Carimbo do Partido Nazista no Brasil, núcleo de Curitiba

‘Piás de Hitler’

Nada mais oportuno do que ler ‘Piás de Hitler’, de Luiz Ernesto Wanke e Marcos Luiz Wanke, em razão do atual momento no Brasil.”O preço da liberdade é a eterna vigilância”. Trata-se de uma pesquisa sobre a influência do nazismo entre os imigrantes alemães no Paraná, na década de 30. 

Por que oportuno. Por mostrar como os personagens se movimentam nos bastidores e num piscar de olhos, sem que se dê tempo ou conta, uma sociedade inteira fica a mercê de uma situação que não era bem aquela que se pregava anteriormente.

Oportuno também pelo que foi publicado no BemParaná sobre trabalho da pesquisadora Adriana Dias, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), que há 16 anos  mapeia grupos neonazistas que atuam na internet e também no mundo não virtual.

Segundo ela, a região Sul concentra aproximadamente 105 mil neonazistas. Portanto, a pesquisa de Luiz Ernesto focou o movimento nas décadas de 30 e 40, que nos deixou uma herança maldita.

As referências foram os arquivos do DOPS, um pouco das lembranças do autor, revistas e relatos de pessoas, teses acadêmicas, como de Ana Maria Dietrich, da USP, Nazismo Tropical, entre outras fontes. Na introdução, sua esposa, professora de História, Maria Marlene Redkva Wanke, destaca o objetivo.

Advertência

“Pretensiosamente sonho que o livro traga resquícios de prevenção contra os regimes de força e pelo menos, alguma advertência, porque acredito na velha e batida máxima, de que o preço da liberdade é a eterna vigilância”.

Em ‘Piás de Hitler’, Luiz Ernesto mostra o perigo iminente de uma ideologia violenta ser disseminada entre jovens que são estimulados em seus ideais, nem sempre altruístas. O nazismo, por sua vez, era uma ideologia exclusiva dos alemães que pregava a purificação étnica. Também defendia a propriedade privada e empresas alemãs.

No Sul do Brasil a suástica (símbolo nazista) foi visto em muitas situações, até em eventos festivos antes de 1937. A estratégia de Hitler era treinar os jovens imigrantes alemães espalhados nos países da América do Sul.

Arrogância

Os relatos mostram o sonho exacerbado de Hitler. A sua ânsia doentia pelo poder e a lavagem cerebral aplicada nas pessoas, sobretudo à juventude. Os imigrantes alemães jovens eram o seu alvo para aumentar o contigente para a guerra.

Alguns alemãs naturalizados brasileiros em puro delírio e fidelidade ao Führer, enviaram com todo orgulho, filhos para lutar na Segunda Guerra Mundial e os perderam na maioria. Lembro de minha mãe contando sobre professora de costura. “Ôooo… alemã arrogante era a Dona Margarida”, dizia ela.

Contava que a bandeira alemã estava sempre hasteada em sua casa, mesmo quando o governo brasileiro proibiu qualquer manifestação sobre o nazismo.  “Eu morria de medo”, dizia mamãe, que ia aprender a confeccionar sutiãs com Margarida.

“A mulher era tão arrogante que não parava de falar o alemão para todo mundo ouvir. Coitada perdeu o filho na guerra, acho que morreu de desgosto depois que acabou e viu que tudo foi uma mentira”, finalizava.

Alemanha Antártica

“A ideia da ocupação do Sul do Brasil pelos alemães se consolidou em época anterior ao surgimento de Hitler. O conceito da Alemanha Grande, incluindo todos os alemães do mundo, vem desde o século XIX. O escritor Otto Tennenberg defendeu essa tesse no seu livro de 1911, Gross Deustschland. Segund ele, países como o Chile, a Argentina, o Uruguai, o Paraguai, o sul da Bolívia e do Brasil deveriam ser trabalhados como futuros ‘protetorados’ alemães. Previa-se particularmente que o sul do Brasil adotasse o alemão como língua única.”

