Casulo - Regina Moura. Ilustração/ Livro  Eu de Versos/Andréa Varela  Leite

Em tempo de transição viva a poesia de Andréa

Em tempo de transição viva a poesia e a arte que transformam o mundo! Viva a poesia de Andréa Varela Leite, escrita, dita e refletida em Eu de Versos.

A publicação é uma obra de arte, refinada, delicada, que convida o leitor a participar do diálogo entre os versos de Andréa e as imagens de Nicole Miescher.  Eu de Versos aflora o “feminino que há em cada uma de nós, mulheres diversas, na inspiração plena de sabermos ousar para alcançarmos voos”, dedica a autora. 

            Grávida de poesia

sonhei tanto com Drummond essa noite

que no ápice de fazermos amor

os olhos espirraram abertos

estava grávida de poesia

foto by Nicole Miescher

 

“Pela poesia e sua arte de torcer, modelar e desenhar palavras vemos o nascimento dos sentidos novos. Pela poesia é possível ouvir a música do silêncio, tocar a pele do mundo e adivinhar improváveis cores, onde talvez pensássemos já lhe saber previsíveis tons”, escreve a psicanalista, Andréia Clara Galvão no prefácio do livro.

                   Candura

o simples

interrompe o silêncio

na candura de sua grandiosa beleza

fincada em profundas raízes sertanejas

foto by Nicole Miescher

                 Meta

ruídos

eu a caminhar

estrada de barro

botas a pular lamaçais da felicidade

cercas de arames farpados

onde as mãos

procuravam levantar seu pontiagudo

e driblar o corpo numa travessia

sem ferir-me

querendo chegar à meta pretendida

foto by Nicole Miescher

            O Instante

capturado pelo belo

o instante me fotografa

no início

não é a origem

é o lugar

um lugar de onde se pode partir e voltar

retirando-se

reinventando outros

sempre uma outra mesma coisa

e bonita de ver

foto by Nicole Miescher

 

Andréa Varela Leite é pedagoga, escritora e poeta potiguar.  Também estuda Psicanálise desde 2008. 

 Além do ‘ser’ artista dos tantos seres de seu mundo plural – “Sou tantas, e quero beber a plenitude da leitura de quem me lê” –  Andréa é gestora e cofundadora da Adic/RN –  Associação para Desenvolvimento de Iniciativas de Cidadania (Adic), que funciona com atividades extra-curriculares para dar apoio ao ensino regular. Um trabalho que promove a educação pela arte.

                 A favela

Aqui na favela

entre um esconderijo e outro

encontro vitórias-régias

e nem precisou ter guerra

a beleza também escoa

no mais profundo buraco

que não a toa

se vê escuridão

bom dia, dona Nenzinha!

o que melhor de hoje lhe aconteceria?

diga-me a melhor resposta

no seu risonho brilho do olhar

 

. Viva a poesia em tempos de transição porque é a poética das palavras que nos afasta desse limbo existencial distorcido pelo mundo ‘de que tudo acontece em tempo real’. De repente não temos mais fronteiras geográficas e nossas identidades estão forjadas num perfil analisado por algoritmos. Nesse universo infinitamente conectado, o bem e o mal travam guerras invisíveis numa outra dimensão da matéria.   O Whatsapp Fakes  University está formando batalhões  ou melhor (de)-formando cidadãos em deprimentes caricaturas imbecilizadas, perigosas, sobretudo inflamadas de ódio. 

Por isso, é preciso viver a poesia em tempos de transição. Poetas, seresteiros, trovadores clamem e declamem novas rimas que suavizem o coração dessa gente sem noção!

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Mas que coisa!

Estava aqui pensando numas coisas, sabe... Vocês não acham que já está mais do que na hora de descoisar essa coisarada toda?

Só coseiem uma coisinha comigo.
Todo mundo foi lá e coisou direitinho, né não? Então, filho de Deus, depois que a coisa tá coisada, não dá pra descoisar.
Ai, sei lá, muita coisa já aconteceu, tem horrores de coisas acontecendo e pior, tô vendo que ainda vem coisa bem grande por aí, viu?!
Até o coiso já descoisou coisando tudo, e ainda tem gente querendo essa coisa toda!

