Bordeaux ou Borgonha?

São Paulo ou Rio? Madrid ou Barcelona? Carne ou peixe? Tem gente que sabe, tem gente que não, e tem gente que depende. Eu pertenço ao grupo dos depende.

E quando falam de vinhos, regiões vinícolas, nem se fala. Novo mundo ou tradição? Espanha ou França? Portugal ou Itália? Branco ou tinto? Monovarietal ou coupage? Malbec ou Merlot? Tempranillo ou Grenache?

E depende de que?

Depende de tudo ora. Do dia, da hora, do tempo, da ocasião, do preço, da região, do cardápio… e assim por diante. Sim; depende de tudo.

Para gostos, sabores; já dizia o ditado… e por que não muitos? Aqui não se trata de escolher um time de futebol, uma religião ou um partido político. Se trata de que a comida italiana é tão gostosa como a francesa ou a espanhola… é uma questão de experimentar.

Se tratando de vinhos então, a teoria é a mesma. Experimentar, experimentar e educar o paladar.  De todos os cantos, de todas as regiões, de todos os lugares. Quanto mais melhor. Só assim você vai começar a entender as diferenças de um vinho para outro sem se perder no meio de tanta informação e de tanta crítica.

Uns dizem que os Bordeaux são melhores, outros dizem que os Borgonhas.

Tem os que não abrem mão dos Riojas, dos alenteijanos, ou dos Alvarinhos. Mas a verdade é que para quem está começando, dá no mesmo. Enquanto você não começar a provar tudo o que você vê na frente, vai ser impossível criar um critério próprio.

Por exemplo: No verão de Madrid dificilmente tomo um tinto numa esplanada. Ou no inverno dificilmente tomo um branco. Um peixe geralmente pede um branco, carne geralmente pede tinto: mas a regra não é restrita. Você acomoda ela como você quiser. Isso é como arte: não gosta, não compra!

Mas quando você começa a gostar, cuidado pra não se arruinar!

Nos últimos dois anos estive viajando pela França nas regiões mais míticas de vinho do mundo: Bordeaux e Borgonha. A primeira dominada pela produção das uvas Cabernet Souvignon e Merlot, e a segunda pelas uvas Pinot Noir e Chardonay. Disputas à parte, eu fico com as duas. Mas para os franceses, não cabe dúvida. Ou você é de uma ou é de outra. Menos mal que sou de fora e não tenho que escolher.

Desde que eu fiz essas viagens, França abriu meus horizontes e se revelou como um país completamente desconhecido.

Bordeaux fica quase na fronteira com a Espanha, sendo destino turísticos de muitos espanhóis que vivem na capital. A parte da cidade, que leva o nome da região e do tipo de vinho procedente dali, esta zona está repleta de subzonas que se diferem basicamente pela sua variedade e forma de elaborar o vinho. O resultado: uma diversidade digna de ser provada, degustada e repetida quantas vezes forem necessárias.

Ali estão os famosos Margaux, Médoc, Saint-Emilion, Pauillac, etc., etc. y tal. Todos cortado pelos rios Garona e Dordonha. Entre o correr das águas dessa região na margem esquerda do rio Garona é onde se cultiva os vinhos que dão fama ao lugar. No entanto, Saint Emilion e Pomerol caminham na mesma direção; se já não alcançaram.

Saint Emilion. Foto Jaqueline D'Hipólito
Saint Emilion. Foto Jaqueline D’Hipólito

Sai de Madrid de manhã e depois de 9 horas dirigindo, passando pelas mais belas paisagens do País Basco, Pirineus espanhol e francês, cheguei a Saint Emilion, uma das muitas regiões vinícolas da área.

Saint Emilion. Foto Jaqueline D'Hipólito
Saint Emilion. Foto Jaqueline D’Hipólito

A cidade, super pitoresca, batizou o nome de uma das muitas denominações de origem da zona. Poder andar pela  cidade e ver que cada cantinho dela emana essa tradição foi uma experiência singular. Tanto é assim que o comércio local se dedica quase que exclusivamente ao vinho, e nas praças da cidade vendem mudas da variedade da uva Merlot. Levei duas mudas, uma está em Madrid e outra em Nanin, na Galícia. Uma pena que nenhuma das duas regiões têm a terra que tem  ali, nem o clima. Mesmo assim, foi como levar um pedacinho dessa região a minha casa.

Saint Emilion. Foto Jaqueline D'Hipólito
Saint Emilion. Foto Jaqueline D’Hipólito

Provei vinhos excelentes, entre eles o Chateau de Ferrand ano 2005, uma das colheitas mais extraordinárias da região, que comprei uma garrafa e a tomei ano passado, 11 anos mais velho. Esse vinho foi um dos mais especiais que provei na minha vida. A experiência é digna de ser repetida.

