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Lucia Stall distribuiu afetos para cinco meninos de rua e hoje recebe gratidão

O  tempo é de esperançar, segundo Paulo Freire, esperançar é a ESPERANÇA com ação. Também é justo oportuno  homenagear minha amiga Lucia Fernandes Stall, que há 24 anos desenvolve o Contrato (clique aqui). É um projeto social que surgiu das circunstâncias ao transformar a vida de cinco meninos que pediam dinheiro nos semáforos. Hoje os meninos já são homens e ela ainda os acompanha como uma madrinha dando apoio emocional e às vezes financeiro a eles.

Neste final de 2022 recebeu um presente que não tem preço, das muitas manifestações de gratidão de toda a turma. Um singelo áudio de Elias Vieira agradecendo a ela o presente, que foi um pouco de dinheiro que Lucia ofereceu como ‘ajuda de Natal’ a todos. Elias ficou muito grato e disse que iria doar o que recebeu para um parente de sua mulher, que vive em São Paulo e neste momento está passando fome.  

foto 2017 – Meire, Elias, Adilson e Lúcia

Concordam comigo que esse áudio tem valor imensurável?  É prova eloquente que a atenção e o apoio emocional oferecido por Lucia ao longo desses anos, ajudou a formar na personalidade de Elias, a importância do amor ao próximo, a solidariedade e os valores éticos e morais. Elias aprendeu a ‘olhar para o outro’. Essa é a missão do contrato “um olhar para o outro”.

Elias era um dos meninos que Lucia encontrava no semáforo a caminho de seu trabalho pedindo uma moedinha. Hoje, já um homem feito, pai de dois filhos, e chaveiro de profissão. Mas faz diversos ‘bicos’ para dar conta do recado e sustento da família, mulher e os meninos(um recém nascido). Portanto, a vida para ele é de luta diária em busca da subsistência e não hesitou em oferecer o seu presente para o outro que necessitava mais que ele. Uma lição para todos nós, sobretudo num Brasil que precisa olhar para quem tem fome.

Faço questão de frisar bem esse aspecto da história de o Contrato porque acompanho o projeto desde 2006. Não somente a cesta básica mensalmente e o material escolar Lucia que ofereceu a eles nesse acordo, mas também seu apoio e em muitos casos proteção. Como advogada abriu seu escritório para atendê-los em dúvidas, incertezas e dificuldades, que não foram poucas. Sem dúvida, esse gesto afetuoso de atenção ajudou na formação da personalidade de cada um deles.

Não esqueço o dia que Elias, já um rapaz, tinha um pedaço de barbante na mão com alguns nós. Lucia tinha lançado um desafio e a cada um deles deu um pedaço de barbante, meses antes de acabar o ano, e disse que queria ver os meninos praticando boas ações e a cada boa ação deveriam fazer um nó no barbante. Com toda a seriedade Elias me contou que ajudou a uma senhora que precisava ser levada urgente a um hospital.

História

“Era final do ano de 1998, todos os dias eram muito iguais, chovia, o céu ficava cinzento, fazia sol e o céu se ilumi­nava, mas naquela esquina no semáforo do supermercado estavam aqueles meninos, alegres, bonitos nos seus trajes simples, sempre atrás de uma pequena ajuda. “Tia tem uma moedinha?”,  trechos do diário de Lucia publicado no site.

Ilustração por Marcela Weigert. (Um olhar para o outro)

Lucia é advogada e todos os dias fazia o mesmo trajeto para seu escritório. Num determinado semáforo lá estavam eles pedindo alguma coisa para aos motoristas que paravam o fechamento do sinal. Certo dia, ela parou e perguntou seus nomes e assim fez durante vários dias, sempre perguntando sobre a escola. “Agora já es­peravam por mim ansiosos. Talvez a única motorista que fazia a gentileza de baixar o vidro e conversar al­guns segundos com eles. Assim fiquei sabendo o nome de todos os cinco, com quem viviam, onde moravam, onde estudavam “de vez em quando”.

