con mio amico Chagal

Céu e inferno do surrealista Ismael Nery lembra o Brasil atual

Os limites entre o céu e inferno foram indefinidos na vida de Ismael Nery (1900-1934), artista plástico e poeta, um dos primeiros que transitou pelo surrealismo na arte brasileira. Sua personalidade, que desconhecia as fronteiras entre o tormento e o gozo, lembra muito os tempos conturbados do Brasil atual, nas discussões políticas. 

Ismael debatia-se entre o gozo da liberdade artística e a moral castradora da religião. O artista era um católico fervoroso e ia à missa todos os domingos. Inclusive, uma vez ou outra comungava. Informações retiradas da pesquisa do poeta, Floriano Martins, 

Nery e o amigo, artista Murilo Mendes (comunista), “dois notórios apóstolos do surrealismo no Brasil, não só acreditavam em Deus como iam à missa aos domingos”.

Um mito

Autorretrato 1927

“Vísceras que podem revelar a alma, a cruz que não exclui o gozo, o corpo que procura a alma. A comunhão entre os paradoxos marcou a obra de Ismael Nery, um dos artistas mais singulares da produção moderna brasileira. Habilidoso em conjugar aparentes contrários em sua obra, Nery acreditava que outra suposta oposição aquela que põe vida em terrenos distintos – nem sempre faz sentido”. 

O trecho descrito faz parte do catálogo de uma mostra do artista realizada em 2015, com curadoria de Denise Mattar e Tadeu Chiarelli. ‘Ismael Nery em busca da essência’.

Texto e curadoria maravilhosos!

Psicanálise

O catálogo veio a mim pelas mãos da filha que atua na área de Psicanálise. Ismael Nery é tema de estudos pelos profissionais, que têm interesse e veem em seus trabalhos uma referência de certas teorias. De acordo com os curadores, o artista sempre foi um enigma, que ‘encarava a arte como o meio catalisador através do qual podia expressar suas ideias’.

Para Chiarelli e Denise, não há espaço para que sua obra seja rotulada e encaixada nas classificações habituais. “Nas palavras do poeta Murilo Mendes, seu grande amigo, Nery sempre foi íismaelíssimo'”.

Surrealismo

Sem questionar o olhar dos dois curadores, acho que Ismael Nery namorou com o surrealismo, também transitou no cubismo e foi muito ele mesmo em autorretratos em que se apresentava com suas diversas peles, anjo ou demônio. Também foi singular ao retratar a esposa, a amada Adalgisa, em sua curta vida. Morreu aos 30 anos, de tuberculose fulminante.

A fase mais metafísica e surrealista foi no período em que adoece e descobre a fragilidade de seu corpo, da matéria. Suas obras são visões insólitas de sonho, alternadas com imagens anatômicas de vísceras à mostra.

Adalgisa

Adalgisa era bela. Uma mulher orgulhosa, altiva, inteligente e a relação com Nery foi marcante. Depois de sua morte foi escritora e jornalista combativa. O artista e marido, foi para ela seu mentor e orientador intelectual. “Sempre me encontrei atraída pela sua inteligência”.

O casal promovia e participava de reuniões com intelectuais e artistas em sua casa, de amigos e em bares. Nery era brilhante e sempre dominava os argumentos e foi construindo em torno dele uma espécie de respeito, uma homenagem que o deixou um tanto narcisista.

A família de Ismael Nery teve grande influência em suas obras. A mãe era uma figura trágica, enlouquecida pela morte do marido e um filho. Tinha crises nervosas e se vestia com o habito da Ordem Terceira de San Francisco. Passava a madrugada gritando, escândalo encoberto pela irmã que tocava piano para abafar o som. Pela manhã, às seis horas, as duas saiam para missa e dirigiam-se à igreja em calçadas diferentes.

Adalgisa relatou o comportamento em uma autobiografia A Imaginária, 1959. O seu maior sucesso literário.

Desejos de Amor. 1932

Poesia

O final da vida de Ismael Nery (morreu com 33 anos) foi marcado pela insegurança, fase entre as duas grandes guerras mundiais. Sua poesia era um reflexo desse tempo conturbado e ao mesmo tempo criativa. Apesar de passados quase cem anos de sua morte, o seu legado na poesia é muito atual.

“Se o desenho de Nery surpreende, sua poesia é assustadoramente atual”, afirmam os curadores. Pelos seus versos pode ser possível imaginar Raul Seixas cantando, ou Cassia Eller:

Meu Deus, para que pusestes tantas almas num só corpo?

Neste coro neutro que não representa nada do que sou

Neste corpo que não me permite ser anjo e nem demônio”

Mais interessante ainda é seu testamento escrito em novembro de 1933. São palavras dirigidas a Deus.v Vamos destacar os últimos parágrafos e pelo quais vale lembrar a transcendência do homem pela poesia.