Saint Emilion. Foto Jaqueline D'Hipólito
Saint Emilion. Foto Jaqueline D’Hipólito
Chateau Ferrand. Foto Jaqueline D'Hipólito
Chateau Ferrand. Foto Jaqueline D’Hipólito

Outra viagem inesquecível foi quando estive ano passado na Borgonha, a região mais sibarita da França, em que a tradição e a reputação dos vinhos são inigualáveis. Os brancos da região são dominados pela uva Chardonay e os tintos pela uva Pinot Noir, o contraposto da Merlot.

Dijon. Foto Jaqueline D'Hipólito
Dijon. Foto Jaqueline D’Hipólito

Cruzei de carro pela Borgonha afim de conhecer não só a história, mas também de viver uma experiência. E assim foi. Entre Dijon y Baune pude provar os vinhos da zona, suas diferenças, aprender um pouco mais e ver quão linda era essa região no centro da França. E com certeza umas das degustações para ficar na memória foi a que eu fiz no Château de Pommard, com vinhos especiais e únicos.

Chateau Pommard. Foto: Jaqueline D'Hipólito
Chateau Pommard. Foto: Jaqueline D’Hipólito

A Borgonha é mágica. Não tem só beleza, mas também encanto. E com toda certeza sua reputação faz jus ao nome. Produtores do mundo inteiro direcionam sua atenção todos os anos a essa região para aprender o seu segredo, desvendar o mistério do seu vinho. Até na Espanha, muitos projetos bebem da sabedoria borgonhesa.

Borgonha. Foto Jaqueline D'Hipólito
Borgonha. Foto: Jaqueline D’Hipólito

É uma das grandes diferenças entre os vinhos do novo mundo e do velho mundo. A identidade dos vinhos borgonheses ou dos bordelenses não são só as castas, mas também a terra, o clima e a região, que no seu conjunto os franceses chamam de “Terroir”.  É aí, onde os maiores sommeliers do mundo distinguem a sua singularidade.

Borgonha. Foto: Jaqueline D'Hipólito
Borgonha. Foto: Jaqueline D’Hipólito

Ali, uma parcela de vinhas corresponde a uma especificidade cercada por muros invisíveis. Cada parcela é batizada com um nome específico, que remonta as origens topográficas e/ou históricas. Foi com o passar do tempo, que os produtores da região foram aprendendo que cada parcela se podia atribuir características únicas, já que esta parcela não tem nada a ver com o que eles plantaram 15 metros adiante. Por isso, se disse que eles entendem do seu terroir como ninguém. Nem em Bordeaux os produtores são tão caprichosos.

Todo o vinhedo está dividido, com categorias mais diversas, que podem indicar a sua denominação de origem, a cidade, a região, a província ou a vila. No topo de toda essa classificação estão os Grands Crus, ou seja, “la crème de la crème” do vinho!

Dijon. Foto: Jaqueline D'Hipólito
Dijon. Foto: Jaqueline D’Hipólito

Como eu disse, para gostos, sabores… e também para bolsos. Porque convém dizer que a diferença de preço de um Borgonha para um Bordeaux é substancial. Mas continuo enfatizando que ambos são deliciosos: cada um para uma ocasião diferente.

Basicamente o que faz um vinho custar mais que outro sem dúvida é a sua forma de manuseio. No caso da Borgonha joga também a lei de oferta e da procura. Como a uva Pinot Noir é uma uva de difícil cultivo os produtores não plantam muito, senão que cuidam bem de perto aquelas que foram plantadas.

A parte de isso, tanto Bordeaux como Borgonha tem altos padrões  de manejo, muitos deles, quase 100% artesanais, mas nem todos os produtores seguem essa regra. E dai vem um dos porquês que um vinho da mesma região apresenta preços tão diferentes.

Uma dica, na hora de comprar vinho, é perguntar ou pesquisar sobre o processos e o manuseio do vinho. Se ele for caro e o seu manejo é quase inteiramente mecânico, você já sabe que o que você está comprando é a marca ou a estratégia de Marketing. E isso não significa que ele seja ruim. Tem muitos vinhos que mantém processos industriais que são perfeitamente aceitáveis e muito gostosos.

Agora, o exclusivo e feito a mão tem um preço. Principalmente na Europa, que a mão de obra não é barata. A regra se aplica para quase todas Denominações de Origem: RiojasAlvariños, Dão, Chiantis, Brunelos e Barolos.

