Nas Nuvens- Ana Carolina Matsusaki

Escritura Criativa: escrevendo em diferentes idiomas

Desde criança eu sempre quis escrever. Mas reconheço que no início nunca me dei bem com a escrita como me dava bem com a Matemática, mas como diz o poeta William Shakespeare:, “há mais mistérios entre o céu e a terra do que a vã filosofia dos homens possa imaginar”.

Ser jornalista

Foi assim que eu cresci, empenhada em ser jornalista e escrever até os meus dedos não permitirem mais. É engraçado que meu prazer de escrever não encontrei nos meus primeiros anos. Era algo que eu queria, mas na hora do “vamos ver”, achava uma chatice ficar na frente de uma folha em branco pensando em idéias.

Nunca entendi bem a gramática e tenho certeza que foi porque, até então, nunca tinha encontrado uma pessoa realizada em dar aula, que explicasse esse tema com paixão.

Foi só na época do vestibular que comecei a entender um pouco de sintaxe e de semântica. Também foi na época do vestibular que comecei a escrever pra  mim mesma  e comecei a descobrir minha paixão pelos livros e pela literatura.

Dessa época saiu uma escritora medíocre, mas com muita vontade de seguir. É complicado falar sobre o processo criativo. E das muitas vezes que a gente desiste no meio do caminho. O poeta já dizia que no meio do caminho tinha uma pedra.

Saber um novo idioma sem ser nativo

Dominar uma língua não significa ser nativo. E eu descobri isso quando fui morar na Espanha. Ademais de transferir todo o curso de jornalismo para cá, me empenhei em aprender espanhol como ninguém. Já que estava ali na faculdade letras, me exigiam o mesmo que se exigia de um aluno nativo. Não estudava Engenharia, nem Medicina, estudava uma matéria em que o domínio da sua língua era fundamental. E foram horas e horas estudando na biblioteca seus manuais para conseguir entender e acompanhar as aulas de “Lengua Española I”.

Foi nessa época que comecei a me divertir. Não só em escrever mas também em aprender. Tudo era como um jogo: escrever em outra língua que não é a sua exige mais, porque todo o tempo te falta vocabulário.

Me lembro da primeira vez que comprei uma revista de palavras cruzadas em espanhol. Quando vi que podia completar o primeiro jogo inteiro vi o quanto eu tinha aprendido. Porque cada dia eu aprendia mais; cada dia era uma vitória.

Um novo mundo

Mais tarde, os professores já quase nem corrigiam as minhas redações em forma e estilo e pouco a pouco um novo mundo foi se abrindo diante dos meus olhos.

Aprender uma língua é uma atividade contínua. Todos os dias um novo vocabulário aparece na sua frente, e uma nova história, uma nova forma de escrever. Você inventa e se reinventa todos os dias. E não pode deixar nunca de lado senão você esquece.

Essa rotina eu montei pra mim mesma, pra não esquecer dos pequenos mundos que venho descobrindo: tanto o inglês, o espanhol como o português, tenho que praticar semanalmente, e isso exige ser muito disciplinado.

Ler um livro em cada idioma por vez, revisar gramática e vocabulário constantemente. Minha casa é um santuário dos manuais e dicionários em todas as línguas que eu aprendi e estou aprendendo.

Pouco a pouco vou descobrindo que utilizo cada língua para um estilo de redação diferente, e vejo que dentro de cada caixinha que armazena na minha cabeça foi criado também uma diferente personalidade e uma diferente forma de escrita. Mesmo com pouco vocabulário, exercitar a escrita em outra língua pode ajudar a descobrir outros caminhos na sua própria. Você já tentou?

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O Incêndio

                                                           No meu rosto queimado    

                                                    Um beijinho tornou-se carvão e    

                                                    Aparece nas linhas dos meus lábios”

                                                                                                Maiakovski

Nós vivemos muitas estações na face machucada daquela cidade dos mortos. Nossos corações estavam crescendo e ficaram molhados com as chuvas cinzentas e as chuvas da noite. Milhares de passarinhos mortos caíram sob nossos ombros cansados, estávamos sangrando.

Nos recostamos um no outro e passeamos sem medo dos assassinos e dos catadores de mortos. Nós pegamos os passarinhos machucados nas ruas  escuras, andamos com nossos rostos vermelhos pelo reflexo dos incêndios, fizemos muitos incêndios mas não foram suficientes.

