Krenak

É mais que urgente colocar em prática ‘Ideias para adiar o fim do mundo’ de Krenak!

O filósofo indígena, ambientalista e ativista Ailton Krenak nunca perdeu o foco sobre a vida. Mais do que urgente colocar em prática suas "Ideias para adiar o fim do mundo', e salvar o planeta da barbárie humana!

Esse líder indígena foi o primeiro dos povos originários a ser eleito pela Academia Brasileira de Letras e pasmem, neste outubro de 2023, só agora no século XXI. Os povos da floresta, originários  estavam aqui antes, muito antes do colonizador, antes de 1500, mas foi preciso uma pandemia, que quase dizimou totalmente a humanidade,  para que a fala de Krenak fosse mais ouvida sobre a sabedoria ancestral de quem vive diretamente integrado com a nossa mãe, a Terra.  

Já estava em tempo dos imortais da ABL valorizarem as histórias e as letras  dos povos indígenas que no Brasil foram punidos, no passado, de se comunicarem em sua própria língua. Apesar que Krenak, o nome de sua etnia, que significa deitar a cabeça no chão, tocando a terra, já remete à ideia de imortalidade.

A luta de Krenak não é de agora. Em seus 70 anos tem muita história para contar para o mundo. Entre as tantas, a mais comovente delas  foi o  discurso memorável na Assembléia Constituinte, em setembro de 1987, para garantir os direitos aos indígenas na Constituição de 1988. Vale rever o vídeo sobre esse momento histórico (Achei essa maravilha no Youtube como documento).

Ideias para adiar o fim do mundo  é uma adaptação de duas palestras e uma entrevista realizadas em Portugal entre 2017 e 2019 e vendeu já mais de 90 mil cópias e foi traduzido em sete idiomas.  Além desse,  A vida não é útil, o Amanhã não está à venda, Lugar onde a terra descansa, têm assinatura de Krenak, entre outras publicações.

 

 

 

“Nosso tempo é especialista em criar ausências: do sentido de viver em sociedade, do próprio sentido da experiência da vida. Isso gera uma intolerância muito grande com relação a quem ainda é capaz de experimentar o prazer de estar vivo, de dançar, de cantar. E está cheio de pequenas constelações de gente espalhada pelo mundo dança, canta, faz chover. O tipo de humanidade zumbi que estamos sendo convocados a integrar não tolera tanto prazer, tanta fruição de vida. Então pregam o fim do mundo com uma possibilidade fazer a gente desistir dos nossos próprios sonhos. E a minha provocação sobre adiar o fim do mundo é exatamente sempre poder contar mais uma história. Se pudermos fazer isso, estaremos adiando o fim.

Krenak conta, numa entrevista no programa do Bial, que o título do livro foi resultado de uma história irreverente quando foi convidado para dar palestra em Portugal. “Eu estava juntando cisco no quintal e minha mulher me chama da cozinha dizendo que eu deveria repassar a eles o título da palestra”,  relata. Assim, como se não acreditasse que aconteceria o evento e meio que irreverente pensou na frase. “Diga para eles que serão ideias para adiar o fim do mundo”, disse ali varrendo o quintal. Quatro meses depois enviaram a passagem e o convite para expor suas ” Ideias para adiar o fim do mundo”.

Ailton Krenak nasceu na região do vale do rio Doce, onde a natureza foi afetada pela ação industrial do homem para extração dos minérios, infelizmente. “No livro, o líder indígena critica a ideia de humanidade como algo separado da natureza, de uma humanidade que não reconhece que aquele rio que está em coma é também nosso avó”. (parte do resumo da orelha da publicação)

 

A minha admiração pela sabedoria ancestral dos povos indígenas começou  quando realizei, na década de 90, uma exposição com a fotógrafa Fernanda de Castro intitulada a Farmácia da Floresta e visitei, entrevistei, diversos indígenas das etnias Kaigang e Guarani, nas Reservas de Mangueirinha e Ortigueira no Paraná. 

Dali pra frente fiz mais trabalhos com indígenas durante minha permanência na Secretaria do Meio Ambiente do Paraná, do governo Jaime Lerner. Entre eles, a realização vídeos para valorizar a criação dos Centros de Cultura dentro das reservas indígenas do meu estado. 