Comecei a achá-los ótimos, espertos, inteligentes e bonitos. Até que o Elias então com 14 anos, me pe­diu um presente porque era seu aniversário, respon­di que deveria me trazer a Certidão de nascimento. Não teve dúvida, no dia seguinte lá estava ele com sua Certidão erguida no alto, na frente do semáforo e recebeu o presente. Neste momento percebi que já éramos amigos, que aqueles meninos precisavam de uma ajuda efetiva.
A primeira questão a considerar é que as crianças, em hipóte­se alguma, devem ser retiradas de seu ambiente familiar. Observar que neste início de história, Lucia resolve estrei­tar os laços de amizade e conversar com eles num ambiente neutro, distante da sua própria família. Os meninos são con­vidados para uma conversa em seu escritório profissional.
“Vocês querem fazer um contrato comigo? Dou uma cesta básica mensalmente para cada um em troca vocês saem da rua, vão à esco­la e apresentam todo mês o boletim com nota e a frequência, dou ainda mais a cesta escola no início e no meio do ano. Aquele que voltar para a rua ou não frequentar a escola sai do acordo. OK? Todos concordaram.

– Ah, tem um negócio, este contrato é sigiloso. Vocês prometem não contarem para os outros meninos, senão vai formar filas na porta do es­critório e não vou conseguir trabalhar mais, e sendo assim babau nosso acordo, sem cesta bá­sica e sem cesta escola, pois não vou ter mais dinheiro para comprar.

Assim, meus novos amigos saíram felizes da vida do escritório.Eram meus filhotes do coração que esta­vam nascendo.”

Assim a grande família de Lúcia foi crescendo e muita história rolou nesses 24 anos de tristezas, alegrias, no entanto, que resultaram muitas e muitas conquistas.

Todos os anos, antes da pandemia, tinha festa de fim de ano com direito a presentes e celebrações. Lucia angariava os presentes com a ajuda de Elair Savinski, sua secretária, entre as amigas e culminava a campanha em festa de confraternização. Muitas reuniões lindas e emocionantes fazem parte da memória dessa grande família. A gratidão por parte deles é imensa, Elias, Marcos Aurélio de LIma (casado, pai de três filhos, trabalha em supermercado), Alex Marcelino ( casado, um filho, trabalha em lanchonete), Leandro Matos de Mello ( casado, pai de cinco filhos trabalha como motorista de ônibus.), Valdinei Felix Ribeiro (casou-se e separou-se, pai de dois filhos) e mais Carla, Luanna e Diego, irmãos de Leandro que também receberam apoio e afeto de Lúcia. Os três últimos têm curso universitário.

A atitude de Lucia foi corajosa, sem dúvida. No seu propósito jamais assumiu o papel de mãe ou responsável pelas crianças que viu crescerem. Todos mantiveram-se em seu núcleo familiar e acolhidos pelas famílias de origem. Quando indagava a ela: Mas até quando você vai oferecer ‘cesta escolar’ e cesta básica? Eles já estão com filhos?

Lucia sempre me respondeu que um projeto social para dar certo e alcançar a transformação é necessário que se estenda o acompanhamento até a segunda geração.

Um Feliz Natal a todos e todas!

Para recordar um pouco:

 

 

 

 

 

 

Cúpula nazista do Rio Grande do Sul. Imagens do livro Piás de Hitler.

Herdeiros dos “Piás de Hitler”

"Piás de Hitler" é um livro que faz o leitor entender os porquês das manifestações de extrema-direita estarem localizadas mais no Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.

 O autores, Luiz Ernesto Wanke (1933- 2019) e seu filho Marcos Luiz Wanke, fizeram uma minuciosa pesquisa sobre como o movimento nazista começou a fazer adeptos em território brasileiro. Um impressionante e assustador plano estratégico  foi colocado em prática por Hitler, depois da Primeira Guerra Mundial, durante a década de 30,  para fundar na América uma Nova Alemanha.  Isso tudo, com o aval do governo brasileiro, na ditadura de Vargas.

O leitor, na medida em que for virando as páginas do livro, vai visualizar no passado algo semelhante a fatos ocorridos no presente, nas posições de preconceito, misoginia, racismo, homofobia.

 

PIá é um termo muito utilizado no Sul para denominar guri, menino ou moleque. Na década de 30 o principal alvo de Hitler na América do Sul eram os jovens e o Partido Nazista criou organizações – as Auslandsorganisation – no Brasil, Argentina, Chile, Paraguai, Peru e Bolívia. O partido criou a  “Juventude de Hitler” – jovens alemães e descendentes  vivendo no Brasil, que receberam formação ideológica do Partido Nazista, por intermédio de filmes, jornais, programas de rádio, cujo acesso era permitido pelo governo brasileiro até o final dos anos 30. 

Os Piás de Hitler cita os nomes de alguns personagens que foram fundamentais na organização do Nazismo. Mostra também como se movimentam nos bastidores e num piscar de olhos, sem que se dê tempo ou conta, uma sociedade inteira fica a mercê de uma situação que não era bem aquela que se pregava anteriormente. 

