Firelez Baez - Muzidi Calabi Yau Space (ou uma questão  de navegação) 2022. Óleo e acrílico sobre   tela

Arte muda o mundo ao seu redor. “Leite dos Sonhos” as minorias na Bienal de Veneza

“A liberdade que ofereço em cada pintura está no corpo mutável. Ao ter corpos em constante transição, deixa aberto para o espectador mudar as ideias de poder. Nesse processo, você muda o mundo ao seu redor. É aí que a beleza pode ser subversiva". Firelez Baez

A frase da artista dominicana Firelez Baez e sua colorida e esfuziante tela foi uma escolha a propósito a para iniciar o artigo dessa semana. “Leite dos Sonhos”,  tema da Bienal de Veneza que encerra no dia 27, foi uma das mais interessantes e instigantes bienais, das quais participei e me envolvi emocionalmente com as obras. Também totalizou a maior participação de brasileiros dos últimos anos nesse evento de arte internacional e mais antigo do mundo.

O tema nesse biênio em Veneza – Leite dos Sonhos –  foi baseada no título do livro de Leonara Carrington, no qual a artista surrealista descreve um mundo mágico no qual a vida é constantemente reinventada pelo prisma da imaginação e no qual é permitido. Não é mais ou menos esse mundo mágico, utópico, que tentamos trazer para a realidade?

É preciso reinventar-se constantemente, uma afirmação verdadeira. Caso nos acomodemos, a vida nos sacode e somos obrigados fazer inevitavelmente a transformação, ou numa outra situação, quem não gosta de comodismo, pela própria natureza, o (re)inventar-se faz parte de um hábito de vida.  

Instalação do artista argentino Gabriel Chaile, cria espaço em cujos precedentes históricos, epistemológicos indígenas, costumes artesanais se misturam com a vida cotidiana. A característica de sua escultura se refere a uma teoria que define “genealogia da forma”. Criando objetos como panelas, fornos de argila, nos quais o artista estabelece uma relação entre os objetos tradicionais e a nutrição, assim o sustento, a colaboração e as atividades de uma comunidade. Nesse fornos de argilas gigantes estão os componentes de uma família. O forno central configura-se a avó materna.

 

Instalação de Sandra Horra
Instalação de Gabriel Chaile

As obras de Firelez, esculturas, desenhos e instalações,  exploram uma narrativa da diáspora africana. Essa que foi destaque em especial Muzidi Calabi Yau Space (ou uma questão de navegação),  a artista reflete sobre a resistência negra, imaginando novas interpretações e possibilidades de divulgação para as páginas de história sobre o tráfico ultramarino de escravos. Já a artista chilena,  Sandra Vasquez del Horra, que viveu durante a ditadura de Pinochet, no Chile, colocou em destaque a obra “Non passaran los venceremos mi amor” na figura feminina oprimida retratada. 

Belkis Ayón foi uma artista cubana e litógrafa. O seu trabalho foi baseado na religião afro-cubana, combinando o mito de Sikan e as tradições do Abacua, uma sociedade secreta masculina, embora acredite-se que o seu trabalho reflita suas questões pessoais.

Uma das versões do “mito da origem” de Abakuá refere-se a uma princesa chamada Sikán, pertencente à nação Efor, que uma manhã foi ao Rio Oddán para pegar água em uma vasilha e apanhou inadvertidamente um peixe misterioso, que, segundo a tradição, traria paz e prosperidade a quem o tivesse e que produzia um estranho som que representava a voz de um ancestral divinizado, o rei Obón Tanse, que era uma manifestação de Abasí, o Deus Todo-Poderoso. Quando colocou a vasilha com o peixe em sua cabeça, Sikán percebeu o som, a voz sobrenatural (úyo) e, dessa forma, foi a primeira a conhecer o grande segredo, sendo automaticamente consagrada. Com a autorização de Iyamba – o pai de Sikán –, esta é confinada por Nasakó, o bruxo do grupo, em um lugar oculto no bosque, para evitar que divulgasse o segredo entre as nações vizinhas, também interessadas em se apropriar do mesmo. Mas Sikán comentou o segredo com seu amante, o príncipe guerreiro Mokongo, pertencente à tribo vizinha dos Efik, que, então, se apresentou diante dos Efor para reclamar seu direito de compartilhar tal segredo. Sikán foi condenada à morte por traição ao grupo, ao revelar o segredo.