 Ao grande Ailton Krenak a nossa homenagem! Que suas ideias sejam transportadas pela força do vento para todos os cantos da Terra porque o que ele diz é para comungar em reflexão permanente: ” A água não é um recurso, é uma entidade”.  

Se todos entendessem a profundidade dessa reflexão de Krenak, como um conceito divino não mataríamos nossos rios de uma forma tão leviana e gananciosa.  A água é um ser espiritual, vivo e precioso e dela dependem todos os seres vivos deste planeta! 

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A arte como linguagem de expressão

A arte (do latim ars) engloba todas as criações realizadas pelo ser humano para expressar ideias, emoções, percepções e sensações.

Quando as mesmas causam impacto quando a obra final repercute ao ser visualizada, surgem questões de ordem objetivas quanto subjetivas, que merecem uma análise profunda de quem as cria e principalmente de quem as observa.

Infelizmente muitas vezes quem as vê, não exterioriza sua verdadeira avaliação critica, pelo receio em contrariar talvez uma maioria – que por sua vez faça o mesmo, ou pela indiferença que a mesma lhe produz. Quando exterioriza, fruto interior de uma comunhão de ilações que tocaram seu íntimo por algum motivo, nem sempre encontra eco num universo crítico de uma comunidade que a analisa e a observa (a arte).

Ausência de avaliações

Talvez por esta aparente ausência de avaliações concretas e externas de um número maior de espectadores, a arte não faz parte do cotidiano de um oceano de pessoas. Outrossim pode ser o motivo, além da vida ritmada pelo trabalho, pelos problemas, pela contemporaneidade da rotina moderna, que a arte não é democrática a ponto de merecer o olho crítico do mundo.

Muitos se questionam (como eu) se todas as expressões plásticas podem ser consideradas artísticas em seu conceito mais profundo possível. Entendo, pelo conceito de quem as cria, que a arte envolve a “não arte” (as obras que carecem de senso estético e harmônico) pois sendo força interna criadora, é movida pelo impulso de reproduzir uma emoção subjetiva.

Apropriação do belo

Esta emoção, que impacta uma coletividade, nem sempre tem em si, uma apropriação do belo, da perfeição, da ordem, da harmonia ou seus revezes. Tem apenas uma essência que qualifica como um “insight” que reverbera em si para exteriorizar num todo. Não tem o condão de avaliar o senso de uma verdade absoluta enquanto beleza com senso estético na acepção da palavra. Nesta condição, não existe o crivo da razão que avalia criticamente seu trabalho tendo como parâmetros tais conceitos. Apenas dá forma ao sentimento que lhe produz, criando o produto final que chamamos de arte, tendo ou não, esta configuração.

No entanto, sob a ótica de quem observa, meu conceito (até juízo de conhecimento em contrário) de arte, não envolve a “não arte”, mesmo me questionando sobre quem tem a dualidade para atestar com certeza no que ela consiste e assim se divide? Me permiti raciocinar que a arte produz um sentimento que emociona – pela ponte das emoções às refrigerações dos dias diários, densos e opressores – um olhar interno que relaxa pelo gozo das sensações e que nos remete ao nirvana de nossas buscas sublimes ou nos coloca nos charcos de um lodo impuro e desprezível.

Intimamente, procuro analisar e subliminarmente crer, que arte em mim, é o melhor das sensações que um paraíso pode repercutir, onde a beleza estética, o padrão harmônico e equilibrado é condição para o meu crivo de razões sentir! Aconteceu-me isto recentemente, ao vislumbrar uma pintura inédita de Simone Campos, pintora paranaense de grande repercussão, onde sua arte subjetiva, apaixonadamente reverberou em meu ser toda sua criação, traduzindo um belo (sob minha ótica) indefinível, ante o caráter lúdico e artístico que meu olhar absorveu.

Impacto

O impacto foi tanto, que lágrimas vieram em meus olhos, sem eu querer ou prever, cujas mesmas fiz o possível para que Simone não percebesse (uma arte de meu ego sem chances de naquele momento, exteriorizar). Também, em uma aula de Raquel Taraborelli, outra mestre do impressionismo brasileiro, tive uma experiência parecida, ao vislumbrar uma bela tela em seu ateliê quando ministrava os detalhes de sua perfeição técnica e artística.