Dijon. Foto: Jaqueline D'Hipólito
Dijon. Foto: Jaqueline D’Hipólito

E se falamos de França então, você tem ainda oportunidade de conhecer  e se deliciar com vinhos da Alsacia, Côtes du Rhone, Provence…

Próxima parada: Languedoc. Mas esta história fica para uma próxima vez.
Chateau Ferrand. Foto Jaqueline D'Hipólito
Chateau Ferrand. Foto: E.C.
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É possível uma sociedade sem prisão?

 

Jucemara F. R. Anar & Erol Anar

 Sempre falamos a respeito da impossibilidade de  existir uma sociedade civilizada sem prisão.

O sistema colocou a existência das prisões e da polícia dentro da nossa mentalidade, temos internalizada a autoridade policial dentro da nossa cabeça.Na verdade, nosso trabalho é uma prisão, assim como nossos partidos, sindicatos, nossos relacionamentos e até nossa casa é uma prisão. Por causa disso não podemos pensar livremente. Então, mantemos a crença de ser impossível nossa sociedade sem policial e sem prisão. Pensamos ser uma utopia uma sociedade sem essas estruturas, o sistema nos ensinou assim.

Por que não podemos pensar em outra forma de organização?

Porque há milhares de anos a sociedade e os sistemas inseriram essa crença no nosso cérebro e fechamos a porta para os pensamentos inovadores. A nossa capacidade de pensar e criar ficou estagnada, presa dentro do sistema. Por que não alcançamos uma resposta nova?

Na sociedade dos grandes filósofos anarquistas não existe prisão e nem policia.

Uma pessoa comum não pode pensar numa sociedade  organizada assim, acredita que isso seria um grande caos. Posso questionar quem pensa dessa maneira. Vamos perguntar: As prisões e policias cumprem a missão de impedir os crimes? Qual época da história as prisões ficaram vazias?

As leis e o sistema dos direitos não protegem as pessoas, primeiro protegem o sistema e o Estado. Um filósofo anarquista falou o seguinte: ” o policial não protege o povo, protege o estado contra o povo”. De outra perspectiva, analisando a história, na comunidade primitiva não existia policial nem prisões e a humanidade viveu milhares de anos nessa comunidade, sem caos.

Como o filósofo Cropotkin afirmou: “Normalmente as pessoas acham que o policial e o tribunal protegem a ética na sociedade, quando na verdade, apesar deles a ética da sociedade sobrevive. A seguinte frase bonita não é das pessoas que viveram antes de nós: numa sociedade quanto mais  leis existem, mais crimes aumentam na mesma proporção.”[1]

Se as condições das pessoas mudarem para melhor, essas pessoas andam em frente com uma única lei: liberdade, igualdade e irmandade.

O filósofo francês Proudhon afima o seguinte: ” A liberdade é para fazer tudo que não fira aos demais”. [2]

A liberdade verdadeira não é mudança de um governo para outro, de um tirano para outro, a liberdade verdadeira vai existir numa sociedade governada pelo povo, na democracia direta.

Por causa disso estados socialistas caíram, foram abafados. O povo perdeu a fé no sistema, quando aqueles recém saídos das pisões do Czar tomaram o governo, mas enviaram os opositores para a mesma prisão onde estiveram antes. As prisões nunca esvaziaram, mudou o governo mas não a mentalidade. Não podemos criar um sistema novo com instituições nos moldes do governo antigo.

A burocracia degenera a sociedade também.

Em vez disso, temos que criar novas organizações civis, associações e cooperativas, sem policial, onde o povo cuida e se organiza para sua segurança. Em vez da prisão vamos criar instituições de terapia, reabilitação, ajuda psicossocial. Em vez de juízes punitivos, vamos colocar os juízes restauradores, psiquiatras, psicólogos e assistentes sociais, vamos deixar o sistema de punição e colocar o sistema de reabilitação, de reconstrução das pessoas.

A Justiça Restaurativa não é uma ideia nova, há 150 anos anos alguns filósofos anarquistas como o inglês William Godwin, o russo Cropotkin tinham essas sugestões, em vez de tribunal, vamos da punição para a restauração, esse deve ser o estilo de solucionar e resolver problemas.

“A justiça restaurativa traz àqueles prejudicados por crime ou conflito e os responsáveis pelos danos para dialogar, permitindo que todos os afetados por um incidente particular contribuam para reparar o dano e encontrar uma maneira positiva de avançar. Isso faz parte de um campo mais amplo chamado de prática restauradora. A prática restauradora pode ser usada em qualquer lugar para prevenir conflitos, construir relacionamentos e reparar danos ao permitir que as pessoas se comuniquem de forma eficaz e positiva. A prática restaurativa é cada vez mais utilizada nas escolas, nos serviços infantis, nos locais de trabalho, nos hospitais, nas comunidades e no sistema de justiça penal.” [3]

Por exemplo, por que a Holanda e a Suécia estão fechando suas prisões?[4] Enquanto isso, por que na América Latina as prisões encarceram a cada dia um número crescente de pessoas? Por que algumas sociedades conseguiram diminuir a quantidade de prisioneiros enquanto em outras encarceram um número  insustentavelmente elevado?