(…) Que é a vontade do povo? Que é o bem geral? Já fizestes, com a ciência que tendes, a psicologia de um chefe?

Por que não acreditar em Deus, quando acreditais até nos regimes políticos? A humanidade, como as plantas, precisa de estrume.

Dos nossos corpos renasceram aqueles corpos gloriosos que encerram as almas dos poetas, aquele de que nós já trazemos o germe.

Tudo foi feito no princípio – porém tudo só existirá realmente em tempos diversos.

Os poetas serão os últimos homens a existir, porque neles é que se manifesta a vocação transcendente do homem.

Todo o homem recita um poema na véspera de sua morte. A humanidade recitará também o seu nas vésperas da sua, pela boca de todos os homens que nesse tempo serão poetas.

 

Testamento completo: Obvious

 

 

 

 

tradução da palavra água em árabe e hebraico

Aravrit é a linguagem que une o árabe e o hebraico

A tipógrafa e designer Liron Lavi Turkenich descobriu que com a metade de uma letra hebraica e  com outra metade de uma letra árabe é possível criar uma nova linguagem, capaz de promover a comunicação entre árabes e judeus. Aravrit é a linguagem da coexistência. 

Aravrit é um sistema de escrita experimental, pelo qual apresenta um conjunto de letras híbridas que combinam dois idiomas diferentes: o árabe e o hebraico. Cada nova letra é composta pela metade superior da letra árabe, com a metade inferior da letra hebraica.

O sistema experimental foi criado com base na vivência da tipógrafa que nasceu em Haifa, uma cidade de Israel, onde o hebreu, o árabe e o inglês se misturam nas falas da população local.

“Eu nunca estudei árabe . No entanto, em algum momento, percebi que estava olhando para o árabe nos sinais como se fosse decoração. Como ornamentos e não como texto que tem um significado. Isso me incomodou.

O fato de que eu estou vivendo com outra língua ao meu redor e nem mesmo percebendo isso. Também verifiquei e vi que quase não há atenção para como esses três scripts são definidos um ao lado do outro. Comecei este projeto para dar ao hebreu e ao árabe o mesmo respeito no sinal”, explicou Liron. Fonte:only good news.

A sua especialização é em hebraico e amárico (etíope). É coordenadora de eventos da ATypI, organizando a conferência anual e partilha regularmente os seus conhecimentos em exposições, palestras e workshops em Israel e em todo o mundo.

Aravrit

“Este sistema de escrita, que chamo de “Aravrit”, tem novas letras”, afirma. Em hebraico, Aravit significa árabe e Ivrit significa hebraico. Aravrit é uma combinação híbrida de ambos os nomes, assim como o sistema de escrita é um híbrido de ambos os scripts.

“Cada letra é composta de uma parte superior de uma letra árabe e uma parte inferior de uma letra hebraica. Se você é um falante de hebraico, você olharia para a parte de baixo e leria, e se você é um falante de árabe, você verá o topo. Cada um lê a linguagem com a qual se sente mais confortável, sem ignorar a outra, que está sempre presente”.

Reconhecimento internacional

Embora ainda não tenha entrado nas placas de rua, entrou nas salas de aula. “Mostrei aos meus alunos”, disse Romy Barda, que ensina árabe em Israel há mais de 20 anos. “e acho que a maioria dos professores de árabe em Israel mostrou isso aos alunos”.

“Então, quando vamos ver Aravrit em espaços públicos?. Enquanto o roteiro híbrido de Turkenich é inovador e simples, ele atinge um nervo político sensível. Segundo o professor de história de Stanford, Thomas Mullaney, que organizou a exposição, a escrita e os tipos de letra sempre foram visceralmente políticos.Fonte: stanfordaily

O projeto de Liron já está sendo apresentado ao presidente de Israel, Rivlin

Mestrado de Marcela

O olhar se amplia quando nos damos a oportunidade de conhecer novos mundos e diferentes cultura. Fiquei sabendo da pesquisa de Liron por intermédio de minha filha, Marcela, responsável pela identidade visual do PanHoramarte. Também em busca pela utilização do Design com fins sociais.

Atuou na Repórter Brasil, no Instituto Paulo Freire, fez programação visual para o Plano Nacional de Educação anterior a Temer, entre outros trabalhos na área. Hoje faz mestrado em Design da Comunicação, na Universidade Lisboa.

“É encantador saber que existe a possibilidade proposta por Liron”, disse ela, depois da aula para mim. “Prova que somos um só povo”.

Um sorriso de esperança

Liron Lavi Turkenich dissemina o sorriso da esperança. Sua mente é a luz que dissemina o conhecimento universal e une a humanidade numa só energia. A linguagem da coexistência é uma prova de que a Torre de Babel é um mero detalhe. Na essência, o homem pode comunicar-se e difundir o amor, solidariedade, por intermédio de suas atitudes e palavras.