Os alemães chegaram ao Sul do Brasil, assim como os italianos e outras etnias, depois da abolição dos escravos. A imigração trazia uma mão de obra bem barata para substituir o trabalho servil.

Os chefes nazistas

“No Rio Grande do Sul, o chefe geral era Walter Horning, cuja principal atividade era infiltrar seus agentes nas igrejas, escolas, no campo e no comércio. No Paraná, constaram diversos nomes, mas a chefia coube a Werner Heinrich Wilhelm Hoffmann.

Alguns outros como o braço direito de Werner, Hans Bennevitz, vice-presidente do partido e diretor da Companhia Telefônica do Paraná. Segundo o DOPS, ‘era o mais perigoso agente entre nós'”.

Olhar Crítico

Enfim o livro revela como uma ideologia é disseminada de mansinho dentro de um grupo social, mais especificamente no Paraná entre as décadas de 30 e 40.

Me aproprio da explicação da professora Marlene sobre o regime ditatorial. É como a sociedade das formigas, “cuja rainha exerce o papel centralizador e sua influência se irradia para os grupos especializados. Dentre deles, a individualidade nada representa, porque, a morte de um soldado, por exemplo, é insignificante para comunidade desde que a rainha produza mais indivíduos para substituí-los.

Piá, no Sul do Brasil, é um termo muito empregado e significa guri, menino ou moleque. Regionalmente empregado para designar os jovens germânicos que eram os principais alvos dos nazistas”.

 

O livro está à venda nas livrarias Curitiba, também via internet.

 

 

 

 

Guaxinim. Centro Cultural de Belém, Lisboa - Portugal

Desperdício gera lixo que vira arte

O artista português Bordalo II já gastou 28 toneladas de resíduos desde 2012. Suas obras são uma mistura de crítica social e humor negro. Ele faz parte de um segmento de artistas que transforma o lixo em arte. Obras que chamam a atenção para um problema que o mundo contemporâneo ainda não encontrou a solução definitiva.

É menos lúdico e excêntrico que a paranaense Efigênia Rolim no direcionamento de sua poética artística. 

Enquanto Efigênia inicialmente inspirou-se numa lufada de vento para usar papel de bala e recicláveis na sua criação artística, Bordalo usa seus animais gigantes compostos também por resíduos descartáveis para fazer o observador refletir sobre o destino que estamos dando ao planeta.

O artista diz que não tem nenhum problema em achar matéria prima para confecção. Sabe-se que a quantidade de descartáveis é absurda no cotidiano das pessoas. “O meu bem é o mal do mundo”.

Voo de Efigênia

O que importa é que ambos tratam de uma questão muito séria e atual: o desperdício provocado pelo consumo exagerado de produtos industrializados.

Efigênia foi atraída pelo voo de um papel brilhante de bala, imaginou esse papel reluzindo no espaço transformando-se em flor. Suas obras são feitas dos entulhos jogados pelo homem. Cabeças de bonecas, garrafas, copos e ganham significado lírico, quase infantil pelo mãos e mente da artista. Transforma-os em pássaros, árvores, animais, flores…

Efigênia hoje tem 85 anos e recebeu o título de cidadã honorária do Curitiba. Vive na periferia da cidade com simplicidade.

Bordalo II. foto via internet. Diário de Notícias. Portugal.

Crítica social de Bordalo II

Bordalo vive em Lisboa e é neto de artistas. A sua poética ironiza o comportamento consumista do homem por meio dos animais que ele cria. Suas obras provocam um impacto visual na cena urbana.

«Gosto de trocar os papéis, colocar os animais onde deviam estar as pessoas, fazer delas um terceiro elemento que na verdade somos todos nós.»

São ratos no lugar de homens, para nos fazer pensar qual é a verdadeira praga. São os porcos como símbolo da corrupção e as raposas como ícone da matreirice humana.

O seu primeiro ponto é precisamente o desperdício. Os resíduos que os homens dispensam a uma velocidade alarmante destroem ecossistemas e estão a acelerar a inviabilidade da vida na Terra. Desde que começou a trabalhar com estes materiais, em 2012, já gastou 28 toneladas de resíduos.