Já dizia Joelma: “Tem coisas na vida que a gente não perde, a gente se livra”.

Quero nem ver quando tiver tudo coisado, aí sim que a gente não descoisa a coisa nunca mais.
De uma coisa temos certeza, já vimos essas coisas acontecerem antes, e sobre isso não temos coisa boa pra contar.
Eu sei minha gente, tem umas coisas que só por Deus né?

Éééh, minha mãe dizia: “Juuu, você vai ver e ouvir coisas nessa vida que nem vai acreditar!”. Pior essas coisas que povo tem feito, mesmo a gente vendo, fica difícil crer!

Ai, desculpa estar coisando tudo isso com vocês, é que tô ficando com medo de algumas coisas.

Que coisa, não?!

Mafalda sempre atual.  Menininha politizada que encanta gerações e gerações…

Tiras fotografadas na mostra O mundo de Mafalda, em 2015 – São Paulo.

Pior essas coisas que povo tem feito, mesmo a gente vendo, fica difícil crer!

*Licença Poética -Licença poética é uma incorreção de linguagem permitida na arte. Em sentido mais amplo, são opiniões, afirmações, teorias e situações que não seriam aceitáveis fora do campo da literatura. 

Que coisa né! É preciso acabar com essa coisarada…

Firelez Baez - Muzidi Calabi Yau Space (ou uma questão  de navegação) 2022. Óleo e acrílico sobre   tela

Arte muda o mundo ao seu redor. “Leite dos Sonhos” as minorias na Bienal de Veneza

“A liberdade que ofereço em cada pintura está no corpo mutável. Ao ter corpos em constante transição, deixa aberto para o espectador mudar as ideias de poder. Nesse processo, você muda o mundo ao seu redor. É aí que a beleza pode ser subversiva". Firelez Baez

A frase da artista dominicana Firelez Baez e sua colorida e esfuziante tela foi uma escolha a propósito a para iniciar o artigo dessa semana. “Leite dos Sonhos”,  tema da Bienal de Veneza que encerra no dia 27, foi uma das mais interessantes e instigantes bienais, das quais participei e me envolvi emocionalmente com as obras. Também totalizou a maior participação de brasileiros dos últimos anos nesse evento de arte internacional e mais antigo do mundo.

O tema nesse biênio em Veneza – Leite dos Sonhos –  foi baseada no título do livro de Leonara Carrington, no qual a artista surrealista descreve um mundo mágico no qual a vida é constantemente reinventada pelo prisma da imaginação e no qual é permitido. Não é mais ou menos esse mundo mágico, utópico, que tentamos trazer para a realidade?

É preciso reinventar-se constantemente, uma afirmação verdadeira. Caso nos acomodemos, a vida nos sacode e somos obrigados fazer inevitavelmente a transformação, ou numa outra situação, quem não gosta de comodismo, pela própria natureza, o (re)inventar-se faz parte de um hábito de vida.  

Instalação do artista argentino Gabriel Chaile, cria espaço em cujos precedentes históricos, epistemológicos indígenas, costumes artesanais se misturam com a vida cotidiana. A característica de sua escultura se refere a uma teoria que define “genealogia da forma”. Criando objetos como panelas, fornos de argila, nos quais o artista estabelece uma relação entre os objetos tradicionais e a nutrição, assim o sustento, a colaboração e as atividades de uma comunidade. Nesse fornos de argilas gigantes estão os componentes de uma família. O forno central configura-se a avó materna.

 

Instalação de Sandra Horra
Instalação de Gabriel Chaile

As obras de Firelez, esculturas, desenhos e instalações,  exploram uma narrativa da diáspora africana. Essa que foi destaque em especial Muzidi Calabi Yau Space (ou uma questão de navegação),  a artista reflete sobre a resistência negra, imaginando novas interpretações e possibilidades de divulgação para as páginas de história sobre o tráfico ultramarino de escravos. Já a artista chilena,  Sandra Vasquez del Horra, que viveu durante a ditadura de Pinochet, no Chile, colocou em destaque a obra “Non passaran los venceremos mi amor” na figura feminina oprimida retratada. 