A resposta esta no sistema econômico, apesar de alguns serem países capitalistas como Finlândia, Suécia, Holanda..existe a presença da restauração social, os desempregados recebem auxílio com gastos pessoais tendo suas necessidades básicas atendidas. Outra coisa, na Finlândia, esses países proporcionam o melhor sistema de educação. Para que uma pessoa irá cometer crime? No sistema deles, não produzem silentes para as prisões. O problema principal é sócio-econômico.

Nos países da America Latina existem  abismos entre classes sociais, a maior parte da sociedade vive perto da fome.

Vamos voltar na ideia de uma sociedade com igualdade, irmandade e liberdade, nessa sociedade sem abismo entre classes não vai existir violência ou crime por causa das classes desatendidas. Claro, alguns crimes ocorrem sem essa motivação, mas em número muito menor daqueles criados pelas injustiças sociais. A Holanda liberou a maconha e algumas drogas, o governo esta controlando esse assunto, o tráfico foi controlado e ao menos, é muito menos problemático que na América do Sul.

Ressaltamos, o resultado não é apenas fruto da liberação, mas dos direitos sociais atendidos e centros de saúde organizados. Essa mentalidade de proibir as coisas para a sociedade jamais resolveu os problemas. Com a liberdade a sociedade precisa aprender a se proteger. Acreditamos que somos sim capazes de nos proteger, através das instituições civis e não através de um Estado controlador e autoritário.

Josiah Warren, considerado primeiro anarquista americano, conseguiu concretizar suas ideias e criou uma comunidade chamada Utopia. A comunidade Utopia se isolou do restante da sociedade americana e ficou independente por mais de 20 anos, não tinha lei, sem prender ninguém, sem policial, nenhuma regra, nada escrito para regular, não tinha líder, nem poder. Durante algumas vezes, fizeram reuniões, nunca fizeram palestras ou algo assim, não precisavam.

Uma mulher participante falava que uma vez falavam um combinado e o resto era ato, não precisavam repetir. Mais do que 100 pessoas viveram ali, existiu até 1960. Até Warren saiu dali para fundar uma outra comunidade, mas essa comunidade continuou por mais um tempo. Essa sociedade demonstrou claramente a possibilidade de existirmos a despeito de líderes, leis ou regras.

De acordo com a notícia publicada no “The Daily Telegraph” em manchetes no Reino Unido, a nova lei terá como principal objetivo  a reabilitação nas prisões. Dentre os objetivos do texto da lei esta proteger as prisões públicas, para converter e reabilitar criminosos. Prisioneiros estão sendo preparados para saírem ao mundo exterior. O ministro da Justiça Truss, alega que o tribunal já puniu os criminosos quando os enviou para a prisão, argumenta que não deve estar outra punição no topo dessa já imposta. [5]

De muitas maneiras, a justiça restaurativa representa uma validação de valores e práticas que eram característicos de muitos grupos indígenas ,” cujas tradições eram  freqüentemente  reprimidas pelas potências coloniais ocidentais “. [6]

Outro exemplo, na Nova Zelândia / Aotearoa, antes do contato europeu, os Maori tinham um sistema bem desenvolvido chamado Utu que protegia os indivíduos, a estabilidade social e a integridade do grupo. [7]

O termo “justiça restaurativa” tem aparecido em fontes escritas desde a primeira metade do século XIX.

O termo “justiça reparadora” foi provavelmente cunhado em 1977 por Albert Eglash. Ele distinguiu entre três abordagens para a justiça:

“Justiça retributiva”, baseado na punição;

“Justiça distributiva”, envolvendo tratamento terapêutico dos Delinquentes;

“A justiça restaurativa”, com base na entrada de restituição com vítimas e agressores.

Por que a nossa sociedade, esta prendendo as pessoas sem diminuir a quantidade de prisioneiros? E ainda vendo esse número aumentar a ponto de abarrotar as celas? Esse sistema não funcionou! E ainda o próprio sistema cria o crime e o criminoso. [8

Podemos perguntar para a sociedade do futuro sem policial e sem prisão,o que acontecerá com quem cometer crime? As instituições irão trabalhar na reabilitação, diminuindo diferenças entre classes com habilidades psicossociais, por fim, caso não exista resultado possível, poderão ser exilados por um tempo, ou se instistentes, para sempre. Por outro lado, terão direito para legítima defesa, ele terá direito de se defender.