 

Só deuses podem queimar,

Nós só conseguimos morrer…

Esse é nossa única superioridade

aos deuses

 

Quando nós nos salvamos, os mortais da escuridão, e alcançamos o céu azulado, ficamos como um deus e deusa. Ao mesmo tempo nós não desejávamos afugentar as estrelas.

Nós contamos um para o outro que queríamos nos purificar e estávamos sangrando por dentro, porém, durante muito tempo não conseguimos conversar. Nós, aliás, conversávamos mas parecia que falávamos com outras pessoas e não entre nós dois realmente.

Aprendi que quando uma pessoa fica sozinha está fugindo dele mesmo. Quando encontra-se uma pessoa com quem se pode compartilhar e confiar, então as histórias podem ser expressas honestamente e além disso, você pode se refugiar no outro. Além disso, todo mundo tem dentro de si mesmo um outro que sempre está falando as verdades duras.

O incêndio desse encontro acaba rapidamente. A pessoa fica dentro da fumaça e das cinzas, mas não deverá permanecer muito tempo nesse lugar, onde só existe tristeza e nostalgia. Esse é o cemitério do passado. Há necessidade de haver novos incêndios, novas viagens devem ser realizadas com a mochila nas costas, carregando suas tristezas e sofrimentos. A única coisa que pode nos fazer esquecer os sofrimentos e as cinzas, é fazer novos incêndios.

 

Além dos incêndios e das cinzas

Além da cinza e da morte

Além da morte e o infinito

Além do infinito

Há o amor

 

Na realidade não tínhamos vivido muitas coisa. Nós compartilhamos, às vezes, um pedaço do tempo que parecia um pão fresco. Às vezes, compartilhamos pedaços iguais da morte. Você sabe que algumas coisas ficam limpas e não podem se sujar se não forem vivenciadas. Mas quando a  magia acaba você deverá entender que está sujo.

Porém, eu queria  um amor  que sempre me perdoasse e me amparasse…

 

Erol Anar

Do livro de “Amor e Solidão”

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O que é arte

Entenda o que é arte

Para começar a entender o que é arte é preciso transportar-se no tempo e descobrir como a palavra surgiu na linguagem.

O homem da Antiguidade começou a utilizá-la a partir de um comportamento realizado no seu cotidiano. A palavra é o resultado, é a representação simbólica.

A etimologia ( estudo da origem da palavra) da palavra arte deriva da raiz ariana ar – que em sânscrito significa no sentido de tradução, adaptar, fazer, produzir. Esta raiz é encontrada no latim, ars, artis, artem. Portanto, originalmente a palavra arte significava algo como uma habilidade de produzir em alguma atividade.

Nas mudanças semânticas ou transladações sofridas, arte foi associada ao belo, à estética, sobretudo nas reproduções de fatos, personagens, paisagens. Surgiu da sensibilidade do ser humano ao expressar-se em cenas, religiosa, mitológica, de batalhas, ambientais, sobretudo para alimentar o ego de personagens famosos na história.

Segundo os dicionários…

“A capacidade que tem o homem de pôr em prática uma ideia, valendo-se da faculdade de dominar a matéria”, explica o verbete Arte, no dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, que reserva um grande número de linhas para definir com clareza o seu significado.

O dicionário italiano Devoto-Oli tem uma definição menos abrangente e mais focada no significado. “Qualquer forma de atividade do homem como tentativa ou exaltação do seu talento inventivo ou de sua capacidade expressiva.

Ou melhor, arte é manifestação hábil do homem em qualquer de suas atividades, nos ofícios, na caça, na religião, na cozinha, nas belas artes – escultura, pintura, desenho, arquitetura, entre uma infinidade situações realizadas no cotidiano…

É a expressão criativa do homem. Arte é vida, vida é arte!

Mas o que é, então, o Belo?

O sentido do belo é muito individual. A beleza não tem padrão único e um valor universal. Pode variar de um país para outro, de pessoa a pessoa, cultura, idade, sexo, humor, entre outros fatores. O que pode ser belo para você, não é  para mim.

Cristina Costa, em seu livro Questões de Arte, escreve com muita propriedade sobre o assunto arte, analisando-a na sociedade, na vida do homem e esmiúça todos fatores que determinam o seu significado e o seu papel ao longo da história, associada ao belo e à vida moderna.

