartunismo jornalístico impresso para outros veículos.  É natural que a caricatura e o cartum ocupem esses novos veículos online.

De fato, podemos dizer que o Século XIX – com Araújo Porto-Alegre, Cândido de Faria, Agostini, Pedro Américo – e o Século XX – com tantos outros, J. Carlos, K.Lixto, Raul Pederneiras, Seth, Luiz Peixoto, teve a sua época de ouro da caricatura.

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Araujo Porto Alegre: artista e ilustração

Mas a caricatura vem se reinventando e permanece recorrente e conceituada no país, mesmo o mercado editorial aderindo a novas tecnologias de comunicação. Novos artistas como Alpino fazem sucesso em famosos sites na internet. Uma nova geração desponta.  Sites como o chargeonline reúnem a nata da nova geração e alguns da velha guarda da caricatura.

O nível de excelência de nossos caricaturistas, a capacidade que a caricatura têm de retratar o país, a inserção que têm a nível político e cultural, exercendo função crítica, continua recorrente. A tradição do humor, no brasileiro, é muito forte.  A História do Brasil pós-1822 se confunde com essa arte.

O nível das pesquisas acadêmicas na área aumentam, mostrando prestígio do tema.  O reconhecimento em outros níveis, inclusive financeiro, vem com muito esforço, suor e labuta.

Origens do livro

Wallace: Magno, você como todo bom ariano, é persistente, e não desiste de uma ideia até vê-la concretizada. Como surgiu a ideia de fazer a sua primeira exposição sobre caricaturas no Museu Nacional de Belas Artes, em 1993?

Magno: Eu pesquiso a história da nossa caricatura há 25 anos, desde os 15 anos de idade. Comecei, como destacado no prefácio da obra “História da Caricatura Brasileira”, pesquisando alguns grandes artistas, como Luiz Sá, J.Carlos e Seth, caricaturistas brasileiros de importância continental e internacional.

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Luiz Sá

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J.Carlos

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Seth

A ideia da minha primeira exposição surgiu como um desenvolvimento das minhas pesquisas sobre Luiz Sá, daí realizei a primeira retrospectiva sobre a sua obra, no Museu Nacional de Belas Artes, em 1993, chamada “Luiz Sá: Um Caricaturista Brasileiro”, e depois, realizei a minha  segunda exposição sobre o artista, intitulada “Luiz Sá: Cartuns Cinematográficos”, na Funarte, em 1994.

Depois ampliei esse leque com outros artistas, também com a realização do ciclo de exposições que fiz, do “1º Festival de Humor Gráfico”, realizado nos principais museus do Rio de Janeiro, em 2002, e daí aumentei mais ainda minhas pesquisas quando objetivei realizar essa obra monumental que é a “História da Caricatura Brasileira”, cujo primeiro volume foi lançado em 2012, com 528 páginas e 90 capítulos sobre os primórdios e a consolidação da nossa caricatura no século XIX.