A sociedade irá proteger os indivíduos com solidariedade, essa sociedade será organizada e não significará o caos, por falta de prisão e policial.

Em vez de tribunais, nessa sociedade haverá comissões voltadas a transformações psicossocial, com filósofos, psicólogos, assistentes sociais…a consciência irá mudar e nascerá o novo humano.

Segundo Cropotkin as prisões insultam o prisioneiro e acabam de estragar sua personalidade, faz a alma deficiente e elimina forças positivas dentro dele.

O prisioneiro torna-se um ser sutil nas mãos das autoridades, esse sistema de presídios é contra a humanidade. Por um lado punem não só o prisioneiro, mas a família dele, seu amigos, todo o entorno de vivências sociais estabelecidas. O prisioneiro não tem nenhuma função positiva,  não está impedido de cometer um novo crime e não recebe auxílio para modificar sua realidade positivamente. As prisões, na verdade, são escolas do crime, contando  com hierarquia e poder estabelecidos de forma imposta. O melhor caminho é impedir o crime por uma opressão ética, um isolamento ainda mantendo a liberdade. [9]

Michel Foucault, em seu livro “Vigiar e Punir” descreve os processos de disciplinarização em diferentes instituições, demonstrando que a principal característica dessa disciplinarização é a disciplina corporal… É nesse sentido que Foucault aponta a relação triangular existentes entre o poder, o direito e a verdade. Segundo Foucault, os mecanismos do poder em suas estratégias, sutis e gerais, não foram estudados, mas sim, as pessoas que detiveram o poder. Dessa maneira, o autor analisa as formas de poder ao longo dos séculos XVI ao XVIII, preocupando-se em não interpretar o poder como fenômeno concreto e homogêneo de um indivíduo sobre outro – e estabelecendo a existência de práticas e relações de poder, que são o fundamento da sociedade, ainda que o próprio poder não exista. [10]

Todos os dias contam os prisioneiros, o Estado os trata como objeto e almeja domá-los com o poder disciplinar. Vestem-se com roupas de uma cor laranja, uniformizados para se sentirem comum e sem valor, quem vestiu essa roupa sente onde está. Na prisão a cada minuto, tudo funciona para desvalorizar e domar o prisioneiro. O sistema nunca quer ganhar essa pessoa para a sociedade, deseja vingar, punir e mostrá-lo para sociedade o resultado desse mau exemplo.

Pode existir tribunal sem violação. Tolstoi disse que sempre existiram informalmente tribunais, contando com comissões formadas por pessoas de confiança dos conflitantes, para decidirem sobre os conflitos existentes. Segundo Tolstoi não precisamos de violência.

As prisões invisíveis

As prisões não existem para reabilitar os criminosos mas para a vingança do Estado e da sociedade.Na verdade, a sociedade e o Estado sabem a respeito da incompletude da missão de uma prisão decretada, a ideia é frustrada. A prisão é o símbolo e,ao mesmo tempo, uma ameaça para quem ficou fora dela. Envia a mensagem da punição a uma transgressão, a qualquer momento alguém pode ser encarcerado. Na verdade, as prisões existem não apenas fisicamente,  existem as invisíveis dentro do sistema.

Qualquer Lei, Tabu, regra ou tradição pode ser uma prisão. Essas prisões invisíveis nos prendem em celas, com paredes invisíveis.

Quando saímos para a rua, caminhamos a cada 10 metros batendo numa parede invisível determinada pela convivência em sociedade, dentro de um sistema. Essas paredes nos ensinam sutileza, disciplina, medo e obediencia servil. Se não ficarmos fisicamente numa prisão, ainda assim, estamos presos num sistema com leis, tabus, tradições e regras.

Então, a liberdade ainda é uma utopia distante, a qual acreditamos ter, mas essa crença é questionável e, ainda, pagamos um preço para mantê-la. Ao mesmo tempo, precisamos viver, sair desse encarceramento e criar uma forma melhor de conviver.

Segundo Victor Serge, a missão das prisões é criar assassinos e sobrehumanos. Ele afirma ser a única solução, exterminar com as prisões.[11]

Estamos no século XXI e precisamos refletir, com uma mentalidade livre, para desenvolver finalmente a humanidade, com novas perspectivas, novas ideias criativas.

É possível uma sociedade sem prisões, já vimos a sua ineficiencia para impedir crimes com o fato de prendermos os autores e utilizá-los como exemplos. Precisamos construir uma sociedade mais feliz e instalar a igualdade, a irmandade, é preciso solidificar o caminho para isso. Contamos com comunidades produtoras do conhecimento necessário para isso,  anteriores a existência de prisões, basta buscarmos resgatar as experiências construtivas para solucionar nossos conflitos.