Belkis Ayón foi uma artista cubana e litógrafa. O seu trabalho foi baseado na religião afro-cubana, combinando o mito de Sikan e as tradições do Abacua, uma sociedade secreta masculina, embora acredite-se que o seu trabalho reflita suas questões pessoais.

Uma das versões do “mito da origem” de Abakuá refere-se a uma princesa chamada Sikán, pertencente à nação Efor, que uma manhã foi ao Rio Oddán para pegar água em uma vasilha e apanhou inadvertidamente um peixe misterioso, que, segundo a tradição, traria paz e prosperidade a quem o tivesse e que produzia um estranho som que representava a voz de um ancestral divinizado, o rei Obón Tanse, que era uma manifestação de Abasí, o Deus Todo-Poderoso. Quando colocou a vasilha com o peixe em sua cabeça, Sikán percebeu o som, a voz sobrenatural (úyo) e, dessa forma, foi a primeira a conhecer o grande segredo, sendo automaticamente consagrada. Com a autorização de Iyamba – o pai de Sikán –, esta é confinada por Nasakó, o bruxo do grupo, em um lugar oculto no bosque, para evitar que divulgasse o segredo entre as nações vizinhas, também interessadas em se apropriar do mesmo. Mas Sikán comentou o segredo com seu amante, o príncipe guerreiro Mokongo, pertencente à tribo vizinha dos Efik, que, então, se apresentou diante dos Efor para reclamar seu direito de compartilhar tal segredo. Sikán foi condenada à morte por traição ao grupo, ao revelar o segredo.

 

Escolhi o vídeo da DW Brasil, empresa de radiodifusão alemã, com site sucursal em nosso país, por sua forma clara em descrever a importância da Bienal de Veneza e no sentido de dar voz à mulher e as causas sociais, dentro de um panorama de mitos e sonhos.

As mulheres tiveram um papel de destaque nessa bienal e foram inclusive premiadas. A eloquência das obras expostas no Arsenale e no Giardino, refletem o nosso mundo em transformação, pós pandemia. 

Quase todas elas deram força às minorias e mitos do passado sustentando o mundo mágico, subjetivo, que a arte alimenta e que consequentemente promove a transformação social.

Como uma militante na luta pela valorização da cultura e da arte para o fortalecimento  de uma nação, celebro a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva como presidente eleito pelo povo. A cultura brasileira agradece aliviada a escolha que teve o aval de mais de 60 milhões de brasileiros que optaram pela democracia. Estaremos sempre atentos e conjugando o verbo esperançar. 

É preciso ter esperança. Mas tem de ser esperança do verbo esperançar.  Por que tem gente que tem esperança do verbo esperar. Esperança do verbo esperar não é esperança, é espera. ‘Ah, eu espero que melhore, que funcione, que resolva’. Já esperançar é ir atrás, é se juntar, é não desistir. É ser capaz de recusar aquilo que apodrece a nossa capacidade de integridade e a nossa fé ativa nas obras. Esperança é a capacidade de olhar e reagir àquilo que parece não ter saída. Por isso, é muito diferente de esperar; temos mesmo é de esperançar”! Paulo Freire.

Entardecer em Ponta Negra, Natal 
/2012 Foto Mari Weigert

Ao Nordeste com carinho

Essa luz rosa que iluminou o entardecer da praia de Ponta Negra, em Natal, ilumina hoje meu coração em agradecimento e orgulho pela lucidez do povo nordestino. Salvaram nossa democracia!

Exatamente há 10 anos captei essas imagens quando fui visitar minha filha que tinha acabado de mudar seu endereço de moradia  de Curitiba para a capital potiguar. Hoje eu também tenho endereço na cidade e parada obrigatória para conviver com minha netinha Gabriela, uma das quatro meninas e  mais os gêmeos, ao todo seis netos que são razão da minha existência.

Essa pequena introdução da vida pessoal  foi contada para demonstrar que meu carinho pelo Nordeste tem raízes , o suficiente para me sentir uma nordestina de coração. E como nordestina/sulista de amor declarado por essas duas regiões lindas do Brasil, também quero expor aqui a minha indignação pelos recados em vídeos e depoimentos por escrito, preconceituosos, que circulam pelas redes sociais. publicados por algumas pessoas que vivem no Sul. 