Sensação maior ainda tive, ao vislumbrar pela primeira vez, o Juízo Final, o teto e a Pietà do maravilhoso Michelangelo na Capela Sistina, assim como as obras de Rafael Sanzio (meu preferido) e Bernini e seu baldaquino, no Vaticano, na Itália. Tão ou mais importante reação tive nas obras de Claude Monet, retratando seus atemporais jardins de sua amada residência em Giverny, França.

Por outro lado, ao vislumbrar as obras do pintor irlandês Francis Bacon (1909-1992), em uma Bienal de Artes de São Paulo, percebi que ele acentuou distorções sobre imagens e figuras que seu olhar mantinha com as angústias e em face da morte (talvez a psicanálise de Lacan explicasse esta incompletude radical ante um suposto vazio de sua existência), as quais me produziram um choque, fazendo com que o espírito de suas emoções densas, reverberassem agressivamente em meu eu interior, a ponto de me desequilibrar negativamente ao visualizá-las.

Assim, por esta minhas experiências e outras, creio que quando a arte repercute positiva ou negativamente, ela prospera nestas mesmas intensidades. Ela produz um sentimento de atração (por querê-la possuir) ou de repulsão pela completa indiferença, podendo chegar às raias, dependendo do grau deste impacto negativo, de sua própria destruição.

Feedback

Tenho para mim por outro lado, a tese de que, quando o observador não entende uma criação de um artista (como por exemplo numa avaliação crítica quanto aos artistas expositores da Bienal de Veneza nesta edição de 2015), é porque não repercutiu-lhe internamente, não lhe atendeu suas expectativas subjetivas, não lhe deu um feedback que esperava, e nesta condição, não reputo como arte em sua mais pura essência, mas talvez um movimento nesta direção, um mecanismo que direcione seu ego para algo que lhe inclua, mesmo com o risco de lhe excluir. Assim, não incluo a “não arte” e não a venero como arte, na acepção da palavra! Talvez minhas palavras aqui, sejam uma avaliação critica que redunde numa “não – arte”, quem há de saber?

A arte por outro lado, pode inserir um contexto objetivo, quando imediatamente o resultado de sua observação causa uma emoção externa a ponto de ser percebida, seja por atos, seja pelo apelo linguistico que ela produz, como os impactos que tive positiva ou negativamente perante às obras que mencionei. Pode por outro lado, produzir um resultado não exteriorizado, mas sentido internamente pelo observador que poderia lhe produzir um deleite, uma sensação, ou um universo de sensações prazerosas (ou não), que lhe remetessem inclusive a atavismos inconscientes, buscando um arquétipo antropomorfo, num conceito subjetivo.

Sensações

Daí a conclusão de que a arte pode ser transmitida de várias formas e neste mesmo grau, sentidas, por meio de uma grande variedade de linguagens como a pintura, a escultura, a arquitetura, a escrita, a dança, a música, o cinema, em suas multi combinações. Penso que também as variedades artísticas de design, inclusive provindas da era computadorizada e outras reverberações, incluem-se nesta linguagem, pois o processo criativo se elabora e se consome, na certeza de que haja possibilidade de expressar-se pelas emoções, em ideias, objetivando um significado em quem cria e em quem observa.

Se historiarmos os períodos que a arte existiu desde que o homem assim se refletiu, veremos que a arte clássica na civilização ocidental era qualquer atividade que envolvesse uma habilidade especial com regras definidas, sujeita a um aprendizado e a um desenvolvimento técnico. Tão significativa era, que Platão definiu-a como uma capacidade de fazer coisas de modo inteligente através de um aprendizado, sendo um reflexo da capacidade criadora do ser humano, enquanto Aristóteles a definiu como uma disposição de produzir coisas de forma racional.

Encontraremos também no REnascimento uma significativa alteração destes conceitos, em que as obras elaboradas foram conceitualmente separadas do objetivo produtivo, tendo a arte um cunho de ciência, onde a elite pensante intelectual era fim, inobstante a arte desta feita, merecer um aporte de onipotência financeira e neste encargo, demonstrar poder e riqueza de quem a colecionava.