«Infelizmente, nunca tenho problemas para arranjar mais lixo. O meu bem é o mal do mundo.» Anda mais em ferros-velhos do que em lixeiras, também tem contactos com autarquias para que lhe entreguem materiais destinados aos aterros. «Além de que a chegada da troika e a introdução das políticas de austeridade levaram ao encerramento de muitas fábricas em Portugal. Esses lugares são inevitavelmente roubados do que é valioso e depois sobra apenas o que ninguém quer. Com o tempo, começam a tornar-se aterros para despejos ilegais. E é nessa imundície que encontro as melhores peças para trabalhar.» Fonte: Notícias Magazine

Ativistas

São os artistas ativistas silenciosos.  O observador que se aproxima de uma obra como a de Bordalo, sempre gigantesca, em paredes de casas, em ruas de grande circulação urbana, vivencia dois tipos de emoções que são antagônicas.

A primeira, à distância, é de encantamento pela magnitude da obra. A segunda, ao se aproximar lentamente, é de assombro e tristeza ao perceber os pedaços enferrujados de carros, torneiras, bocados de uma mangueira, celulares, calculadoras, pedaços de casacos peludos, plástico e mais plásticos….

 

 

 

Coletivo Aos Nossos Pais

‘Afinidades afetivas’ da Bienal para o Brasil

Num Brasil polarizado como agora vivemos, vale prestar a atenção nos artistas que se uniram em suas ‘Afinidades Afetivas’, na Bienal de São Paulo. Nunca um tema foi tão necessário como o escolhido pelo  curador para a 33a. edição.

Apesar da conexão com o atual momento brasileiro feita por mim, a real inspiração do curador Curador Gabriel Pérez-Barreiro foi o romance Afinidades eletivas (1809), de Johann Wolfgang von Goethe, e a tese “Da natureza afetiva dá forma na obra de arte” (1949), de Mário Pedrosa.

A idéia é valorizar a experiência individual do espectador na apreciação das obras em vez de um recorte curatorial que condiciona uma compreensão pré-estabelecida.

Coletivos 

As minhas considerações sobre a Bienal de São Paulo nessa edição ainda são por intermédio de pesquisas online e entrevistas. Pretendo até o seu término avaliar pessoalmente o que nossos artistas estão mostrando nesse biênio.

Num rápido olhar online visitando a página da Bienal, gostei do coletivo Aos Nossos Pais, de Alessandro Cesarco, pelo conteúdo emocional da proposta. Sentido/Comum é outro conceito altamente afetivo. Antonio Balleter Moreno.

Novamente, o que me atrai é a narrativa. Sem ver as obras:

“Somos todos diferentes. Cada um vê o mundo de uma forma distinta.

Cada vez que nos movemos, o fazemos com nosso mundo. O que nos rodeia a cada momento é parte de um universo particular que se move conosco. O ambiente faz o mundo”.

A brasileira Sofia Borges na A infinita história das coisas ou o fim da tragédia do um, parte de considerações filosóficas sobre a tragédia grega e referências mitológicas.

Esse coletivo e o de Waltercio Caldas que estão representados por alguns artistas brasileiros.

Ao final, todos os coletivos trazem para arte, as profundezas da afetividade e nos oferecem uma gama de emoções que estou curiosa em interagir.

Individuais

Dos trabalhos individuais, relembrando que a análise é preliminar e com base nas informações do site oficial, a obra de Aníbal López, ou A-1 53167 (número de seu documento de identidade), me chama atenção pela provocação.

O desestabilizar a rotina: jogar uma tonelada de livros em uma rua movimentada, desmascarar a hipocrisia, entre outras posições, sobretudo políticas.

Césio 137

A obra de Siron Franco na Bienal nos remete ao povo brasileiro, descaso, e saúde pública. Trata-se de uma pesquisa artística que se iniciou em setembro de 1987,  quando um catador de sucata em Goiânia encontrou uma máquina de raio X abandonada em um terreno baldio na rua 57 do Bairro Popular.