Sobre os autores do artigo

Jucemara F. Rodrigues Anar, psicóloga do Tribunal de Justiça do Paraná, psicóloga clínica. Desenvolvendo trabalhos em Justiça Restaurativa, realizando Círculos de Construção da Paz.

Erol Anar, escreveu em diversos jornais, vários artigos foram sobre arte, direitos humanos, literatura e a vida cotidiana. Ainda teve entrevistas veiculadas em jornais de diversos países e tem 15 livros publicados no idioma turco.2 Deles foram traduzidos para português.

Referências
[1]Cropotkin: “A Conquista do Pão (Ekmeǧin Fethi)”, Öteki Yayınları, Birinci Baskı, 2007, Ankara.

[2]P. J. Proudhon: “Os Artigos (Makaleler)”, Çev: M. Tüzel, Birey Yayınları, Birinci Baskı: Temmuz 1992, İstanbul, pp. 16.

[3]”What is restorative justice?”, www.restorativejustice.org.uk

[4]Erwin James: “Why is Sweden closing its prisons?”, Sunday 1 December 2013, https://www.theguardian.com

[5]”Prisons no longer place for punishment, ministers say”, Daily Telegraph, 13 April 2017, www.telegraph.com.uk

[6]Zehr, Howard. Changing Lenses – A New Focus for Crime and Justice. Scottdale PA: 2005, 268–69.

[7]”http://www.justice.govt.nz/publications/publications-archived/2001/he-hinatore-ki-te-ao-maori-a-glimpse-into-the-maori-world/part-1-traditional-maori-concepts/utu”>”Utu”.Ministry of Justice, New Zealand, Retrieved 17 September 2013.

[8]”http://pure.au.dk/portal/files/53264449/Restorative_Justice_and_the_South_African_Truth_and_Reconciliation_Process.pdf”>Restorative Justice and the South African Truth and Reconciliation Process, ”South African Journal of Philosophy” 32(1), 10–35″(PDF). Retrieved 2014-03-01.

[9]Cropotkin, http://nedir.antoloji.com/

[10]”Poder Disciplinar”, https://pt.wikipedia.org/

[11]Victor Serge: “Içeridekiler”, Çeviren: Gülen Aktaş, Ayrıntı Yayınları, 2015, İstanbul.

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Já não vivemos no passado, mas sim no futuro…

 Quantas vezes deixamos de fazer coisas porque não temos tempo?!

Num dia desses em um feriado Madrid despertei com toda calma do mundo e fiz planos para ir ao museu.Como esse feriado apareceu de surpresa na minha agenda, não tinha nada programado e me deixei levar pela calma do dia.

Acordei cedo, li meu livro na cama com meu café, depois tomei meu café da manhã e, finalmente, fiz planos para ir ao museu.

Como a pressa não era a minha companheira pensei em ir de ônibus em vez de pegar o metrô. Geralmente dou um passeio pelo parque do lado da minha casa e ando até uma parada de ônibus um pouco mais longe só para me exercitar um pouco. Trato de observar as crianças, os adultos e os idosos, de ver como cada um desfruta do seu tempo.

Quando cheguei no museu, peguei o mapa e decidi quais as salas eram as mais importantes para mim, qual eu queria passar mais tempo e os quadros que eu queria rever.

O engraçado foi encontrar em todo lugar que eu fui, em todo momento, 90% das pessoas repetindo o mesmo gesto, usando as mesmas ferramentas para fazer exatamente a mesma coisas.

Estamos sucumbidos pela tecnologia: crianças, adultos, idosos, “pós-idosos”. Todos com o celular na mão, todos prontos para não perder um momento que pode ser crucial para eles. Só para mais tarde desfrutar em casa, quando finalmente o momento já passou.

É lamentável, mas assim caminha a humanidade.

Todos aprenderam a tirar fotos e a gravar vídeos, e passam pela vida sem querer perder um momento para recordar… já não se desfruta do momento atual, tudo é feito em vista do futuro.

Temos tantos vídeos e tantas fotos que somos incapazes de rever todas. De finalmente viver o momento que não vivemos porque estávamos muito ocupados fazendo vídeos e tirando fotos.

Antigamente os filósofos diziam que o grande problema das pessoas e o porquê não vivíamos intensamente, era por não passar muito tempo pensando no passado. Hoje eu vejo que as pessoas estão cada vez mais preocupadas no futuro. Queremos paralisar certos momentos para poder revive-los no futuro.