 

“O nomes verdadeiros que não podem ser omitidos e aqui são citados foram extraídos de um suporte documental devidamente registrado, o que assegura que as informações norteiam-se pela bússola do reconhecimento da verdade que a História ainda não registou, mas que os documentos podem esclarecer. Impõe-se trazer à luz que existiram comunidades de origem alemã, em sua grande maioria (aproximadamente 95%), na verdade que não participaram do grupo nazista, mesmo alguns cujo sobrenome se identifica com outros que lideravam o movimento ideológico (..)” , trecho da introdução.

Pretensiosamente sonho que o livro traga resquícios de prevenção contra os regimes de força e pelo menos, alguma advertência, porque acredito na velha e batida máxima, de que o preço da liberdade é a eterna vigilância”“. escreve Luiz Ernesto Wanke, isso em 2013. Ele faleceu em 2019. Mal sabia que ainda as sementes do nazismo permanecem em nossa sociedade.

Em ‘Piás de Hitler’, Luiz Ernesto mostra o perigo iminente de uma ideologia violenta ser disseminada entre jovens que são estimulados em seus ideais, nem sempre altruístas. O nazismo, por sua vez, era uma ideologia exclusiva dos alemães que pregava a purificação étnica. Também defendia a propriedade privada e empresas alemãs.

No Sul do Brasil a suástica (símbolo nazista) foi visto em muitas situações, até em eventos festivos antes de 1937. A estratégia de Hitler era treinar os jovens imigrantes alemães espalhados nos países da América do Sul.”

Entrevista com Michel Gherman feita pelo Instituto do Conhecimento Liberta, con Eduardo Moreira, que analisa  o crescimento do neonazismo no Brasil. Gherman é professor acadêmico do Instituto Brasil Israel, professor de Sociologia da UFRJ.  

Banda de Pífanos do Sertão, J.Borges Imagem Instagram

Cultura brasileira estará na festa da alegria na posse de Lula

A frase acima, no título, pode ser uma pergunta ou uma afirmação. Deixei em aberto para provocar reflexão, sobretudo na proximidade da festa de posse do presidente eleito Luis Inácio Lula da Silva.

O tema surgiu quando comecei a acompanhar as informações de como será a posse e o convite feito a celebridades para promover uma festa com o foco na ‘alegria’. Quem está organizando os detalhes do evento é Janja, nossa futura primeira-dama. Questionei no grupo executivo dos Estados Gerais da Cultura, ao qual pertenço e foi criado para contestar o desmanche feito pelo governo de Jair Bolsonaro na área  cultural do país, sobre a não presença de artistas, músicos, com pouca visibilidade, porém talentosos e que representam a nossa cultura genuína e vi uma relação de celebridades na lista.  Citei o Dandô, Circuito Dércio Marques, os Barbatuques, entre outros. 

É preciso muita atenção neste novo momento do Brasil. Será um período de reconstrução e melhor que isso, com base em realizações do passado será possível aprimorar os projetos que deram certo. A Lei Rouanet é muito importante para o incentivo à cultura, no entanto, é preciso que se aprimore e que ela retome a sua função original, que foi totalmente distorcida pelo governo de Bolsonaro. 

Os artistas são também unânimes em defender a Lei Aldir Blanc que amparou o segmento artístico em todos os níveis durante a pandemia  e prorrogada, depois promulgada em julho de 2022, como resultado de um esforço conjunto de artistas e produtores, intelectuais e políticos ligados ao setor cultural.

 

Finalmente uma luz no fundo do túnel e podemos agora esperançar. Em minha mente, como num filme, repassa toda a luta e manifestos durante esses últimos três anos denunciando os absurdos cometidos contra a identidade do povo brasileiro. Criaram-se movimentos de protestos como os Estados Gerais da Cultura e o SOS Cultura.  Ambos lutaram e lutam pela retomada do Ministério da Cultura (MinC) e por um Brasil mais justo socialmente.  Manifesto publicado em janeiro de 2021, pela Associação de Funcionários do MinC.

“Um país que deixa de valorizar sua cultura perde a sua identidade. Ele se torna um país sem testemunho na história da humanidade. Voltemos nosso olhar para trás no tempo: a palavra “colere”, origem do termo “cultura”, já possui um sentido poético, de cultivar, colher, abarcar experiências do indivíduo, de um grupo social, de uma etnia, nas suas diversas manifestações, sejam elas espirituais, artísticas, ambientais ou sociais.