 

Escolhi o vídeo da DW Brasil, empresa de radiodifusão alemã, com site sucursal em nosso país, por sua forma clara em descrever a importância da Bienal de Veneza e no sentido de dar voz à mulher e as causas sociais, dentro de um panorama de mitos e sonhos.

As mulheres tiveram um papel de destaque nessa bienal e foram inclusive premiadas. A eloquência das obras expostas no Arsenale e no Giardino, refletem o nosso mundo em transformação, pós pandemia. 

Quase todas elas deram força às minorias e mitos do passado sustentando o mundo mágico, subjetivo, que a arte alimenta e que consequentemente promove a transformação social.

Como uma militante na luta pela valorização da cultura e da arte para o fortalecimento  de uma nação, celebro a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva como presidente eleito pelo povo. A cultura brasileira agradece aliviada a escolha que teve o aval de mais de 60 milhões de brasileiros que optaram pela democracia. Estaremos sempre atentos e conjugando o verbo esperançar. 

É preciso ter esperança. Mas tem de ser esperança do verbo esperançar.  Por que tem gente que tem esperança do verbo esperar. Esperança do verbo esperar não é esperança, é espera. ‘Ah, eu espero que melhore, que funcione, que resolva’. Já esperançar é ir atrás, é se juntar, é não desistir. É ser capaz de recusar aquilo que apodrece a nossa capacidade de integridade e a nossa fé ativa nas obras. Esperança é a capacidade de olhar e reagir àquilo que parece não ter saída. Por isso, é muito diferente de esperar; temos mesmo é de esperançar”! Paulo Freire.

Entardecer em Ponta Negra, Natal 
/2012 Foto Mari Weigert

Ao Nordeste com carinho

Essa luz rosa que iluminou o entardecer da praia de Ponta Negra, em Natal, ilumina hoje meu coração em agradecimento e orgulho pela lucidez do povo nordestino. Salvaram nossa democracia!

Exatamente há 10 anos captei essas imagens quando fui visitar minha filha que tinha acabado de mudar seu endereço de moradia  de Curitiba para a capital potiguar. Hoje eu também tenho endereço na cidade e parada obrigatória para conviver com minha netinha Gabriela, uma das quatro meninas e  mais os gêmeos, ao todo seis netos que são razão da minha existência.

Essa pequena introdução da vida pessoal  foi contada para demonstrar que meu carinho pelo Nordeste tem raízes , o suficiente para me sentir uma nordestina de coração. E como nordestina/sulista de amor declarado por essas duas regiões lindas do Brasil, também quero expor aqui a minha indignação pelos recados em vídeos e depoimentos por escrito, preconceituosos, que circulam pelas redes sociais. publicados por algumas pessoas que vivem no Sul. 

Além do mais, o que me estimulou a expor minha revolta por essas atitudes insanas foi Paula, minha filha, ao sair em defesa desse povo que nos acolheu com tanto carinho.  Como existe dentro de nós duas, dois sentimentos, o de indignação como nordestina e o de vergonha como sulista,  não nos calamos diante de tamanha truculência, grosseria, que fere a moral e idoneidade do povo nordestino. Não podemos esquecer que preconceito é crime previsto em lei. 

Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. Pena: reclusão de um a três anos e multa.

Talvez um desabafo necessário para liberar o ressentimento que fere e se dar conta do momento perigoso e assustador que estamos vivendo no Brasil. Se qualquer ser vivente que fale a língua portuguesa no mundo ler o Twitter ou Instagram desta semana, assistir os instantâneos em vídeos pós eleições de movimento bolsonarista na ruas, pensará que o Brasil é um grande hospício a céu aberto.

Confesso que me divirto assistindo alguns vídeos bolsonaristas, infelizmente. Quando escrevo infelizmente é porque me dá um misto de dó e raiva desse povo tolo, imbecil, deformado pelo Whatsapp  Fake University, numa graduação que o torna tão incapaz de fazer a verificação da veracidade da notícia. Imediatamente voltam ao aplicativo de mensagens em busca da mentira, que no fundo gostaria que fosse verdade. Pensa o tiozinho pular de alegria e depois chorar porque descobriu que não é verdade que o Xandão foi preso ou que anularam as eleições e. quem ganhou foi o atual presidente, dá dó pela ingenuidade, mas depois dá raiva porque eles continuam como vampiros querendo sangue,  em busca de mais mentiras. Juro que isso é um prato cheio para  um fórum de psicanalistas e passível de tratamento psiquiátrico.  A pandemia, com o isolamento social deve ter afetado a mente desse povo todo.

