Quando lembro do Saara à noite, onde a única luz que existe é das estrelas no céu, fico imaginando o inconsciente como a misteriosa escuridão do deserto, o invisível, o não dito….
No ano passado tive a oportunidade de ir até o Marrocos encontrar com um amigo que lá morava. Uma das mais belas e inusitadas paisagens que ficará para sempre em minha memória, foi do céu estrelado na noite em que acampamos no deserto do Saara.
Estávamos num acampamento em que tinha luz artificial e uma estrutura toda montada no meio das dunas para turistas. Então resolvemos andar e nos distanciar para poder ver as estrelas “no meio do nada”.
Andamos em direção da escuridão, algo fácil de se fazer, pois em poucos minutos e em poucos metros de onde estávamos instalados, já não enxergávamos “um palmo de nossos narizes”. Há pouco minutos do acampamento já não tínhamos luz e nenhum barulho, além de nossas próprias vozes, que pareciam ecoar de forma diferente aos nossos ouvidos. Por um instante, podíamos escutar e observar claramente o som de nossas vozes. Não sei explicar, mas era diferente.
Um momento único em nossas vidas
Deitamos na areia congelante, já que estávamos no fim do inverno. E aquele momento, posso dizer, se tornou único em nossas vidas. Nos distanciamos um pouco um do outro. Estávamos em quatro pessoas. Queríamos realmente que aquele fosse um instante singular e solitário.
Quando deitei, fiquei em silêncio e olhei para o céu…
– Ahhhh! Como gostaria de ter a imagem deste momento em uma foto…
– Nossa! As estrelas brilhavam como nunca. Parecia que em nenhum momento tinha visto o céu daquela forma. Tive a impressão que aquele não era o mesmo céu que eu podia ver em qualquer outro lugar. E de repente, me senti como na história do “Pequeno Príncipe”, no trecho onde ele conversa assim com o aviador:
“- O deserto é belo – acrescentou…
Era verdade. Eu sempre amei o deserto. A gente se senta numa duna de areia. Não vê nada. Não escuta nada. E, no entanto, alguma coisa irradia no silêncio…
– O que torna belo o deserto – disse o pequeno príncipe – é que ele esconde um poço em algum lugar.
Fiquei surpreso por compreender de repente essa misteriosa irradiação da areia. Quando eu era pequeno, habitava uma casa antiga, e diziam lendas que ali fora enterrado um tesouro. É claro, ninguém jamais conseguiu descobri-lo, nem talvez mesmo o tenha procurado. Mas ele encantava a casa toda. Minha casa escondia um tesouro no fundo do coração…
– Sim – eu disse ao pequeno príncipe – seja a casa, as estrelas ou o deserto, o que faz sua beleza é invisível!”
Sim, eu concordo com o poeta*, a beleza toda estava no invisível. Naquele momento em que eu estava me sentindo em outra dimensão. O misterioso habitou em tudo que eu era.
Foram minutos que não sei estabelecer em quantidade, pois era frio e escuro demais para me manter ali muito tempo. Mas foi um período suficiente para me fazer pensar que, ao mesmo tempo que somos pequenos diante da imensidão do universo, da imensidão de tudo que nossos olhos alcançam e são incapazes de alcançar ou invisíveis às nossas vistas, também somos grandes. Somos gigantes em nossa psiquê, nos processos psíquicos que podem ser conscientes e inconscientes.
Fico imaginando o inconsciente, como a misteriosa escuridão do deserto, o invisível, o não dito. Como num sonho em que eu corro atrás de algo e não consigo alcançar.
Contudo, como no deserto à noite, em que pude ficar serena deitada observando a beleza das estrelas, também poderia não ter desfrutado daquele momento se tivesse pensado nas serpentes que ali podiam habitar.
Talvez nossa psiquê seja assim, ela nos aterroriza com medos, tristezas, angústias, enfim, com todos os sintomas possíveis para atrapalhar o percurso da vida, mas também pode ser um lindo tesouro de aprendizado, amor e felicidade.
Não é simples e nem fácil, mas é possível fazer dela, aquilo que habita de melhor dentro de nós.
*SAINT-EXUPÉRY, Antoine de. O Pequeno Príncipe. São Paulo – SP: Ed Escala, 2015.
Siga no Instagram: @_paula_braga