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Gustav Klimt e a alegoria do Friso de Beethoven

A alegoria criada por Gustav Klimt no Friso de Beethoven, obra inspirada na 9a. Sinfonia, transformou uma simples sala em território sagrado. A busca pela alegria e o amor puro, passa pela fragilidade do ser humano, o mal, a doença e a morte, na poética de Klimt, em ritmo de adagio e allegro.

O bacana de apreciar uma obra de arte como essa, é se transportar no tempo e entender a razão pela qual foi criada. É como capturar a sua alma e viver a emoção do artista!

Homenagem a Beethoven

Quando o austríaco Gustav Klimt criou o Friso diretamente nas paredes da sede da Secessão, em 1902, a finalidade era homenagear o compositor alemão, num evento em que a peça central era uma escultura dedicada a Beethoven feita por Max Klinger, no salão maior do espaço.

A busca do ser humano pela pura felicidade foi a conexão entre arte visual e música, aliada ao poder criativo de Gustav Klimt, artista austríaco que introduziu a fase moderna arte vienense ainda no império.

São três paredes. Imagina-se no dia da abertura a música soava pelas paredes dando vida às ninfas que flutuam num espaço vazio, provavelmente imaginando o adagio. Um espaço livre tão importante quanto a pintura, significando a passagem do tempo. Figuras femininas e etéreas, delicadas aparecem logo em seguida de joelhos, suplicantes.

As súplicas do débil ser humano

Mulheres suplicando a uma figura masculina, a um mito heróico, um cavaleiro com armadura em folhas de ouro, cuja fisionomia foi inspirada nas feições de Gustav Mahler (compositor) e a armadura reproduz a do Arquiduque Segismundo del Tirol, exposta no Museu de História da Arte de Viena.

Esse personagem é resplandecente pelo dourado e algumas pedras semi-preciosas no cabo da espada e no capacete aos pés, representa a mesma humanidade, dotada de espírito e decidida ir em busca da felicidade pela arte.

A parede do meio é inteira pintada e de uma simbologia mitológica extraordinária. São as forças do mal com tons que predominam o escuro. Primeiro as três irmãs GorgonasMedusa, Esteno e Euríale, com cabelos de serpente, terrivelmente sedutoras, mas letais. Acima delas, a doença, loucura e morte, também representadas por figuras de mulheres.

Mitologia

O gorila, personagem central, representa também uma criatura mítica, Tifeu ou Tifão, que na mitologia grega era responsável pela destruição, ventos violentos. Klimt personificou-o como um gorila com os olhos de nácar esbugalhados para o público. Ao lado dele coloca a luxúria, o despudor e gula, representadas também por mulheres, a ruiva, a loira e a obesa.

A dor profunda

A ideia era mostrar nessa alegoria que o cavaleiro dourado teria uma missão quase impossível, considerando que poderia ser seduzido pela beleza e sensualidade, fascínio, e que nem os deuses poderiam superar a força de Tifeu, que estava envolvido pelos espirais de uma serpente e na lateral, ao lado extremo das irmãs Gorgonas, Klimt pintou outra figura de mulher representando a dor aguda, envolta em seu cabelo. Uma cena de desolação ao fundo com as serpentes enrodilhadas.

No final o Éden

No entanto, uma outra vibração harmônica aparece na terceira parede, no canto direito, acima. As ninfas flutuantes aparecem etéreas encontram-se com a música emocional, com a qual emerge a luz. Uma figura feminina parece tocar um instrumento musical. O ouro resplandece.

Allegro ao final

A sinfonia de Beethovem recupera o pulso, a grandiosidade, o allegro vibrante. Consciências são regeneradas e o Ode à Alegria aparece no abraço final do homem e da mulher, o sol e a lua – o Éden – a água em forma de ouro flui em torno do casal, unindo-os fundindo-os em alegria e amor. Fonte: Galeriadeartebarcelona

Se você leitor se envolver nas tramas dessa alegoria de Klimt, certamente, no momento em que estará imaginando-se dentro da sala da Secessão, será conduzido pelas pinceladas do artista, hipnotizado pela música emocional que resplandece com o brilho do dourado.

Pasmem! E pensar que os austríacos da Viena Imperial abominaram o trabalho de Klimt e o consideravam imoral. Um artista de extraordinária capacidade simbólica e  refinado em seu conceito.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Foto Reuters

Por que eu acredito neste país

Acho que muitas pessoas do Brasil estão por fora do que está acontecendo na Espanha. Vou tentar explicar de uma forma resumida os acontecimentos das últimas semanas e porque agora, neste exato momento, estou orgulhosa de ter escolhido este país para viver.

