Faz umas duas semanas fui na livraria comprar um livro. Fui à livraria com a intenção de comprar um livro concreto e acabei saindo com outro.
Primeiro porque o livro que eu queria estava esgotado, e segundo porque o livro que eu encontrei parecia um chamado autêntico para se ler nessas datas. O livro se titulava “Contos de Natal” e o autor é o aclamado Charles Dickens.
Qualquer que lesse esse título poderia passar com certa indiferença por ele e pensar que são contos para criança. Outros, ao ler a sua autoria poderiam pensar que são leituras muito complexas. O certo é que não é nem um, nem outro.
Nem são contos para criança, ou pelo menos para crianças muito pequenas, porque cada uma das histórias desse livro revela realidades tristes e entender o seu final exige já certa capacidade intelectual e a compreensão dos valores universais. Nem são contos muito difíceis para ler, porque alguns clássicos caracterizam-se justamente pela simplicidade e singeleza da mensagem transmitida; e Dickens é assim.
Com capacidade de transportar-lhe a um mundo mágico, surreal, onde tudo é possível, o autor une o impossível com um toque de realismo devastador, transparentando também a mesquinhez e o egoísmo do ser humano, que por um passe de mágica… ou dois ou três, se transformam completamente nessas datas natalinas e de começo de ano.
Ler a Dickens, no Natal ou em qualquer outra época do ano faz-nos lembrar do importante que pode ser fazer o bem e a obrigação que temos como pessoas em transformar nossa sociedade. Ler contos de Natal, dele ou de qualquer outro escritor pode nos mostrar, da forma mais bonita, que não somos e não atuamos como deveríamos durante o ano, mas que nunca é tarde para mudar.
Parece lição de moral simplista, mas não é. A complexidade reside em entender que os pequenos gestos de dia a dia fazem toda a diferença na vida das pessoas. Doar roupas, livros, regalar um bom dia, boa tarde boa noite, abrir os braços para oferecer um abraço são atitudes que ajudam na construção do eu, e do outro.
Ler “Contos de Natal”, acho que foi uma das minhas melhores escolhas desse Natal porque me faz sentir feliz, primeiro em saber que esse escritor, com os seus “continhos” mudou a forma de pensar da sociedade Inglesa do século XIX e, segundo porque com pequenas atitudes podemos sim mudar um pouco a vida das pessoas.
Sentir empatia pela dor do outro é, quem sabe o primeiro caminho para entender que nem todos tiveram as mesmas oportunidades que a gente. E a literatura, a boa literatura, logra a que uma pessoa pratique a empatia. Precisamente porque conta histórias de muitos, histórias que você não viveu, mas que com um livro acaba vivendo. Vivendo e entendendo.
Ler te faz viver muitas vidas
Um dos meus melhores amigos quando soube o muito que eu lia, me disse uma frase que sempre levo comigo. Ele disse: Ler te faz viver muitas vidas. E é certo. Vivi muitas vidas, trágicas a maioria delas, mas que me ajudaram a entender melhor o ser humano, como pensam, como vivem, os desejos e anseios. Por isso, “Contos de Natal”, “Marcovaldo” são novelas singelas, mas como uma sabedoria transcendental. Deveriam ser leitura obrigatória a todos os adolescentes do Brasil para entender não só a história da Inglaterra do século XIX ou a Itália do século XX, mas sim para entender que a Europa já passou também pelo que parte do Brasil está passando hoje.
Dickens ajudou a sentar as bases da necessidade de um Estado do Bem Estar, quando metade da Inglaterra vivia na mais cruel pobreza e violência. Seus livros levaram empatia a parte dos governantes para que estes entendessem que muitas coisas precisavam ser mudadas no país.
Hoje vemos Inglaterra como um exemplo a ser seguido em muitos aspectos (não em todos), com políticas sociais que combinam de forma equilibradas os poderes do Estado e da empresa privada, garantindo uma vida mais digna para todos. Graças a ele, e a muitos outros escritores de clássicos, entendemos a importância que tem a educação e a liberdade de pensamento para fazer algo em pró de um bem maior e levar saúde, segurança e dignidade a todos.
E isso não foi uma mudança automática. Levou anos, gerações, até que por fim, o Estado se deu conta disso. Por isso, nesse Natal, quero ler os contos de Dickens e muitos outros contos de Natal. Para que me lembrem cada dia o que devo fazer, por mim e pelos outros
Sem muito pesar, na verdade sem nenhum. Pense como um sorriso, um gesto de gentileza são suficientes para transformar um dia de uma pessoa. Dickens não fala de grandes gestos, nem de doar grandes fortunas, senão em realizar e contribuir com pequenos gestos que um dia se converterá no grão de areia necessário que ajudou a mudar o rumo da história.
* Foto da Manchete é capa do livro editado em Portugal. Um arranjo gráfico de estúdios P.E.A.