Neste andar sem tréguas pela história, a influência absoluta do iluminismo nos trouxe a arte outrora elevada à ciência, sendo substituída pela emoção e pelo sentimento, cuja estética, foi o termo empregado para defini-la, num padrão de sensações (sendo que o próprio termo “estético” vem do grego traduzindo-o como “sensações”).

Não por acaso, o romantismo nesta mesma linha, valorou a criatividade do artista e o quanto a sua liberdade em criar lhe erigiriam, se merecesse, à condição de supremo artista, cuja razão jamais seria norte a lhe moldar, embora a razão a meu ver, reconhecesse que sua expressão atendia aos melhores padrões estéticos. Muito interessante relevar o dualismo que Charles Baudelaire conceituou a arte, entendendo subjetivamente que nela se encerrava um corpo e uma alma, transfigurados pelo sonho lúdico ao lado da realidade que a emoldurava.

Em um tempo mais contemporâneo, Arthur Schopenhauer, ao lado de outros, conceituaram a arte pela arte, com um fim em si mesmo. Num complexo sistema de interpretações, não há como olvidar também a contribuição maravilhosa de Jung e Freud, os quais entendiam que a arte era uma exaltação do ego de seu criador, o qual exprimia através dela, seus sonhos simbólicos e repressões dinamizadas pelos desejos reprimidos, originando inclusive destas sensações, a figura famosa do arquétipo de Jung, que seria talvez alçar a arte, à uma representação subjetiva material destes símbolos.

Walter Benjamin

E ainda não fosse o bastante para ressaltar no que consistia a arte, Walter Benjamin e sua escola, refletindo sobre a modernidade e suas consequências na sociedade, obtemperou que a massificação cultural (em todos os seus sentidos) influiu a arte de tal forma, que o objeto criador foi nela fundido a ponto de ser banalizado, cujo resultado era uma arte (se é que nesta condição poderia ser assim reconhecida) sem identidade própria e alçada a um ostracismo, já que sua aura (do objeto de criação) teria sido perdida. Estaria aí ele vislumbrando a “não-arte” sepultando a arte estética e harmônica?

Exercitando a arte de sentir, me permito concluir que arte é uma habilidade interior, emergindo de uma força criadora com status de expansão divina, transcendendo a emoção em sentimento e que atende a um modelo estético de harmonia, equilíbrio e beleza, cujos padrões repercutem tanto em quem cria como no observador, um prazer de sensações venturosas. Pode ser ela aprimorada, resultando de aprendizagem externa que agregue a estas tendências, uma perfeição técnica eficaz.

Ineditismo

Assim, reputo, aliando-me a muitos, que “qualquer coisa” não pode ser considerado arte em seu contexto original, onde esta “não arte” jamais seria alvo de um crédito que ela não possui. Seu suposto “ineditismo” oriundo talvez de uma excitação com níveis leves até máximos, culminando em expressões artísticas de bizarra imaginação ou aberrantes fantasias, nunca poderia ser assim atestada.

Em derradeiro, um sistema em que a reconhece como tal, deve se submeter ao crivo de emoções inteligentemente transfiguradas, cujos sentimentos são afinados com o belo, com o estético, com a ordem e enquanto “fato artístico”, possui parâmetros externos objetivos que merecidamente a consagra.

Em derradeiro, entendo que este mesmo sistema, jamais deve permitir que se faça arte com o objetivo de ser valorada economicamente para este fim, e sim reconhecer que a arte tal qual ela se insere, é uma dádiva de talentos, uma criação habilidosa e útil, que evolui numa trajetória geométrica considerável ao longo do tempo, tendo o poder de transformar um mar de firmamentos sombrios em um céu de divinos jardins celestes.

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Trastevere une boa cozinha e filantropia na “Trattoria de gli amici”

A Trattoria de gli amici" não é um restaurante comum que somente oferece delícias da cozinha italiana. A diferença é que nele as pessoas que servem às mesas e ajudam na cozinha têm deficiência mental. Onde?

Em Trastevere, o famoso bairro boêmio de Roma, na Itália.

Com certeza, caro leitor, estará se perguntando porque divulgar um projeto de inclusão social de outro país, sobretudo de primeiro mundo, diferente da nossa realidade. Mas a editoria do Pan-horamarte acredita que atitudes boas que fazem bem devem ser divulgadas. 