Na última semana, o governo que estava no poder foi condenado pela justiça por um caso de corrupção que incluía quase todos os participantes do governo. A oposição apresentou uma “moção de censura” apoiada pela maioria no parlamento, fazendo que o então presidente Mariano Rajoy fosse deposto. Isso levou a um acordo entre partidos que colocou a Pedro Sanchez como novo presidente.

Basicamente, sexta feira dormi com Mariano presidente e sábado acordei com Pedro. No mesmo sábado, o rei chamou a Pedro, como ato protocolar, para convidá-lo a formar governo. Até ai, todos os movimentos não passaram de politicagem. Válidos e reconhecidos, mas de certa forma, dentro de um marco político esperado.

O que mudou? O governo formado pelo novo presidente.

Quem se lembra quando escrevi um texto sobre a greve do dia 8 de março aqui na Espanha.‘Não gosto do nome feminismo, mas faço greve hoje’. Uma greve, que com o movimento feminista como bandeira, levava a todas as mulheres do país a uma greve geral.

Escutei críticas de todos os lados sobre essa greve. E mesmo eu, reconhecendo que não sou fã do termo feminista, parei e fiz greve. Porque como disse anteriormente, também sou vitima de uma educação machista, que me faz crer que o feminismo é o antônimo de machismo.

E nesse momento escrevi o que eu sentia… mas mesmo assim não significa que não lute pela igualdade de sexos, e que não esteja de acordo com a essência desse movimento. Digamos que hoje já estou até mudando de opinião.

Bom, voltando ao que interessa. Estamos diante de uma nova Espanha, que diante do visto e ocorrido no dia 8 de março, começamos sim uma mudança de paradigma. São 17 ministros que encabeçam o governo de Pedro Sanchez: desse total, 11 são mulheres – 5 são homens, 2 deles homossexuais abertos; Fernando Grande Marlaska e Maxim Huerta, ministro do Interior e da Cultura e Esporte, respectivamente.

Trajetória profissional

Todos eles foram escolhidos devido a sua trajetória profissional, alguns longe da política e outros, mais pertos, mas também muito competentes. Temos um ministro da ciência que é astronauta e engenheiro aeronáutico. Nada melhor que uma pessoa que vem do setor para impulsar de novo a investigação, quesito pelo qual Espanha sempre apostou.

Temos uma ministra da saúde médica que aposta em cheio pela saúde pública universal, que para quem não sabe, Espanha é o país exemplo na Europa em saúde pública.

Uma ministra da economia europeísta e uma das pessoas mais influentes do país na instituição. Economista e advogada, sabe exatamente do que carece o país e tem um grande desafio pela frente.

Um ministro da cultura escritor, uma ministra da educação com três décadas de experiência em políticas educativas. Sim, com um governo que se mostra difícil não crer que esse país tem saída. Quem não acredita no Estado do bem estar deveria vir aqui e ver como são as coisas.

Um Estado do bem estar bem gestionado é possível sim em qualquer país que tem boa vontade e bons governantes. Nem os grandes políticos da oposição se atreveram a criticar os ministros de Sanchez, porque sabem que foram bem eleitos.

Mudança de paradigma

Obviamente estaremos esperando os próximos capítulos da história, porque não basta estar cercado por gente competente, mas sim que lhes deixem atuar. Mas assim mesmo, estou muito orgulhosa das mudanças que vamos vendo: uma mudança de paradigma que por fim começa a dar voz às minorias e começa a acercar os discursos de igualdade: de gênero, de idade, de preferencias sexuais.

Outra mudança importante que aconteceu essa semana. A nova diretora do jornal El País é a jornalista e comentarista, Soledad Gallego Diaz, primeira mulher a alcançar a presidência do jornal, liderado 42 anos pelo sexo masculino. Cita a Soledad não por ser apenas mulher, mas sim por pertencer duplamente às minorias: além de mulher, tem uma idade avançada; 67 anos – idade de se aposentar na Espanha.

O que faz disso ser um marco?

Porque a tendência é despreciar as pessoas mais velhas. Pensamos que já não sabem muito e que não são capazes de se adaptar as mudanças que a sociedade oferece. O fato de uma mulher de 67 anos ser a presidente do jornal de maior calado do país diz muito sobre como temos que encarar a velhice.

Sei que muita gente pode rir de mim porque tenho só 32 anos. E que ficar velho não é fácil, principalmente para aqueles que sempre amaram a juventude. Mas o fato é que Espanha conta com a população mais envelhecida da Europa, e com pessoas que tentam continuar ativas mesmo com o peso da idade e as dores que levam.