O  belo pode provocar prazer ao apreciar esteticamente o mundo que nos rodeia. Em contraponto, o belo não é o bonito. Segundo Cristina Costa, existe uma diferença. “A beleza vem da emoção que temos diante de uma obra de arte quando percebemos o que o artista tenta transmitir. A beleza vem também da sensação de conseguirmos ver o mundo da maneira que pensamos ter sido a intenção do artista.

O bonito é estabelecido a partir de critérios de aparência. Quase sempre é harmonioso, agradável, saudável e alegre. Não como a beleza que nos proporciona uma emoção profunda e sutil.

o belo na crítica de arte

A professora de crítica de arte da Sapienza Universidade de Roma, Maria Letizia Proietti, ao falar sobre a função do belo na crítica de arte encontrou argumentos nos estudos de Sigmund Freud. O belo se aproxima do “não sabido”

IMG_3298Para simplificar ou traduzir para os simples mortais, o que ela quis dizer é mais ou menos assim: “a pessoa pode se deparar todos os dias com uma imagem e nunca fazer caso disso”.

Um belo entardecer, por exemplo. Mas tem um momento em que entardecer lhe desperta atenção porque vai ao encontro de algo que existe dentro do seu inconsciente. “Vem ao seu encontro como se tivesse marcado hora”.

Não é uma ideia ou um modelo. É uma qualidade presente em certos objetos – sempre singulares – que nos são dados à percepção. Mikel Dufrenne, filósofo francês – fonte Estética e Filosofia.

Quando se trata de arte
Wind
Heather Phillipini – Wind Bienal de São Paulo/ 2016

Esse é um dos questionamentos mais antigos e tem acalorado debates entre intelectuais ligados as artes, tanto na antiguidade filósofos e historiadores, quanto no mundo de hoje. Erroneamente as pessoas confundem o agradável, o harmonioso à arte e tem normalmente uma resposta na ‘ponta da língua’ , sobretudo em arte contemporânea – mais conceitual –  indignados com a provocação da obra, “mas isso não é arte!

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Semana do Design no Museu Oscar Niemeyer

Sempre há algo de novo a dizer sobre isso, afirma a Cristina Costa em seu livro.

“Vivemos numa época em que as questões de estética – da natureza e dos valores do belo – estão na ordem do dia. Habitamos num mundo que vem trocando a paisagem natural por um cenário criado pelo homem, por onde circulam pessoas, produtos, informações e principalmente imagens.

E, se temos que conviver diariamente com essa produção infinita, melhor será aprendermos a avaliar essa paisagem, sua função, sua forma e seu conteúdo; e isso requer o uso da nossa sensibilidade estética. (…)

Há arte nos espaços pelos quais transitamos, nos locais onde estudamos ou trabalhamos e até nas embalagens dos produtos que consumimos. Há criação artística nas lojas, na programação do rádio, nos viadutos da cidade, nas vitrines das lojas e nos cartões de visita.  

Por isso, seja qual for a área em que atuemos ou pretendamos atuar, certamente, em algum momento, entraremos em contato com a arte, pois há muito ela não se restringe mais a determinados espaços ou a certas pessoas. Isso torna oportuno, e urgente o estudo das questões de arte”.

 

 

 

 

O grito de Edvard Munch

Função do belo na crítica de arte depois de Freud. Non lo so che

Quando entrei naquela sala de aula repleta de alunos europeus concentrados,  num silêncio absoluto, me senti, num primeiro momento, fora do ninho. Todos estavam atentos  à explicação daquela professora italiana que colocava suas considerações sobre o “belo” e o conhecimento em psicanálise, citando Freud, filósofos como Nietzsche. 

Fui aos poucos deixando a timidez de lado e procurando captar o fio da meada daquela aula de história da arte ministrada num italiano erudito e com informações tão profundas sobre o que é o belo na arte.

O belo, segundo Freud, é quando você atinge o  “non lo so che” – o não sabido– dizia a professora dramatizando a entonação.

Pequena em estatura e gigante em conhecimento

Maria Letizia, seu nome, professora da Sapienza, Universidade de Roma, tinha pequena estatura, corpo miúdo, vaidosa e impecável nas roupas sóbrias, habitual para uma professora doutora universitária.

Era tão pequena de compleição física que ao chegar na sala, mal dava para enxergá-la em meio aos alunos, no entanto, quando terminava de abrir as janelas para arejar o local,  preparar o computador e a tela de projeção, gestos realizados como  um ritual quase sagrado, meticulosos, atentos aos detalhes e quando iniciava a falar, se tornava gigante.