Nesse universo de saberes, um dos principais vieses da cultura é a arte, e é pela arte, a cada momento, que nos tornamos mais sensíveis para captar a beleza do mundo e de seus significados.

Por isso, é preciso entender que a cultura é protagonista, e não coadjuvante!

Ela é o espaço do diálogo, da construção e das ideias. Une pessoas; fortalece a identidade de uma nação; agrega valor econômico e sentido social. Uma sociedade forte é reconhecida pelos princípios de um ESTADO amplo e sustentável, e suas ações políticas têm a marca indelével de seus valores e tradições culturais.

O setor cultural é considerado estratégico para a economia em diversos países do mundo, pois gera empregos e impacto tributário. Os dados mais atuais mostram que as atividades culturais e criativas empregam no Brasil, somente em empregos formais, mais de um milhão de pessoas. Esse número, comparado ao de 2018, mostra um decréscimo assustador, mesmo que indiretamente. O Brasil, há pouco mais de dois anos, ocupava cerca de cinco milhões de pessoas no setor cultural, entre empregos formais e informais, o que representa 6% dos empregos gerados em território brasileiro. Os dados são da Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílios Contínua (PNAD contínua) e foram publicados no El País, em dezembro de 2019.

As atividades culturais e artísticas estão ameaçadas de desaparecer nos próximos anos, por falta de investimentos e de projetos para o setor. É urgente o resgate do Ministério da Cultura, com funções de ESTADO, seguindo as mesmas prerrogativas de órgãos como a Polícia Federal, a Receita Federal e o Ministério Público. A recriação do MinC irá garantir que toda a engrenagem do setor cultural volte a funcionar normalmente, com as suas instituições vinculadas e fortalecidas em suas políticas. Foram construídos, ao longo dos anos, a fim de reforçar os conteúdos do nosso patrimônio cultural e artístico: Iphan; Funarte; Ibram; FBN; FCRB; ANCINE; vinte e sete museus; vinte e sete superintendências; vinte e quatro espaços culturais; acervo literário; e centros de pesquisa.

Agora – e como nunca antes imaginado –, a música, a literatura, o cinema, as atividades artísticas e criativas estão sendo fundamentais para tornar mais lúdicos e prazerosos estes momentos tão difíceis de isolamento social em nossas casas, em função da pandemia.

Por essas e por outras questões, a cultura precisa estar pautada nas prioridades do governo; entre as ações mais importantes, deve-se retomar a discussão de um novo Plano Nacional de Cultura e realizar a efetiva implantação de um Sistema Nacional de Cultura. Não podemos retroceder e desconstruir tudo que está feito. Estamos no limiar de um novo ano que se apresenta desafiador, em razão do pós-pandemia; faz-se necessário manter, em 2021, o apoio emergencial aos profissionais que atuam no setor cultural, assim como garantir a manutenção das instituições e dos espaços culturais que tiveram as suas atividades interrompidas por força da pandemia. Precisamos de cultura, sim, e vamos lutar por ela!

A cultura é a memória afetiva dentro de cada um de nós; por meio da arte, a cultura atinge aquele universo onírico que nos remete a momentos importantes em nossas vidas. Todos nós, se vasculharmos o passado, vamos encontrar uma narrativa poética que envolve cultura e arte em nossas emoções cotidianas. PRECISAMOS DE CULTURA PARA CONSTRUIR UM MUNDO MELHOR! “

Entrevista pelo site Uol que recebe o ex-ministro da Cultura Juca Ferreira. A entrevista é conduzida por Leonardo Sakamoto e pelos colunistas do UOL Maurício Stycer e Tales Faria.

Carta de Princípios do coletivo Estados Gerais da Cultura

Uma elite gananciosa que quer tudo para ela e nada para o povo. O povo vive mal, frequenta um SUS fragilizado há anos e escolas ineficientes, fruto do congelamento de investimentos públicos. A arte, a cultura e a ciência estão condenadas pela censura econômica e política e por uma doutrina terraplanista.

Volta Galileu e vem educar esta gente!

O gesto de extinguir o Ministério da Cultura representa a tentativa de destruir nossa superestrutura cultural e ideológica para fragilizar-nos como nação. Um país não se limita às suas fronteiras físicas e geográficas. Ele é composto pelas línguas que abriga, pelos hábitos, costumes culturais, por suas tradicionais, crenças, conhecimentos.

Somos milhões de trabalhadores da cultura paralisados, dispersos ou desempregados. O governo flerta com o totalitarismo e nos intimida com o poder miliciano.