Velhice

Todos vamos ficar velhos. Homens ou mulheres, faremos parte desta minoria. E sofreremos os preconceitos dela. De uma minoria que cada dia mais é maioria em todo o mundo e principalmente aqui. Por que não brindar a eles este reconhecimento: velho sim, inútil não. E perdoem-me por utilizar a palavra velho, mas não vejo forma mais gráfica que dizer certas verdades.

Hoje conhecemos tanta gente com idades avançadas que fazem tantas coisas, que não perdem o ritmo apesar da saúde, das dificuldades e dos demais. Por que pensar que eles já não são capazes de fazer nada. Por que ser tao cruéis a pensar que já não podem fazer… pois claro que sim. Temos Soledad e 1001 pessoas a mais para provarem que a idade não é sinônimo de ineficiência, de improdutividade.

Não digo que os idosos devam sair as ruas buscando trabalho quando vocês não querem. Vocês tem mais que direito a vossa aposentadoria. Mas se vocês quiserem fazer outra coisa, não deixem que o mundo diga não. Sejamos todos conscientes que esse dia chegará para todos, ou pelo menos para grande maioria, e por que não, começar a tomar consciência que ficar velho é apenas mais uma etapa da vida, com direito a ser gozada como todas as outras.

Eu acredito na Espanha, porque mudanças estão vindo e muitas mais virão. E estas que eu apresento hoje, são as que eu acredito e abraço na esperança da construção de um mundo melhor.

 

 

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Ouro cintila de novo na sede da Secessão em Viena

Os austríacos decidiram restaurar o brilho da “Belle Époque” e devolver à cúpula da sede do movimento da Secessão em Viena o dourado que cintilou no passado.

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Quem passa pela Friedrichstrasse 12, mal percebe aquele edifício quadrado, com uma bola feita de folhas douradas que cobre parte do telhado, sendo quase esmagado em meio ao tráfego intenso da grande avenida e ainda cheio de tapumes e rede de proteção demonstrando reformas.

Pequena ficou em tamanho diante do crescimento urbano da capital austríaca, o que já foi grandioso no passado( 1897-1920) pela memória que está impregnada nas suas paredes de linhas retas ( projeto assinado Joseph Maria Olbrich/ 1897) e a frase que estimulou  o sentimento de artistas intelectuais pelo novo. Representou o “zeitgeist”( o espírito do tempo).

Pallade Atena

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Certamente por isso que o povo austríaco decidiu devolver a beleza arquitetônica do passado ao espaço físico que confere à antiga sede da Secessão, fazendo doações em dinheiro, de pequenas a grandes somas, para financiar a restauração da construção que tinha como ideal  o Gesamstkunsvert – a obra de arte total. O símbolo do secessionismo vienense é Pallade Atena, nome muito difundido na mitologia grega para criar ambiguidade, difícil de discernir.

Confesso que não esperava visitar Viena este ano. Foi uma decisão de última hora rever o país dos meus ancestrais. Na verdade, o que me estimulou foi a mostra multimídia sobre Gustav Klimt que vi em Roma. Mas ao me deparar com a sede fiquei até um pouco decepcionada, talvez, por perceber a ânsia de um grupo de artistas sensíveis aos acontecimentos históricos, sobretudo guerras e problemas sociais.

À arte a sua liberdade

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A aspiração dos 18 artistas que criaram a Secessão vienense era colocar em cena a obra de arte total, que envolvia moda, arquitetura, jóias, design e objetos. O movimento propunha um novo estilo para o cotidiano,uma reconstrução estilística do universo. “A cada época sua arte, à arte sua liberdade.”

Talvez porque me dei conta que a modernidade urbana esmagou significado da Secessão no que se refere a interferência do espaço físico na paisagem. Mas nada elimina a grandiosidade das ideias que abriga o local.

Freud

Elas permanecem no tempo para lembrar que foi exatamente entre 1895 a 1900, que não somente Klimt e seus amigos artistas estavam engajados em uma nova visão de mundo, mas Sigmund Freud trabalhava na interpretação dos sonhos e da mente humana na sua solidão de pesquisador.

Se você turista chegar lá, vai se deparar com um edifício de linhas retas cheio de tapumes, salvo o dourado da cúpula dedicada ao deus grego Apolo que se destaca e que denuncia, apesar da proposta de mudança na mente dos artistas e intelectuais da época, um quesito do brilho, do divertimento, que representou a cultura da Belle Epoque.

