Boy Radio Silhouette, 2016. Photograph: Fred Attenborough

Arte dá visibilidade ao tema transgênero

 Artistas se unem para resistir a onda reacionária americana

 É inegável que a eleição de Donald Trump para a presidência dos EUA  e sua vitória causou a muitos americanos desconforto, sobretudo para aqueles que fazem parte das minorias. Salvo o grande sucesso entre os brancos da zona rural e algumas esporádicas exceções, o magnata de Nova York permanece decididamente impopular a todos os grupos sociais que de qualquer modo não compactuam com a ideia do ‘americano perfeito’ defendido pelos mais conservadores.

A crescente de intolerância e discriminação  acordou o mundo da arte, que buscou novos instrumentos de reflexão e abertura mental. Uma série da mostras sobre o tema ‘transgênero’ organizado durante e depois das eleições colocou no centro do debate os direitos das minorias sexuais na sociedade americana.

Para testemunhar esse novo momento o Museu da cidade de Nova York programou ‘Gay Gotham’, sobre o papel da criatividade ‘queer’ do século passado, enquanto o Museu Trans History & Art organizou a exposição ‘Trans History in 99 Objects’, que traça a história da cultura  sobre o corpo transgênero nos EUA. Iniciativas como essas demonstram que o mundo da cultura criou uma frente unida para resistir a onda reacionária que atingiu a sociedade americana, lembrando-nos que a grandeza de um país está na sua abertura para a diversidade e no seu pluralismo e não na homologação identitária.

Fonte: The Guardian

Publicação original: Exibart

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‘Ágora:OcaTaperaTerreiro’ e a diversidade brasileira

A monumental obra de Bené Fonteles não só deu visibilidade ao índio assim como trouxe para o debate nossas crenças todas juntas e misturadas.

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Não há dúvida que diálogo pretendido pelo artista plástico Bené Fonteles,  por intermédio da obra “Ágora:OcaTaperaTerreiro”,acontece no exato momento em que o visitante da 32a. Bienal de São Paulo entra no Pavilhão Ciccillo Matarazzo.

A pretendida Ágora (praça pública das antigas cidades gregas), também Oca, dos nossos índios, Terreiro, que nos remete a Umbanda e Candomblé, construída com o teto de palha e paredes de taipa, cumpre o seu papel e incorpora dentro e fora a diversidade cultural brasileira. Impossível não visitá-la no início do percurso.

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Ao lado, as esculturas, a floresta esculpida com resquícios de madeira calcinada, raízes e troncos do polonês Frans Krajcberg, compõe um conjunto poético perturbador. O ambiente quase em agonia de Krajcberg é o externo da Ágora, da Oca que traz as vivências do artvista Fonteles.

“Oca não é arte”, disse ele, em uma de suas vivências. “É um suporte de vivências, um lugar para acontecer coisas.Os índios também não acham que isso é arte. Para eles, arte é a vida deles”.

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Além da programação contínua que reúne músicos, xamãs, o artista, o visitante é convidado a entrar no espaço e lá sentir o campo sonoro e observar ao mesmo tempo um mundo de mitos, crenças e personagens mesclados entre si, em pequenos altares criados no contorno das paredes.

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O mantra OM tocado por Bené ( sino tibetano), Belchior (Bambu Chinês), Egberto Gismonti (violão), Onda Azul, musicada pelo artista e cantada por Gilberto Gil, e materiais sonoros captados pelo musicoterapeuta, Claudio Viniciusm Fialho, numa aldeia indígena do rio Xingu, estão como som de fundo para que se possa mergulhar  nas profundezas de nossas raízes.

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A Bienal de São Paulo permanece até o dia 11 de dezembro. Portanto, ainda dá tempo para aceitar esse convite que nos remete às origens da terra brasileira. Vale a pena para quem permite deixar o olhar e a mente viajarem junto ao desejo poético do artista e tirar sua própria conclusão do conceito.

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A monumental obra de Bené Fonteles não só deu visibilidade ao índio ( que não consegue esquecer desde 1980, quando viveu no Mato Grosso e presenciou o seu extermínio), assim como trouxe para o debate nossas crenças todas juntas e misturadas.

 

 

 

 

 

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Do umbigo à umbigada

Por Luiz Ernesto Wanke – Na história pessoal de cada um o umbigo parece ser apenas a cicatriz no meio do ventre originada pelo corte do cordão umbilical. Mas quem ainda não descobriu uma crosta de sujeirinha dentro dele, que atire a primeira pedra! Ele serve também para limitar duas partes do corpo: a superior, mais nobre, onde ficam a cabeça e a grande maioria dos órgãos vitais do organismo humano e a inferior, principalmente com o aparelho excretor – menos romântico – e as pernas. Isto seria verdadeiro se o sexo não ficasse nesta última região, mais “lá em baixo”, como dizem. E sem sexo, convenhamos, a vida não seria a mesma.