Talvez exista nesse imenso Brasil projetos semelhantes e gente com boas ideias e coração caridoso, mas foi na Trattoria de gli Amici que  constatei que é possível ousar e acreditar num mundo melhor.

Lembrem-se de o Ocontrato, da amiga Lucia Stall que há 20 anos banca um projeto social sozinha e que já conseguiu transformar a vida de cinco meninos que viviam na rua e hoje são homens casados, pais e com filhos nas escolas. Lucia já é vovó de coração de várias crianças.

 São gotas d’água que fazem a diferença quando se trata de resolver os males da humanidade. Basta criatividade e amor ao próximo. Filantropia (palavra de origem grega) – filos amor, afeição – antropo- humanidade.

Mas voltando ao Trastevere porque vale a pena conhecer a ideia:

Amaneira que achei a Trattoria foi muito interessante e intuitiva. Trastevere é um bairro boêmio de Roma, gostoso de circular sob a luz amarela bruxuleante na iluminação das ruas, suas lojas e restaurantes lotados, burburinho, pleno de pessoas, com filas em restaurantes esperando para degustar as delícias da cozinha italiana. Exatamente, filas em alguns restaurantes que certamente foram indicados por blogueiros pagos na internet. Nunca vi isso desde que visito Roma e andei por lá estudando arte.

Nessa caminhada ziguezagueando pelas ruas, a quase perder-se nas vielas estreitas ladeadas por casarões antigos de cores pasteis no ocre e rosa, o estômago começou a pedir socorro e dar sinais de fome. Pensei comigo: vou entrar naquele restaurante todo iluminado com luzes que colocamos em árvore de Natal. Eis minha surpresa quando cheguei ao garçom pedindo uma mesa. Ele me disse que anotaria meu nome e eu deveria aguardar numa fila imensa. Provavelmente muitos tiveram a mesma ideia e foram atraídos pelos brilhos da porta.

Como detesto filas e acho que quando acontece isso, em caso de consumo, é por histerismo coletivo, fui em busca de um lugar mais tranquilo. Andando um pouco adiante vi a Trattoria como um lugar aparentemente aconchegante, com algumas mesas vazias. Vi na entrada do restaurante uma mulher, que depois a conheci, Sofhie Jansses, que estava coordenando o atendimento dos garçons e acolhendo com sorriso os que chegavam para “cenare” (jantar). Para mim, a conexão estava estabelecida e o convite feito. Entrei e sentei numa mesa vazia e esperei o garçom – jovem sério e compenetrado me atender.  

Aquele ir e vir me deixou intrigada e como Sofhie passou por mim, fiz comentários sobre o local e imediatamente ela começou a contar que era o seu dia de voluntária pela Comunidade de Santo Egídio para administrar o movimento do restaurante. Começou a contar sobre o projeto de inclusão para pessoas com deficiências mentais e como o trabalho era feito. Assista o vídeo acima que está em italiano, mas não é difícil entender o recado de Sofhie.

Olhem só a beleza dessa entrada com ‘bresaola, queijo e tomate seco! E ao final um delicioso Tiramissú.  Curiosa quis saber  mais sobre o projeto e acessei o site Trattoria de gli amici:

” Na amizade com pessoas com deficiência, a comunidade de Sant’Egídio assumiu a necessidade de dar atendimento às dificuldades e expectativas dessas pessoas.

Isso nas diferentes esferas de cada indivíduo em situação vulnerável. Da mesma maneira, a também nossa Cooperativa Pulcinella Lavoro, além da feliz experiência na área de restaurante, com mais de 25 anos de história, ativou cursos de formação e treinamento, sob a confiança de especialistas e técnicos qualificados da indústria hoteleira e restaurantes para treinar 200 pessoas com deficiência, interceptando oportunidades de trabalho contínuas”.

 

Trastevere é um nome derivado do latim, que significa além do Tevere ou Tibre. Isso em relação ao coração da cidade de Roma que era do outro lado do rio. Era um bairro isolado no tempo dos romanos habitado por etruscos, num tempo antiquissimo em idade, depois imigrantes, judeus, sírios. 