Quando entrei no museu, para rever as obras de pintores que me fascinaram levei uma decepção tão grande com o público. Ninguém mais é capaz de ir no museu e aproveitar o dia, em simplesmente admirar obras e ver de perto a pincelada o traço que tantos anos estudamos e aprendemos. Todos queriam tirar fotos das obras, como se não houvesse fotos suficientes na web, como se as fotos deles fossem melhor que as de um profissional, que das que estão nos livros de arte.

Fotos têm muitas por aí, mas poder ver de perto, ao vivo, e poder estar em contato com artistas que pintaram quadros 5 séculos atrás ainda é privilégio de muito poucos.

Deveríamos proibir o uso do celular em muitas ocasiões.

Deveria haver uma etiqueta, um protocolo para o seu uso.  Já é impossível fazer alguma coisa sem que alguém esteja às voltas com ele. Sinceramente é irritante.

Irritante ver que os teus amigos priorizam o celular, querem conversar com pessoas que não estão com eles no momento, como se fossem mais importante que quem está realmente com você.

Não se trata de demonizar a tecnologia, mas sim de fazer um uso sábio dela.

Estamos perdendo momentos cruciais da nossa vida porque estamos muito ocupados gravando, tirando fotos, respondendo whatsapp, ou verificando no Google se a Traviata foi baseada na obra de Alexander Dumas pai ou Alexander Dumas filho, só para ver quem tem a razão no debate.

Por que fotos?

Estar no museu com tantos vovôs e vovós que repetiam a mesma atitude dos seus filhos, com o celular na mão, me fez pensar: por que essas pessoas tiram fotos dos quadros?

Acaso pensam que amanhã vão desfrutar aquilo que “não” viram hoje. Para uma pessoa de 80/90 anos sinto muito dizer, mas não há muito amanhã para eles… ou começam a desfrutar o momento agora ou vão passar seus últimos anos pensando em rever fotos que nem sabem muito bem porque tiraram.

Não queria ser radical, más seria ótimo que começassem a proibir o uso do celular em muitos lugares, como fazem nos espetáculos ao vivo de teatro, ópera ou balé. Imagina entrar num restaurante e ademais de guardarem o teu casaco, guardam também o teu celular. Você não tem mais remédio que dar atenção às pessoas que estão comendo com você.

Quando saio para jantar com os meus amigos, ou convido eles a minha casa, geralmente brinco quando vejo que alguém está pegando o celular, que os celulares não estavam convidados para a janta. As pessoas riem e guardam em seguida.

Quem sabe essa seja a solução, fazer as pessoas verem que as tecnologias não foram convidadas a nossa vida. Se intrometeram, entraram sem pedir licença e cabe a nós colocar os limites nela.

Se vocês tiverem tempo essa semana de irem ao museu essa semana, tentem fazer o exercício de aproveitar cada minuto. Não viver no passado, nem viver no futuro, mas aproveitar os teus sentidos para desfrutar de uma obra, de uma instalação, de um happening.

Se puderem, deixem o celular em casa, ou apaguem. Curta o momento e, diga a si mesmo, que esse momento é seu e ninguém deve interromper.

Ilustraçao: Ana Matsusaki

Mudanças são possíveis se você as torna possíveis

Quantas vezes você pensou em mudar de vida, em encarar uma nova etapa, largar a família, o marido, o emprego, a cidade, o país e começar de novo.

Você disse que sim já de início ou pensou, pensou, pensou e desistiu?!

Mudanças são complicadas, mesmo quando parece que mal nenhum vai fazer. Pensa numa das mudanças que você fez na sua vida, que hoje parece tão banal, mas que no momento você teve medo.

Por que acontece isso?!

As pessoas são treinadas para ter medo. Desde de criança temos medo, talvez menos medo que agora. Pensa numa criança aprendendo a andar de bicicleta, a dar cambalhotas, a subir na árvore, a nadar. Geralmente eles se lançam, não ficam com medo e se caem, choram um pouco e depois vão e tentam de novo.

Hoje você fala para um adulto aprender a andar de bicicleta e ele morre de medo. E eu pergunto: medo de que??? De cair, de não aprender, de fazer o ridículo???

Outro típico exemplo é quando você bate o carro pela primeira vez, não sabe estacionar, ou tem um acidente. O medo se apossa da gente de tal forma, que em alguns casos passamos tempo sem tirar o carro da garagem, em dirigir, quando todos sabemos que tudo é questão de prática.

O pior é quando teus próprios amigos perdem a confiança em você, e te metem medo de pegar o carro de novo, não querem que você dirija. Por que isso?

O medo é o pior dos tabus para o desenvolvimento do ser humano.