“Quando abriu parte da máquina, encontrou uma cápsula de césio 137, substância altamente radioativa usada para fins terapêuticos e que deveria ter sido descartada profissionalmente, e não jogada no lixo comum.

Ignorando suas propriedades letais, o catador ficou fascinado com a substância, que brilhava no escuro, e a levou para casa, onde a mulher e a filha brincaram com ela”.

Uma história triste de preconceito, dor, falta de conhecimento e responsabilidade que até hoje a população do local sofre as consequências.

Visite a Bienal

A 33a. Bienal de São Paulo está aberta ao público até o dia 9 de dezembro. A pequena apresentação que fizemos é para motivar o maior número de pessoas a prestigiar no Parque Ibirapuera, em São Paulo, uma das mais importantes iniciativas em prol da arte  no Brasil.

O artista transporta suas emoções para uma obra de arte, é evidente. No entanto, também sente a necessidade de depois de finalizada a obra, experimentar as emoções do público.

 

 

 

Foto de Antonio Lacerda/EPA

Memória nacional à mercê do mercantilismo

A nossa identidade histórico cultural? Talvez esteja em processo de privatização…

Duas semanas depois do incêndio que consumiu o Museu Nacional, a UNESCO anuncia que será preciso 10 anos para recuperar parte da nossa memória. Na contramão desse processo de reconstrução está a tentativa, por parte do governo federal, de privatizar o setor.

medida provisória (850/18) que autoriza a criação da Agência Brasileira de Museus (Abram), em substituição ao Instituto Brasileiro de Museus (Ibram – Lei 11.906/09), que será extinto, está para análise no Congresso Nacional.

Para a professora de Museologia da Universidade de Liège, Manuelina Duarte, que é também membro do Ibram, a situação não vai mudar. Em seu artigo Desafios do Presente, explica que é “fantasioso imaginar que vão chover investimentos privados”.

Recomendo a leitura do artigo aos interessados em entender como funciona o papel do poder público na administração desses espaços culturais.

Arbitrária

A MP é arbitrária e também um atentado à democracia.

Na recente reunião realizada no Rio Janeiro, em 10 de setembro, os representantes da Rede Brasileira de Coleções e Museus Universitários (RBCMU),  manifestaram apoio à UFRJ e conclamam a sociedade brasileira e internacional a reagir contra o atentado à democracia brasileira e às instituições públicas pela criação de forma arbitrária da Abram.

Esta medida agride frontalmente a continuidade das políticas públicas voltadas ao setor dos museus que resultaram na instituição do Estatuto de Museus e na criação do IBRAM, em que Estado e sociedade civil uniram esforços em prol da Cultura, do Patrimônio e dos Museus no país.”, diz a carta aberta da Rede.

Mercantilismo e memória nacional

“Não podemos permitir que um órgão fundamental aos campos museal e museológico e que veio para atender a uma demanda reprimida há várias décadas, construído de maneira coletiva e democrática para dar suporte a uma política especifica de museus, seja apagado por uma decisão monocrática sem consulta ou discussão com os setores diretamente envolvidos.

O Ibram, com quase uma década de existência, materializou uma importante conquista para a pesquisa e a preservação do Patrimônio e da Memória, além de representar um grande avanço para a construção identitária e o desenvolvimento da sociedade brasileira”, escreve aos deputados e senadores, o professor Ivan Coelho de Sá, da Escola de Museologia da UNIRIO.

Com seu desaparecimento os museus públicos fatalmente irão ficar à mercê da especulação. Além disso, sua extinção abrirá caminho rápido para a privatização de instituições museológicas, sobretudo de âmbito federal e cujos patrimônios, de importância nacional, transcendem o puro mercantilismo. Patrimônio público e Memória nacional são áreas muito relevantes para a sociedade e não devem sofrer processos especulativos que constituam risco e retrocesso.