Vamos usar aqui uma frase conhecida de todos, “muita gente pequena, fazendo coisas pequenas em lugares pequenos, podem mudar o mundo”.  Concedo-me  a licença poética de alterar a frase e  dizer que não somente em lugares pequenos, mas em todas partes do mundo, se cada um de nós olharmos para o outro com afeto e humanidade será possível construir um mundo melhor.

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                                             Fazer o bem que mal tem 

                          

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Marrocos: um povo, uma tragédia

Estava em Fnideq, cidade litorânea ao norte de Marrocos, quando aconteceu o terremoto no sul. O mar Mediterrâneo azul e cristalino terminava na areia branca e a vida seguia seu curso nas praias do norte...

Ao sul, milhares de mortos e comunidades inteiras destruídas, e monumentos de valor histórico inestimável numa das cidades ícones de Marrocos – Marrakech. É assustador o contraponto, de um lado a tragédia e de outro a vida seguindo seu curso, mais assustador é -acompanhar a situação assistindo tudo numa realidade virtual e ao mesmo tempo, estar tão perto da tragédia. 

Dolorosa sensação de incapacidade e medo!

Nesse momento temos a exata noção da impotência diante da fúria da natureza e a impermanência da vida, na qual cada pessoa nesse mundo tem uma trajetória a percorrer para evoluir ou não. Por que? … é sempre a pergunta.

Uma tristeza e constrangimento invadiram o meu coração e por um tempo perdi a motivação para escrever. Tanto vi e muito senti pelo  povo marroquino.  Por isso, decidi colocar aqui o meu olhar  sobre uma cultura, sobretudo de mulher ocidental independente interpretando modos diferentes de vida e tentando entender o papel da mulher em sociedades, cujo sistema é autoritário e rigoroso.

 Apenas rápidas impressões sobre a vida de pessoas que seguem e acreditam numa outra verdade, que interfere em seu comportamento cotidiano.  Marrocos é um país, cuja religião, comida, hábitos são  totalmente diferentes do nosso modo de vida ocidental. Um país com belas paisagens, rico em cultura e que vive em aparente tranquilidade sob o comando de um rei ( todos os estabelecimentos comerciais e públicos  tinham a foto de Moammed VI). Enfim, vamos aos flagrantes que fazem a arte da vida e a vida como arte.

Essa imagem do camelo ou dromedário (não soube definir qual deles era)  e seu guia é a representação de carinho na forma como ele trata o animal. Foi gostoso de ver o prazer do animal saborear os famosos figos da região. Assistam o vídeo e percebam que o olhar do camelo perdia-se no horizonte mastigando a fruta que seu amigo homem colocava em sua boca com a mão, sem receio de que escapasse uma dentada em seus dedos.

 

Não pensem que vivenciei um filme no deserto vendo inúmeros camelos passarem pelas areias quentes ou ruas da cidade. Ali, no norte, um tanto distante do deserto os camelos ( que importa se é camelo ou dromedário) aparecem um ou outro na praia, apenas para fins turísticos. Por uns trocos levar turista interessado na experiência de andar num camelo.

A realidade de fato, era que estávamos a 641 quilômetros de Marrakech, distante do sismo e ali em Fnideq o mar continuava intensamente límpido e turquesa. A ruas arborizadas e tudo muito comportado (para turista ver)  e limpinho num país que é governado por um rei – Moammed VI – pertencente a uma dinastia que tem reinado em Marrocos desde 1666.

Pessoalmente adorei a comida cheia de especiarias, tomilho, cúrcuma, açafrão, etc. 

Além do cuscuz marroquino, os tajines são pratos poderosos que alimentam sem deixar espaço no estômago. As opções de carne são cordeiro, frango, ou peixe, bem cozidos numa panela especial de barro. O que aparece na foto, com batatas fritas, é de frango e as fritas são uma adaptação ocidental. O tradicional é com legumes.

O mais interessante na alimentação deles, é que não usam muito os talheres. Os tajines são praticamente consumidos com as mãos. A família se alimenta com o pão embebido no molho e vai beliscando a carne.

 Os tapetes e utensílios que mostramos na imagem  são do centro de artesanato da Medina Antiga de Tetouan. 

Medinas são um aglomerado de casas e ruelas, partes antigas e históricas, que costumam ser muradas. São verdadeiros labirintos de ruas estreitas e comércio diversificado. 