Era como se a alma alçasse voo e seu olhar atravessasse o espaço real e atingisse um outro universo e lá encontrasse idéias iluminadas  e assim, com essa luz , como num transe,  encontrava-se com as mentes  daqueles que a escutavam com atenção.Eu estava neste grupo. Me sentia hipnotizada pelas suas palavras e, claro, dentro do meu cérebro tentava colocar em ordem as idéias e aos poucos ia entendendo a “loucura lúcida” da teoria do belo.

Lirismo dos italianos

Um fato interessante que observei  no comportamento dos italianos, em sua maioria, foi de que vivenciam intensamente a explicação que estão dando como se estivessem  encenando um teatro, ou uma ópera.

Têm lirismo nas palavras, dão sentido ao gesto. Assim  era Maria Letizia dentro da sala de aula.  “Funzione del bello e la declinazione delle n-iente nella critica d`arte dopo Freud”( Função do belo e a declinação do n- nada na crítica de arte depois de Freud) era o nome da disciplina. Pudera, com este nome não era possível ser diferente.

Um italiano objetivo perguntaria mais ou menos assim: “ma cheeee? che c’entra questo? ” – pra que serve isto? Creio que ficaria mais pasmo  perguntando porque uma brasileira estaria ali participando das aulas, sem ser artista.

Pra que serve isto?

Também me perguntei várias vezes o que estava fazendo naquela sala e porque queria tanto me envolver com o “belo”, especialmente porque até agora tinha lido poucas obras de Friedrich Nietzsche, e sobre o famoso psicanalista gostava de brincar com a frase “Freud explica”.

Para ajudar, na época falava um italiano mais para o coloquial do que para o erudito. Era uma estrangeira numa universidade européia, sem a pretensão de  conquistar um  título ou galgar algum degrau na hierarquia acadêmica.

A verdade é que eu precisava de mais conteúdo para ter condições e fazer críticas sobre um trabalho artístico. Por isso, é fundamental saber qual é a função do belo para o homem, para um artista, para um espectador ou apreciador de obras de arte.

A função do belo

É mais ou menos que Maria Letizia explicava:

“A função do belo, Freud introduz pela psicanálise. É  alguma coisa que repelimos e que  atinge a  ‘ignorância essencial’ um ‘non so che ’ – o não sabido. Algo diferente, involuntário, que faz atração imprescindível sobre esta resistência.

O trabalho de atração sobre a repulsão é a obra. É por isso, que para entender “o belo” é preciso manter presente a psicanálise – porque é por ela que  se explica  o fato que o individuo em seu inconsciente é transformado e  como acontece essa transformação para se aproximar do belo.

O que é transformado não é somente o individuo consciente,  mas é aquele do oposto, do  gozo, sobretudo do inconsciente,  que a partir dos efeitos da pulsão ( impulso vinculado à linguagem, a letra ) pensa, sonha e diz, e se aproxima do belo”.

Psicanálise

Portanto, a psicanálise tem uma função também terapêutica , mas ‘a você te interessa tanto como terapia quanto como um método de conhecimento’. Um exemplo é o pôr do sol,  que é igual quase todos dias e quase não se faz caso dele.  Mas quando e se , alguém improvisadamente o vê e o aprecia e o coloca  luz  – “mette in luce”-   este pôr do sol, sim, lhe  desperta atenção  e  vem ao seu encontro como se tivesse marcado hora.

Neste momento o abriga e o acolhe-  como qualquer coisa que craveja na sua verdade  em questão, do qual não sabe: e o elabora. E neste movimento, por certo,  vem o tremendo ( como o poeta alemão Rainer Maria Rilke diz, “porque o belo não é tremendo ao seu início) cada um é, e vem poeta”.

Depois deste rodopio mental em que se precisa de muita concentração e silêncio absoluto para captar o “sentido da coisa” finalizo esta confabulação comigo mesma e com você leitor, sem começo e sem fim. Finalizo ao descobrir que a minha poetisa preferida, Helena Kolody, com certeza, entrava no estado do “não sabido” para escrever seus maravilhosos poemas, e cito um pequeníssimo que diz tudo sobre o tema em poucas palavras:

Loucura Lúcida(HK)

Pairo, de súbito

noutra dimensão

Alucina-me a poesia

 loucura lúcida

*Foto> O grito, de Edvard Munch

Maria Letizia Proietti é professora e doutora da Universidade Sapienza, de Roma.