Estamos vivendo uma das maiores crises sanitárias de todos os tempos. Pandemia trágica para milhares de famílias brasileiras, em especial para as mais humildes, completamente abandonadas pelo poder central.

Recolhidos em nossas casas, velhos e novos filmes, músicas e atividades artísticas nos fazem companhia nessa solidão imposta pela pandemia. Nesse momento, as pessoas percebem a importância da arte em suas vidas.

Queremos um mundo em que o Estado seja voltado para o bem-estar de seus cidadãos e cidadãs, ou que seja voltado para facilitar a acumulação de bens de uns poucos milionários? Qual será nossa relação com a natureza, convívio harmônico ou de desenvolvimento predatório como tem sido até agora?

O futuro é nosso, cabe a nós decidirmos

‘Estados Gerais da Cultura’,movimento coletivo, autônomo e independente, existe para ajudar a construir o nosso futuro; sermos os verdadeiros protagonistas da nossa História.

Que futuro queremos no mundo que emergirá do pós-pandemia? Um mundo solidário em que a centralidade seja o ser humano e a natureza ou continuaremos reféns do cassino financeiro? A reconstrução do Ministério da Cultura é apenas um primeiro passo necessário para o restabelecimento da nossa unidade como agentes culturais.

Hoje,vivemos todos intimidados assistindo ao desmantelamento da Cinemateca Brasileira, matriz da memória imagética do país; desmantelamento da Casa de Rui Barbosa, importante centro de documentação, pesquisas, reflexão e documentação; intervenção no IPHAN permitindo a degradação do nosso patrimônio arquitetônico a serviço da especulação imobiliária; o silenciamento da FUNARTE e das suas atividades ligadas às artes plásticas, dança, fotografia; e a Ancine, com o sequestro do FSA-Fundo Setorial do Audiovisual, deixando a atividade quase que totalmente paralisada.

Hoje, somos milhões de trabalhadores desempregados num setor que gera arte, cultura e entretenimento, além de dividendos para o país. O Ministério da Economia é incapaz de enxergar a indústria criativa como um setor altamente rentável, que gera recursos e prestígio internacional para o Brasil, através da presença em premiações, mostras, festivais, encontros e congressos.

A reconstituição do Ministério da Cultura como Organismo de Estado, independente da ingerência de governos, é URGENTE e NECESSÁRIA. Muitos nos perguntam como isso será possível diante de um governo como o que temos. Qual a possibilidade concreta de sairmos vitoriosos neste embate?

Respondo: homenageando Therezinha Zerbini e dizendo que lutaremos com a mesma humildade e tenacidade que a levaram à luta pela Anistia no auge da ditadura, ou a lucidez que levou o jovem deputado Dante de Oliveira a lutar pelas Diretas Já.

Somos artistas, sabemos fazer arte e nos comunicar com o público. Essa é nossa especialidade. Cada um da sua forma, com a técnica e a estética que tiver à mão, saberá falar da importância da nossa luta: fazendo teatro na rua ou na rede, filmes que viralizam nas mídias eletrônicas; grafitando, se apresentando nos metrôs,  nas comunidades ou onde for, combateremos a política de terra arrasada e começaremos a construir um mundo novo.

A reforma trabalhista, que nos prometia milhões de empregos e gerou milhões de desempregados, além do enfraquecimento dos sindicatos e da perda dos direitos dos trabalhadores, o enfraquecimento da previdência. Só cortaram direitos dos mais pobres, preservaram os privilégios dos mais ricos, o que nos leva a temer pelo nosso futuro.

Pensemos no ano de 2022, não pelo processo eleitoral que vai se estabelecer, mas pela comemoração do bicentenário da Independência, pelo centenário da Exposição Universal e pelo centenário da Semana de Arte Moderna que projetaram o Brasil no século XX.

Nós, trabalhadores da Arte e da Cultura, juntos com historiadores, sociólogos, geógrafos, sindicalistas, militantes comunitários, de gênero, e de quem mais quiser tomar seus destinos nas próprias mãos será bem vindo.

Portanto, conclamamos a todos: com arte, ciência e paciência, mudemos o mundo.

A convocação do Estados Gerais da Cultura tem como objetivo colocar na mesma sala, de forma espontânea, pessoas das mais diversas áreas de atuação do conhecimento interessadas no avanço rumo a um futuro de bem- estar social para todos, tendo como alavanca a ação artística e cultural.