Entrando na Medina de Tetouan com Helena minha neta

Não se arrisque a andar sem guia nesses locais porque jamais achará o lugar por onde entrou. Apesar disso, uma medina é imperdível e deve ser visitada. Por acaso, mas não tanto, um guia nos abordou e conseguimos fazer o percurso dentro da Medina de Tetouan, é claro, que foi muito rápido e gostaria de retornar sozinha, sem dúvida com GPS. Isso para parar onde sentia vontade e não nos que o guia já tinha acordo. Caso queira arriscar sozinho é fundamental ter um GPS ligado. Não posso garantir que a internet seja funcional onde estive visitando.

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A cidade Fnideq faz fronteira com a Espanha e oferece aos turistas europeus belas praias e a possibilidade de chegar a Marrakech numa viagem mais longa. Mas vale permanecer pelas praias do norte de Marrocos, O trajeto de Lisboa passa por AAlgarve, Sevilha, Algeciras- local que se pega o Ferry e atravessa o estreito de Gibraltar para Ceuta, ainda na Espanha e chega a Fnideq. O  famoso e histórico estreito de Gibraltar tem várias companhias que transportam carros e pessoas. Os bilhetes podem ser adquiridos online. 

No passado foi uma importante rota de passagem comercial que ligava a Europa ao Oriente Médio. Antes de qualquer coisa, garanta seu bilhete para o ferry que sairá de Algeciras e prepare-se para pagar em euros carro e pessoas. Importante também fazer um seguro específico para o carro que é solicitado na aduana marroquina. Aliás, inspeção minuciosa na entrada e na saída. Inclusive nas bagagens por parte de Marrocos. Intimida um pouco!

As montanhas que compõem a cidade Gibraltar, vista de longe, parecem a imagem de pessoa deitada sobre o mar  que placidamente permanece olhando para o céu sem se incomodar com o intenso “ir e vir” de navios, ferries que passam ao seu lado.

Como toda área turística, essa região no norte Marrocos é bem cuidada, nas ruas principais, agradável e cheia de casas brancas com detalhes ou azuis ou verdes. Suas sacadas são esplendorosas, espaçosas para saborear ensolarados cafés da manhã ao ar livre. Típicas casas mediterrâneas. Conseguimos alugar uma dessas num condomínio muito legal, num preço mais acessível que nas badaladas praias do Algarve. Tudo online, via aplicativos específicos para aluguéis e turismo.

Fnideq é a primeira cidade marroquina, saindo de Ceuta. As praias são belíssimas e a região oferece opções em outros balneários próximos como Smir, M’Diq, Tetouan. Verdadeiras piscinas de águas transparentes e próprias para mergulho.  Um tanto geladas mas irresistíveis.

Num país como Marrocos é importante falar bem o idioma francês ou inglês. Melhor o francês porque grande parte da população te entenderá e não haverá equívocos nas compras e nos preços. Porém. tudo é muito barato em relação ao euro. Um euro por 10 Dirhan (moeda marroquina).

Essas rápidas impressões foram suficientes para perceber que as diferenças culturais devem ser respeitadas, assim como nós queremos ser acolhidos como visitantes. Marrocos é um país com 37 milhões de habitantes (censo de 2021, informação Google), com visível desigualdade social, liderada por um rei e com a maior parte da população adepta ao islamismo. 

Na sociedade muçulmana não se admite bebidas alcóolicas. Para o turista desavisado é importante alertar que não é vendida bebida alcóolica em bar, restaurante e supermercado. Pelo menos, na região que visitamos de Fnideq até Teutoua. 

De acordo com as leis islâmicas é proibido consumo de álcool em locais públicos. Se for pego estará sujeito a multa e prisão.  

 Os bares  vendem café e chás e são frequentados por homens.. Aliás, o mundo é dos homens em diversos aspectos que vamos abordar em outro artigo.

 Portanto, a cervejinha gelada debaixo do guarda-sol apreciando o mar azul é para outras paragens. Não esqueça disso! Na praia poderá saborear bons sucos de laranja e um delicioso chá quente de hortelã, que os vendedores ambulantes vendem aos banhistas. Um país inteiro não consumir bebida alcoólica é algo incrível pela força de persuasão à população contra a indústria das bebidas! 

Mas sempre haverá um jeitinho…. basta perguntar onde!