“Acredito que Aravrit envia uma mensagem de que ambos estamos aqui, e podemos também reconhecer um ao outro.”

Liron Lavi Turkenich

Entrevista JTA – TEL AVIV

 

 

 

Carimbo do Partido Nazista no Brasil, núcleo de Curitiba

‘Piás de Hitler’

Nada mais oportuno do que ler ‘Piás de Hitler’, de Luiz Ernesto Wanke e Marcos Luiz Wanke, em razão do atual momento no Brasil.”O preço da liberdade é a eterna vigilância”. Trata-se de uma pesquisa sobre a influência do nazismo entre os imigrantes alemães no Paraná, na década de 30. 

Por que oportuno. Por mostrar como os personagens se movimentam nos bastidores e num piscar de olhos, sem que se dê tempo ou conta, uma sociedade inteira fica a mercê de uma situação que não era bem aquela que se pregava anteriormente.

Oportuno também pelo que foi publicado no BemParaná sobre trabalho da pesquisadora Adriana Dias, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), que há 16 anos  mapeia grupos neonazistas que atuam na internet e também no mundo não virtual.

Segundo ela, a região Sul concentra aproximadamente 105 mil neonazistas. Portanto, a pesquisa de Luiz Ernesto focou o movimento nas décadas de 30 e 40, que nos deixou uma herança maldita.

As referências foram os arquivos do DOPS, um pouco das lembranças do autor, revistas e relatos de pessoas, teses acadêmicas, como de Ana Maria Dietrich, da USP, Nazismo Tropical, entre outras fontes. Na introdução, sua esposa, professora de História, Maria Marlene Redkva Wanke, destaca o objetivo.

Advertência

“Pretensiosamente sonho que o livro traga resquícios de prevenção contra os regimes de força e pelo menos, alguma advertência, porque acredito na velha e batida máxima, de que o preço da liberdade é a eterna vigilância”.

Em ‘Piás de Hitler’, Luiz Ernesto mostra o perigo iminente de uma ideologia violenta ser disseminada entre jovens que são estimulados em seus ideais, nem sempre altruístas. O nazismo, por sua vez, era uma ideologia exclusiva dos alemães que pregava a purificação étnica. Também defendia a propriedade privada e empresas alemãs.

No Sul do Brasil a suástica (símbolo nazista) foi visto em muitas situações, até em eventos festivos antes de 1937. A estratégia de Hitler era treinar os jovens imigrantes alemães espalhados nos países da América do Sul.

Arrogância

Os relatos mostram o sonho exacerbado de Hitler. A sua ânsia doentia pelo poder e a lavagem cerebral aplicada nas pessoas, sobretudo à juventude. Os imigrantes alemães jovens eram o seu alvo para aumentar o contigente para a guerra.

Alguns alemãs naturalizados brasileiros em puro delírio e fidelidade ao Führer, enviaram com todo orgulho, filhos para lutar na Segunda Guerra Mundial e os perderam na maioria. Lembro de minha mãe contando sobre professora de costura. “Ôooo… alemã arrogante era a Dona Margarida”, dizia ela.

Contava que a bandeira alemã estava sempre hasteada em sua casa, mesmo quando o governo brasileiro proibiu qualquer manifestação sobre o nazismo.  “Eu morria de medo”, dizia mamãe, que ia aprender a confeccionar sutiãs com Margarida.

“A mulher era tão arrogante que não parava de falar o alemão para todo mundo ouvir. Coitada perdeu o filho na guerra, acho que morreu de desgosto depois que acabou e viu que tudo foi uma mentira”, finalizava.

Alemanha Antártica

“A ideia da ocupação do Sul do Brasil pelos alemães se consolidou em época anterior ao surgimento de Hitler. O conceito da Alemanha Grande, incluindo todos os alemães do mundo, vem desde o século XIX. O escritor Otto Tennenberg defendeu essa tesse no seu livro de 1911, Gross Deustschland. Segund ele, países como o Chile, a Argentina, o Uruguai, o Paraguai, o sul da Bolívia e do Brasil deveriam ser trabalhados como futuros ‘protetorados’ alemães. Previa-se particularmente que o sul do Brasil adotasse o alemão como língua única.”

Os alemães chegaram ao Sul do Brasil, assim como os italianos e outras etnias, depois da abolição dos escravos. A imigração trazia uma mão de obra bem barata para substituir o trabalho servil.

Os chefes nazistas

“No Rio Grande do Sul, o chefe geral era Walter Horning, cuja principal atividade era infiltrar seus agentes nas igrejas, escolas, no campo e no comércio. No Paraná, constaram diversos nomes, mas a chefia coube a Werner Heinrich Wilhelm Hoffmann.