As danças populares brasileiras muito antigas transitaram por esses ideais lúdicos e prazerosos explorando a sensualidade da região inferior do corpo humano. Da primeira metade do século dezenove, dois gêneros se destacaram, o Lundu e a Umbigada. O primeiro era a representação mais crua do ato carnal: a dançarina excitava seu companheiro dançando com volúpia. Seu corpo tremia com a música e as cadeiras indicavam o ardor do fogo que a dominava, carregado de um delírio compulsivo até cair desfalecida diante do seu par.

Já a umbigada explorava justamente o limite do permitido, fixando-se na região do umbigo, último reduto daquilo que na época seria razoável explorar. Von Martius observando os índios aculturados Purís, descreve como era:

“As mulheres remexiam os quadris fortemente, ora para frente, ora para trás e os homens davam umbigadas: incitados pela música, pulavam para fora da fila, para saudar, desse modo, os assistentes. Deram com tal violência o encontrão num de nós, que este foi obrigado a retirar-se quase sem sentidos com tal demonstração de agrado, pelo que nosso soldado se postou no lugar, para dar a réplica da umbigada, como é de praxe. Essa dança, cuja pantomima parece significar os instintos sexuais tem muita semelhança com o batuque etiópico e talvez tenha passado do negro, para os indígenas americanos.”

Mais divertido é o relato inédito de um médico francês, Raymundo Henrique de Genettes, que em 1836 viveu a triste experiência de ser forçado a se integrar a um sarau depois de um jantar a que fora convidado. Ele viajava do Rio de Janeiro até Ouro Preto e tinha se desviado da rota para conhecer as nascentes do rio Itabapuano na Serra do Brigadeiro. Depois de atravessar o rio Chopotó, a comitiva de Genette chegou num campo aberto, “onde um mulato de nome Alexandre começa uma arranhação na floresta virgem para ali estabelecer uma plantação”. Após o jantar seu hospedeiro indica-lhe para juntar-se com as mulheres (“cobertas por saias rotas, camisas sujas, com a boca cheia de caldo de fumo, enfim, nojentas” segundo des Genette) e rezar o terço (termo e costume ignorado pelo viajante). Ele relata:

“No fim de tal terço, cada um chega à mesa e beija devotamente a imunda toalha do improvisado altar. Eu os imito acompanhados do grande júbilo dos espectadores e como fiz três genuflexões, sou tido como ortodoxo o que me eleva aos olhos desta boa gente. Mas, com a oração do terço ainda não acabou a festa: agora que ela vai começar!..

Duas violas desafinadas e um machete principiam um rasgado que muito se assemelha a uma sequilha. Os três cantores entoam o seguinte canto:

No caminho do sertão

Encontrei um pica pau

Aí, minha pirima (por prima)

Encontrei um pica pau

Pica pau muito belo

Vestido de amarelo

Aí! Encontrei um pica pau…

O canto é acompanhado de batidas de mãos, pés e o final é um ligeiro contato barriga contra barriga, a umbigada. No meio da dança, uma das nojentas deste ballet novo, vem tocar seu umbigo no meu. Alexandre grita:

– Saia!

Hesito, mas não tenho escolha. Como ex-freqüentador de La Chùmiere não se perturba facilmente, saio e danço o melhor cancã possível. Tanto que sou escolhido o melhor e mais animado dançarino do Brasil. Subi muitos furos na estima de Alexandre, mas, sinceramente, com todo o prazer.

Cansado, pela madrugada vou procurar descanso lá fora junto ao fogo e deitado sobre uma madeira.”

Von Martius veio estudar a botânica do Brasil – juntamente com o zoólogo Von Spix – por mando do rei da Baviera. Viu o que pode, deu nomes a muitas plantas, anotou costumes e lendas brasileiras e foi embora. Já des Genette, depois da sua viagem pelo interior de Minas Gerais ficou por aqui mesmo. Foi médico, explorador, pesquisador, descobriu minas de ouro e diamante, exerceu funções de engenheiro, jornalista, advogado e político. O mais estranho é que quando morreu sua segunda mulher, se abateu sobre ele uma profunda depressão, com tal intensidade que aceitou ser sacerdote católico. Trabalhou com padre até o final da sua vida no planalto central de Goiás – hoje Distrito Federal – onde morreu em Goiás em 1889.

Quanto às danças populares a dois, há que se sublinhar sua natureza estritamente sensual que juntamente com a explosão de alegria contida nelas, levou a formação do nosso povo alegre e festeiro.