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Tudo quase aconteceu junto entre o final do século XIX e início do século XX. A Secessão, o impressionismo, o surrealismo foram movimentos artísticos decorrentes de um tempo em que as ideias borbulhavam como água fervendo numa chaleira. Um momento de explosão criativa”

Abaporu Tarsila do Amaral. 1928

Saudades do português? Ô

Acabo determinar de ler “Felicidade Crônica” da Martha Medeiros. Um bom manual para quem não tem regras na vida e aceita de bom humor as oportunidades, ocasiões que a vida oferece. Sei que muita gente é fã da Martha – olha só, já falo dela como se fosse íntima minha- e que gosta muito do seu jeito despojado de escrever.

Eu gosto da Marta por tudo isso, mas também porque ela me faz reviver a minha brasilidade. Alguns anos atrás, eu não conhecia a Martha, não sabia nem quem era. Numa viagem que fiz ao Brasil, minha mãe me deixou um livro dela. Acho que se chamava a Montanha Russa. Foi ali que descobri uma certa conexão com ela que acho que vai ser difícil de ser quebrada.

Ler Marta Medeiros fora de Brasil e deleitar-me com os seus textos depois de tanto anos fora é como entrar no túnel do tempo e reviver a minha brasilidade em toda sua essência. Sinto muita falta do meu português, da minha língua, que cada dia vai ficando mais e mais enferrujada na minha cachola.

Idiomaterno

Esqueço das expressões que utilizávamos no dia a dia como “nem que a vaca tussa”, “a cobra vai fumar”, “o bicho vai pegar”, “se correr o bicho pega, se ficar o bicho come”, ou mesmo o nosso “oi” diário. Para quem lê isso e mora no Brasil, tudo que eu escrevo pode não passar de uma baboseira, mas para as pessoas que vivem fora e que cada vez menos utilizam o seu idioma natal, o idiomaterno como dizia o grande Museu da Língua Portuguesa, tudo isso que eu falo tem o maior sentido.

O legal da Martha é justamente isso. Eu não sinto que estou lendo uma literatura antiga, arcaica, super culta ou intelectual. E veja bem, isso não é uma crítica. O legal da Martha é conseguir transformar temas complexos em didáticos e palpáveis para toda uma população.

Falar de inteligência emocional, de livros, de cinema, de filosofia, de viagens com uma linguagem simples é muito mais difícil do que parece. E se ainda por cima, você coloca essa pitada de traquejo, inserindo no contexto essas expressões que a gente gosta de ouvir, que todo mundo se sente identificado com elas e que resumem em poucas palavras todo um pensamento, ai eu lhe outorgo um globo de ouro; um prêmio das letras brasileiras – se é que ele existe-.

Felicidade Crônica

Adorei ler Felicidade Crônica porque a Martha não tem fricote (outra palavra que resgatei dos seus livros). E sem muita lengalenga, balela, enche linguiça, etc. e tal, conseguiu me transportar para o Brasil do fim do século XX e do começo do XXI. O Brasil que eu vivi e que eu me expressava.

Um Brasil rico em ritmo e palavras, cheio de amor e gentileza que por vezes sinto falta aqui. Não me estou queixando, só fazendo um pouco de doce, porque nem doce de leite de minas aqui tem. É pieguice? Eu confesso, é. É saudosismo? Também. Mas fazer o quê?.

Caetano Veloso me entenderia. Só Deus sabe quantas vezes escutei “London London” com lágrima nos olhos. Com vontade de comer pastel e tomar caldo de cana; de escutar bossa nova e comer feijoada, palmito, e pão de queijo. Tudo junto, não tem problema.

13 anos depois aqui estou eu. Também já adaptada na forma que se fala aqui, com sotaque em todas as línguas que eu falo. Brasileira na essência e espanhola de adoção. Tudo bem. Sempre gostei de ser diferente. E não tem problema se a galera já não me considera nem de cá, nem de lá. Nunca gostei de rótulos mesmo. Me enchia o saco na escola. Galera pegando no meu pé.

Ah! Que saber? Até disso sinto saudades. Com limites é claro. Ninguém aguenta ser maltratado, mas uma provocaçãozinha de vez em quando, até que tempera a vida.

Bom, acho que já deu né. To acabando o texto e esgotando os meus recursos. Mas espero que vocês tenham ficado satisfeitos comigo. Mesmo vivendo fora há 13 anos, mesmo utilizando inglês e espanhol 95% do meu tempo, fui capaz de resgatar num cantinho perdido da minha cabecinha e graças ao livro da Martha, todo um tesauro que estava adormecido. Olha só que beleza! Valeu Martha.