“Sou nordestina de coração!! Há 11 anos resolvi mudar minha vida com o objetivo de ter MAIS qualidade e aqui estou. Moro na cidade do Natal RN e posso ver o mar todos os dias da minha janela! Vou para praia, me delicio no mar e na areia! Aqui me tornei mãe de uma linda menina potiguar de sangue nordestino nas veias! Aqui meu ofício é próspero e sou muito realizada. Possivelmente construiria tudo isso também morando no Sul, mas fiz minha escolha.

O Brasil está muito dividido e lamento, mas espero o respeito dos meu conterrâneos em relação ao meu povo de coração. Fico envergonhada e peço desculpas por aqueles que não sabem o que dizem quando desrespeitam o nordeste.

Temos muito o que fazer pelo Brasil todo e sim, estou muito preocupada com o que podemos viver pela frente.

Sou a favor da democracia, do respeito ao próximo e jamais poderia torcer por um grupo de pessoas que colocam em risco nossa liberdade de expressão e pedem intervenção militar.

De qualquer forma, tive que engolir 4 anos de um (des)governo. Não havia o que fazer. Apenas viver com isso!

Agora espero de todo coração que o presidente eleito cumpra com suas promessas, sem me iludir com a política!

Espero respeito ao Nordeste. Aqui há pessoas cultas, fortes e alegres!!!

E como diz Vandré…”Somos todos iguais, braços dados ou não!”

Se você não quer vir ao nordeste nunca mais, sem problemas, não fará falta. Aqui o turismo é forte! Agora, que pena, perderá a oportunidade de se deliciar com as maravilhas que temos!

De qualquer forma, que possamos ter amor, que possamos fortalecer esta nação juntos!!!”.  Paula Braga

 

 

Um bate-papo sem compromisso com Paulo, vendedor de coco na praia de Ponta Negra em Natal, Rio Grande do Norte.

 

 

 

 

 

Numa  manhã de praia tudo é possível em areias nordestinas. Até mesmo assistir Eduardo e seus bonecos dançando forró em pleno sol escaldante por alguns minutos. Eduardo é um artista de rua, aliás também de praia e mostra ao turista a tradição dos bonecos, arte popular que se mantém viva no Rio Grande do Norte.

 

 

 

 

 

Paz é o que precisamos. Luz na escuridão

Poetas, pensadores, artistas uni-vos… A Escola Superior da Paz tem como alvo um mundo sem fome e miséria. “As armas serão o amor e o afeto”.Somos utopistas! É a primeira afirmação da Doutrina de Segurança Emocional que norteou a criação da Escola Superior da Paz, pelos Estados Gerais da Cultura. A Doutrina e a Escola Superior da Paz são parte de um projeto maior dos Estados Gerais da Cultura. Tudo começou com a extinção do Ministério da Cultura (MinC) e com o desmantelamento sucessivo das instituições e programas em andamento no país. Artistas e profissionais literalmente foram calados, paralisados, sem trabalho e sem desenvolver sua arte.

Rosana Paulino - Série Jatobá (2019). Bienal de Veneza. Foto by Mari Weigert

Cultura brasileira fortaleça suas raízes no governo Lula! Nosso número é 13

Quero a volta do Brasil amoroso e unido! Quero viver de novo o tempo em que ideias boas eram colocadas em prática e a diversidade e cidadania cultural eram valorizadas e respeitadas. Junte-se a nós neste domingo (30). Aperte a tecla 13!

Tenho certeza que não se arrependerá. Basta voltar no tempo e lembrar que em 12 anos do governo Lula/Dilma, a parte cultural deixou de ter uma visão elitista e passou a ter  políticas públicas de resgate da nossa verdadeira e variada identidade cultural. Programas de inclusão, como Pontos de Cultura em áreas periféricas, estímulo às artes visuais, música, literatura, valorização do Cinema Nacional, estímulo a produção de audiovisual fora do eixo Rio/São Paulo, com  cursos de cinema em diversas cidades, esses foram alguns programas que deram certo e mostraram um outro Brasil. 

“As filas para candidatar-se às aulas de cinema davam volta na quadra, na Cinemateca de Curitiba”, conta a produtora cultural Janine Malanski, que durante anos foi diretora de Marketing da Fundação Cultural de Curitiba. Como jornalista oficial do governo do Paraná, na época,  vivi esse período de grande efervescência no campo da artes. 