Alguns outros como o braço direito de Werner, Hans Bennevitz, vice-presidente do partido e diretor da Companhia Telefônica do Paraná. Segundo o DOPS, ‘era o mais perigoso agente entre nós'”.

Olhar Crítico

Enfim o livro revela como uma ideologia é disseminada de mansinho dentro de um grupo social, mais especificamente no Paraná entre as décadas de 30 e 40.

Me aproprio da explicação da professora Marlene sobre o regime ditatorial. É como a sociedade das formigas, “cuja rainha exerce o papel centralizador e sua influência se irradia para os grupos especializados. Dentre deles, a individualidade nada representa, porque, a morte de um soldado, por exemplo, é insignificante para comunidade desde que a rainha produza mais indivíduos para substituí-los.

Piá, no Sul do Brasil, é um termo muito empregado e significa guri, menino ou moleque. Regionalmente empregado para designar os jovens germânicos que eram os principais alvos dos nazistas”.

 

O livro está à venda nas livrarias Curitiba, também via internet.

 

 

 

 

Guaxinim. Centro Cultural de Belém, Lisboa - Portugal

Desperdício gera lixo que vira arte

O artista português Bordalo II já gastou 28 toneladas de resíduos desde 2012. Suas obras são uma mistura de crítica social e humor negro. Ele faz parte de um segmento de artistas que transforma o lixo em arte. Obras que chamam a atenção para um problema que o mundo contemporâneo ainda não encontrou a solução definitiva.

É menos lúdico e excêntrico que a paranaense Efigênia Rolim no direcionamento de sua poética artística. 

Enquanto Efigênia inicialmente inspirou-se numa lufada de vento para usar papel de bala e recicláveis na sua criação artística, Bordalo usa seus animais gigantes compostos também por resíduos descartáveis para fazer o observador refletir sobre o destino que estamos dando ao planeta.

O artista diz que não tem nenhum problema em achar matéria prima para confecção. Sabe-se que a quantidade de descartáveis é absurda no cotidiano das pessoas. “O meu bem é o mal do mundo”.

Voo de Efigênia

O que importa é que ambos tratam de uma questão muito séria e atual: o desperdício provocado pelo consumo exagerado de produtos industrializados.

Efigênia foi atraída pelo voo de um papel brilhante de bala, imaginou esse papel reluzindo no espaço transformando-se em flor. Suas obras são feitas dos entulhos jogados pelo homem. Cabeças de bonecas, garrafas, copos e ganham significado lírico, quase infantil pelo mãos e mente da artista. Transforma-os em pássaros, árvores, animais, flores…

Efigênia hoje tem 85 anos e recebeu o título de cidadã honorária do Curitiba. Vive na periferia da cidade com simplicidade.

Bordalo II. foto via internet. Diário de Notícias. Portugal.

Crítica social de Bordalo II

Bordalo vive em Lisboa e é neto de artistas. A sua poética ironiza o comportamento consumista do homem por meio dos animais que ele cria. Suas obras provocam um impacto visual na cena urbana.

«Gosto de trocar os papéis, colocar os animais onde deviam estar as pessoas, fazer delas um terceiro elemento que na verdade somos todos nós.»

São ratos no lugar de homens, para nos fazer pensar qual é a verdadeira praga. São os porcos como símbolo da corrupção e as raposas como ícone da matreirice humana.

O seu primeiro ponto é precisamente o desperdício. Os resíduos que os homens dispensam a uma velocidade alarmante destroem ecossistemas e estão a acelerar a inviabilidade da vida na Terra. Desde que começou a trabalhar com estes materiais, em 2012, já gastou 28 toneladas de resíduos.

«Infelizmente, nunca tenho problemas para arranjar mais lixo. O meu bem é o mal do mundo.» Anda mais em ferros-velhos do que em lixeiras, também tem contactos com autarquias para que lhe entreguem materiais destinados aos aterros. «Além de que a chegada da troika e a introdução das políticas de austeridade levaram ao encerramento de muitas fábricas em Portugal. Esses lugares são inevitavelmente roubados do que é valioso e depois sobra apenas o que ninguém quer. Com o tempo, começam a tornar-se aterros para despejos ilegais. E é nessa imundície que encontro as melhores peças para trabalhar.» Fonte: Notícias Magazine

Ativistas

São os artistas ativistas silenciosos.  O observador que se aproxima de uma obra como a de Bordalo, sempre gigantesca, em paredes de casas, em ruas de grande circulação urbana, vivencia dois tipos de emoções que são antagônicas.

A primeira, à distância, é de encantamento pela magnitude da obra. A segunda, ao se aproximar lentamente, é de assombro e tristeza ao perceber os pedaços enferrujados de carros, torneiras, bocados de uma mangueira, celulares, calculadoras, pedaços de casacos peludos, plástico e mais plásticos….