Crescemos, viramos adultos e em vez de enfrentar a vida com coragem, nos escondemos detrás dos padrões estabelecidos para uma vida perfeita. Estudamos, fazemos faculdade, trabalhamos ou prestamos concurso público, buscamos um parceiro, casamos, temos filhos, compramos carro, casa, casa na praia e passamos férias onde todo mundo passa, e todo domingo vamos comer na casa dos pais e, para completar, alguma vez em cinco anos vamos à Europa extravasar em compras.

Se você não tem isso, nem tem perspectiva de ter ou você ainda é jovem ainda ou tá perdido!! Não tem coisa pior que quando você passa dos 30 e todo mundo quer saber se você vai casar, comprar casa, ter filho…

Se você disser que não, prepare-se para um batalhão de argumentos vindo de todo mundo; claro, claro… quem melhor que os seus pais ou os seus amigos para saberem o que mais tem convém?!

Gostaria de saber se todos os casais que eu conheço que fazem isso, quantos são realmente felizes?!

Nada contra esse modo de vida, e se as pessoas estão contentes com ele; adiante!!! Quem sabe os nossos pais, que viveram em tempos tão diferentes e não enfrentaram tantas mudanças de paradigmas como a gente hoje. Ou quem sabe é mais uma desculpa para resignar-se.

Escuto todos os dias as pessoas dizendo que os seus trabalhos não lhes motivam, mas não fazem nada para mudar. Depois de seis anos da empresa não querem sair sem o seu fundo de garantia na mão.

As pessoas estão realmente dispostas a desperdiçar o seu tempo assim?!

A troco de que? De um salário no fim do mês? Passar a semana inteira esperando chegar o fim de semana não é uma forma de viver – é uma forma de malgastar a vida.

O que eu quero dizer é que a vida não tem porque ser aquilo que eu, seus amigos, seus pais ou avós a definem. As escolhas, os gostos, os prazerem são individuais, sobretudo as escolhas.

De repente as pessoas percebem que tomaram a decisão errada, o caminho errado, e pensam que já é muito tarde para voltar. Não é não!!! Tarde é só se você estiver morto. Aí realmente não tem volta atrás.

Mas hoje: hoje você ainda tem tempo. E enquanto você não faz nada, você só está desperdiçando. Você é o protagonista da sua própria história: Se você não decide por ela, ela decidirá por você.

Acho que um dos exemplos de mudança que seguem comigo em minha vida é o da minha avó.

Meu avô morreu em 1997 e desde então minha vó pensou que nunca mais ia conhecer ninguém. Com setenta e muitos anos se apaixonou. Era seu primeiro amor. Se casou com 16 anos e sempre dizia que não sabia o que era sentir isso.

Levou uma vida plasmada nas regras do seu tempo que exigiam-lhe comportamentos e padrões completamente diferente do atual. E ela, melhor que muito jovem que tem por aí, soube se adaptar a essa mudança de paradigma, de costumes e soube buscar a sua felicidade.

Começou viajando por todo Brasil, aproveitando tudo o que podia fazer nesses anos.

Frequentava os bailes da terceira idade e tinha um monte de pretendentes na sua porta. Um dia, quando a estava visitando de passagem pelo Brasil me disse que tinha namorado. E não parou por aí: 6 anos mais jovem que ela.

Muita gente pensou que era muito velha para ter namorado, que o coração não podia resistir, que era complicado nessa idade. Muitos dos seus netos torceram a cara, mas não disseram nada: era a avó, e tinham que respeitá-la.

Dito e feito. Bastou ver a cara de satisfação que tinha ao encontrar aquilo que a fazia feliz que todos aplaudiram o mais novo membro da família. Em pouco tempo, os dois foram morar juntos. E eu passei a ter um “Vôdrasto”.

Minha vó morreu faz um par de anos e fico muito feliz e orgulhosa em ver que foi uma mulher à frente do seu tempo, soube enfrentar preconceitos em prol da sua felicidade.  Hoje quando vejo tanta gente querendo mudar de vida e sem coragem, sempre falo sobre ela, porque de uma forma ou outra ela mudou o destino que os outros traçaram para ela.

Tenho certeza que em algum momento ela vacilou, ficou com medo, teve ciúmes ou até mesmo se arrependeu momentaneamente. Mudanças requerem também muita dose de pragmatismo e cabeça no lugar: saber que nem tudo vai ser um mar de rosas, e que o caminho é longo e muitas vezes duro.

E se não der certo? Eu pergunto sempre, e se der certo?!

Se não der certo você pode simplesmente mudar de novo. A estrada da vida está cheia de bifurcações. Se o caminho não é o certo, vira a direita ou a esquerda. O que você tem a perder?! Já não estava dando certo mesmo!