Sim, convocamos a todos para ser protagonistas da nossa própria História, através de filme, peças de teatros, esquetes, lives, virais, memes, músicas, grafites, proteção dos nossos biomas. Tudo o que as ferramentas tecnológicas nos permitem utilizaremos como instrumento de conscientização, luta e fortalecimento respeitando as nossas tradições e nosso patrimônio étnico-cultural.

Como disse o jornalista italiano Walter Veltrone, o passado é confortável, mas o único lugar que nos abrigará é o futuro. Assim, que o façamos justo e prazeroso para todos. Com arte, ciência e paciência construiremos um mundo melhor.” Texto Silvio Tendler e o coletivo Estados Gerais da Cultura.

Estamos conjugando hoje o verbo esperançar e apostando num novo tempo. Fica aqui o recado aos novos representantes oficiais da área cultural: estaremos sempre atentos, mesmo cientes das dificuldades que serão enfrentadas para reconstrução. Mas ninguém solta a mão de ninguém!

Casulo - Regina Moura. Ilustração/ Livro  Eu de Versos/Andréa Varela  Leite

Em tempo de transição viva a poesia de Andréa

Em tempo de transição viva a poesia e a arte que transformam o mundo! Viva a poesia de Andréa Varela Leite, escrita, dita e refletida em Eu de Versos.

A publicação é uma obra de arte, refinada, delicada, que convida o leitor a participar do diálogo entre os versos de Andréa e as imagens de Nicole Miescher.  Eu de Versos aflora o “feminino que há em cada uma de nós, mulheres diversas, na inspiração plena de sabermos ousar para alcançarmos voos”, dedica a autora. 

            Grávida de poesia

sonhei tanto com Drummond essa noite

que no ápice de fazermos amor

os olhos espirraram abertos

estava grávida de poesia

foto by Nicole Miescher

 

“Pela poesia e sua arte de torcer, modelar e desenhar palavras vemos o nascimento dos sentidos novos. Pela poesia é possível ouvir a música do silêncio, tocar a pele do mundo e adivinhar improváveis cores, onde talvez pensássemos já lhe saber previsíveis tons”, escreve a psicanalista, Andréia Clara Galvão no prefácio do livro.

                   Candura

o simples

interrompe o silêncio

na candura de sua grandiosa beleza

fincada em profundas raízes sertanejas

foto by Nicole Miescher

                 Meta

ruídos

eu a caminhar

estrada de barro

botas a pular lamaçais da felicidade

cercas de arames farpados

onde as mãos

procuravam levantar seu pontiagudo

e driblar o corpo numa travessia

sem ferir-me

querendo chegar à meta pretendida

foto by Nicole Miescher

            O Instante

capturado pelo belo

o instante me fotografa

no início

não é a origem

é o lugar

um lugar de onde se pode partir e voltar

retirando-se

reinventando outros

sempre uma outra mesma coisa

e bonita de ver

foto by Nicole Miescher

 

Andréa Varela Leite é pedagoga, escritora e poeta potiguar.  Também estuda Psicanálise desde 2008. 

 Além do ‘ser’ artista dos tantos seres de seu mundo plural – “Sou tantas, e quero beber a plenitude da leitura de quem me lê” –  Andréa é gestora e cofundadora da Adic/RN –  Associação para Desenvolvimento de Iniciativas de Cidadania (Adic), que funciona com atividades extra-curriculares para dar apoio ao ensino regular. Um trabalho que promove a educação pela arte.

                 A favela

Aqui na favela

entre um esconderijo e outro

encontro vitórias-régias

e nem precisou ter guerra

a beleza também escoa

no mais profundo buraco

que não a toa

se vê escuridão

bom dia, dona Nenzinha!

o que melhor de hoje lhe aconteceria?

diga-me a melhor resposta

no seu risonho brilho do olhar

 

. Viva a poesia em tempos de transição porque é a poética das palavras que nos afasta desse limbo existencial distorcido pelo mundo ‘de que tudo acontece em tempo real’. De repente não temos mais fronteiras geográficas e nossas identidades estão forjadas num perfil analisado por algoritmos. Nesse universo infinitamente conectado, o bem e o mal travam guerras invisíveis numa outra dimensão da matéria.   O Whatsapp Fakes  University está formando batalhões  ou melhor (de)-formando cidadãos em deprimentes caricaturas imbecilizadas, perigosas, sobretudo inflamadas de ódio. 

Por isso, é preciso viver a poesia em tempos de transição. Poetas, seresteiros, trovadores clamem e declamem novas rimas que suavizem o coração dessa gente sem noção!