Certamente concordam comigo, além de Janine Malanski, amigos dos Estados Gerais da Cultura, em especial o cineasta Silvio Tendler, talentoso documentarista que produziu memoráveis filmes sobre nossa história política e social, Célio Turino, o idealizador dos Pontos de Cultura e grande semeador de ideais, Katya Teixeira, cantautora e criadora do Dandô, circuito musical que reúne cantores compositores de todo o Brasil, entre outros talentos que estão juntos no EGC na luta pela volta do Ministério da Cultura (MinC) e por uma sociedade mais justa.

           Arte é Resistência

 Não  é possível mais continuar como está, limitando projetos de expansão e valorização das nossas culturas tradicionais e populares.  O atual governo não só quis enfraquecer a identidade do povo brasileiro  ao reduzir  as ações do Ministério da Cultura numa secretaria especial, vinculada ao Ministério do Turismo, mas também diminuir a força identitária do país. Não é desvalorização é estratégia de domínio. 

É como se hoje os programas mais importantes do MinC estivessem espremidos e perdendo o link com o mundo numa gaveta bolorenta e úmida. A cultura é a identidade de uma nação. 

Um povo sem cultura é um povo sem alma

foto by EGC, à direita Célio Turino e abaixo Katya Teixeira,
encontros dos Estados Gerais da Cultura

  Pedro Serrano, advogado e professor, em encontro nos Estados Gerais da Cultura definiu muito bem o papel da arte e o por quê dela ser tão massacrada em regimes autoritários. 

Neste momento histórico entendo a arte como espontânea porque a espontaneidade é o movimento de resistência a esse processo de vulneração da nossa intimidade e desejo. Portanto, essa arte espontânea é essa a inimiga. Precisa ser eliminada. Precisa ser trocada pelo puro entretenimento porque o entretenimento é arte vulgarizada, esvaziada de sentido, Processo de descontínuo.. Transformando ela numa pura mercadoria. 

Mais do que nunca fazer arte verdadeira, cultura, é a forma mais sofisticada e mais intensa de resistência que nós temos que ter. Isso é muito importante. o fascismo, o autoritarismo não ganha de nós quando tortura porque a gente sobrevive e volta para luta, ele nos mata porque a gente vira símbolo, porque outras pessoas tocam a nossa luta.

Ele ganha da gente quando nos transformam com algo parecidos com eles. Quando a gente reage com violência.

Arte é grande espaço de residência porque a arte não nos igualiza. Tem essa  capacidade de transmitir um processo comunicativo que passa mais por afeto sem muita mediação das representações e isso impede pela sua natureza que nos igualize. Quem faz arte nunca é fascista.

A verdadeira arte nos imuniza do fascismo. Porque não nos deixa se transformar em algo parecido com eles. Nem que ela nos enlouqueça. É melhor nos enlouquecer do que nos transformar em algo parecido. Portanto, vocês são os guardiões da sociedade, da liberdade porque é  a vocês que incumbem segurar essas bandeiras porque são os herdeiros da .espontaneidade, herdeiros das verdadeiras resistências e vão impedir que pelo menos uma parte da sociedade se transforme em algo parecido com essa gente”.

Os desenhos de Rosana Paulino não foram escolhidos aleatoriamente para ilustrar nosso artigo sobre cultura e o período no qual Lula foi presidente no país e que lutemos para que ele volte. As aquarelas de Rosana  são um grito de liberdade das minorias e dão espaço para mulher negra, que foi escrava, amamentou filhos de patrões, foi abusada, torturada e  não sucumbiu, floresce hoje em sua luta como um Jatobá forte e sagrado. Suas obras estão expostas na Bienal das Artes, em Veneza. 

Em seus trabalhos explora a história da violência racial  e o legado remanescente da escravidão no Brasil. ” A artista  analisa em detalhes a elaboração  e difusão das teorias colonialistas e racistas que justificaram o imperialismo europeu e o comércio de escravos”, escreve a curadoria da Bienal, no Arsenale. Dos diversos desenhos presentes escolhemos para ilustrar, primeiro com a série Jatobá, 2019, no qual no corpo de uma mulher negra brotam raizes, folhas, como a árvore da vida, sobretudo o Jatobá, árvore que é considerada sagrada pelos indígenas da Amazônia. A outra obra, chama-se Senhora das Plantas (2019). Ambas florescem e têm raízes, dão frutos.