Além do mais, o que me estimulou a expor minha revolta por essas atitudes insanas foi Paula, minha filha, ao sair em defesa desse povo que nos acolheu com tanto carinho.  Como existe dentro de nós duas, dois sentimentos, o de indignação como nordestina e o de vergonha como sulista,  não nos calamos diante de tamanha truculência, grosseria, que fere a moral e idoneidade do povo nordestino. Não podemos esquecer que preconceito é crime previsto em lei. 

Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. Pena: reclusão de um a três anos e multa.

Talvez um desabafo necessário para liberar o ressentimento que fere e se dar conta do momento perigoso e assustador que estamos vivendo no Brasil. Se qualquer ser vivente que fale a língua portuguesa no mundo ler o Twitter ou Instagram desta semana, assistir os instantâneos em vídeos pós eleições de movimento bolsonarista na ruas, pensará que o Brasil é um grande hospício a céu aberto.

Confesso que me divirto assistindo alguns vídeos bolsonaristas, infelizmente. Quando escrevo infelizmente é porque me dá um misto de dó e raiva desse povo tolo, imbecil, deformado pelo Whatsapp  Fake University, numa graduação que o torna tão incapaz de fazer a verificação da veracidade da notícia. Imediatamente voltam ao aplicativo de mensagens em busca da mentira, que no fundo gostaria que fosse verdade. Pensa o tiozinho pular de alegria e depois chorar porque descobriu que não é verdade que o Xandão foi preso ou que anularam as eleições e. quem ganhou foi o atual presidente, dá dó pela ingenuidade, mas depois dá raiva porque eles continuam como vampiros querendo sangue,  em busca de mais mentiras. Juro que isso é um prato cheio para  um fórum de psicanalistas e passível de tratamento psiquiátrico.  A pandemia, com o isolamento social deve ter afetado a mente desse povo todo.

“Sou nordestina de coração!! Há 11 anos resolvi mudar minha vida com o objetivo de ter MAIS qualidade e aqui estou. Moro na cidade do Natal RN e posso ver o mar todos os dias da minha janela! Vou para praia, me delicio no mar e na areia! Aqui me tornei mãe de uma linda menina potiguar de sangue nordestino nas veias! Aqui meu ofício é próspero e sou muito realizada. Possivelmente construiria tudo isso também morando no Sul, mas fiz minha escolha.

O Brasil está muito dividido e lamento, mas espero o respeito dos meu conterrâneos em relação ao meu povo de coração. Fico envergonhada e peço desculpas por aqueles que não sabem o que dizem quando desrespeitam o nordeste.

Temos muito o que fazer pelo Brasil todo e sim, estou muito preocupada com o que podemos viver pela frente.

Sou a favor da democracia, do respeito ao próximo e jamais poderia torcer por um grupo de pessoas que colocam em risco nossa liberdade de expressão e pedem intervenção militar.

De qualquer forma, tive que engolir 4 anos de um (des)governo. Não havia o que fazer. Apenas viver com isso!

Agora espero de todo coração que o presidente eleito cumpra com suas promessas, sem me iludir com a política!

Espero respeito ao Nordeste. Aqui há pessoas cultas, fortes e alegres!!!

E como diz Vandré…”Somos todos iguais, braços dados ou não!”

Se você não quer vir ao nordeste nunca mais, sem problemas, não fará falta. Aqui o turismo é forte! Agora, que pena, perderá a oportunidade de se deliciar com as maravilhas que temos!

De qualquer forma, que possamos ter amor, que possamos fortalecer esta nação juntos!!!”.  Paula Braga

 

 

Um bate-papo sem compromisso com Paulo, vendedor de coco na praia de Ponta Negra em Natal, Rio Grande do Norte.

 

 

 

 

 

Numa  manhã de praia tudo é possível em areias nordestinas. Até mesmo assistir Eduardo e seus bonecos dançando forró em pleno sol escaldante por alguns minutos. Eduardo é um artista de rua, aliás também de praia e mostra ao turista a tradição dos bonecos, arte popular que se mantém viva no Rio Grande do Norte.