Apesar do sucesso, a mostra multimídia Frida Kahlo - A vida de um Ícone, deixa a desejar em conteúdo sobre arte-educação. É muito mais espetáculo em alta tecnologia.
Uma atração à parte para crianças e lamentavelmente pouco aproveitada para mostrar o que representou a arte de Frida Kahlo como testemunho de um tempo, sobretudo sob o olhar feminino. Visitei a mostra, recente, em Lisboa e ao entrar me senti protagonizando a animação ‘Viva – a vida é uma festa’ , cujo tema é o Dia dos Mortos no México.
A tecnologia é motivação para os visitantes que não curtem tanto museus tradicionais, os recursos multimídias somente focaram na vida trágica da artista e ressaltaram o colorido da cultura mexicana, nas flores, e na extravagante forma de Frida Kahlo apresentar-se ao mundo. Em nenhum momento da mostra, sequer apareceu uma obra dela. Talvez, pelo custo ou pela proposta do projeto. Uma pena!
Estou fazendo uma crítica construtiva no sentido de alertar sobre a importância de aproveitar a arte como um meio e não como fim visando apenas espetáculo e lucro, sobretudo quando são usados recursos da alta tecnologia que interagem com o público. Tive a oportunidade de visitar algumas mostras em multimídia que reforçaram o papel da arte como o de Gustav Klimt, em Roma. Klimt Experience. Educativo!
“A visita tem uma duração média de uma hora e 15 minutos, e o público é desafiado a percorrer um conjunto de instalações artísticas com experiências de carácter interactivo e participativo, de realidade virtual, animações holográficas e vídeo mapping em esculturas”, escreve a publicidade da mostra.
Realmente para o universo infantil é apoteótico e para a criança que vive dentro da gente é gostoso percorrer, especialmente quando experimentamos a realidade virtual com os óculos 360º e visitamos o quarto da artista. Também ao pintarmos sua imagem e aparecer na tela, essas e outras atividades que motivam a todos, no entanto nem de longe conseguem mostrar o que representou a arte de Frida Kahlo num tempo em que se defendiam ideias surrealistas e o papel da mulher ainda era muito restrito a rigorosos padrões sociais.
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Assim como, sobre Frida Kahlo visitei muitas mostras e a mais completa e maravilhosa de todas foi a apresentada pelo Instituto Tomie Ohtake, em São Paulo: Frida Kahlo e artistas mexicanas surrealistas numa mostra inesquecível
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Os recursos multimídias são intercalados com algumas fotos e textos que tratam de fatos da vida da artista, como seu relacionamento com o muralista Diego Rivera
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Os corredores que davam acesso às salas de exposições eram decoradas com flores, mas flores de plásticos. Devo confessar que achei de profundo mau gosto.
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Agora vamos inserir as obras atreladas a vida da artista neste artigo para complementar o que não foi aproveitado durante a mostra multimídia.
A arte foi bálsamo para artista mexicana Frida Kahlo (1907-1954) aliviar as dores corporais provocadas por um acidente que mudou o rumo de sua vida e suas criações coloridas e eloquentes na linguagem simbólica, continuam a se comunicar com milhares de pessoas ao redor do mundo mesmo depois de 69 anos após a sua morte.
Frida Kahlo amadurece como artista na primeira metade do século XX , num período em que não era possível uma mulher mexicana se afirmar profissionalmente e quando toda a pintura exposta nos museus era feita por mãos masculinas. A simples presença de Kahlo neste contesto é a prova de sua extraordinária personalidade artística, que se afirma contra corrente cultural de seu país e longe da comunidade intelectual do seu tempo.
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A artista refugiou-se na casa onde nasceu e no isolamento deu vazão e forma ao que era mais privado e particular dentro de uma mulher pequena e frágil, que vivia num quarteirão da periferia ( Coyoacán) de uma capital do terceiro mundo. Frida Kahlo abusou das cores e dos símbolos para transmitir nas telas o seu universo, privilegiando o autorretrato, “como se quisesse transformá-lo em documento que comprovasse sua passagem aqui na Terra”, escreve a crítica Marha Zamora, na publicação Art e dossier, no. 83, em 1993.
Os seus quadros representam imagens da vida e da morte dentro dos padrões da cultura mexicana, como também de uma mulher sensível, de personalidade forte que sofria as dores do corpo e da alma. A primeira, a do corpo, provocada pelas sequelas de uma poliomielite aos seis anos e por um acidente na juventude que a torturaram durante toda a sua curta vida. A segunda, a da alma, era resultado do seu amor inquieto pelo artista Diego Rivera.
“Nenhuma de suas penas é negligenciada. Os fetos de seus abortos, as cicatrizes de suas operações cirúrgicas, as bandagens, as lágrimas, os aparelhos ortopédicos inseridos nos tecidos pictóricos das emoções que permeiam suas pinturas confiadas a uma variedade heterogênea de suportes, das telas para as folhas metálicas que lembram ex-votos deixados por fiéis em igrejas mexicanas, em agradecimento pela graça recebida”.
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Frida Kahlo dissimula por trás da máscara de uma jovem de boa família, segundo Zamora, “um ser de fogo, de contrastes e de sonhos e que parece viver em eterna condição de urgência”. O fato é que a mensagem repassada pela artista Frida Kahlo não se empoeirou no tempo porque a sua poética pictórica transmuta a imagem do sofrimento em cores vivas e em uma composição simbólica única e de uma notável beleza estética.
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Assim ela repassou para a tela sua alma em obras contundentes como “Coluna Quebrada” (1944), “Sem Esperança ( 1945), “Pensando na Morte” (1943) que se encontram no Museu Dolores Olmedo Patino, no México, “O sonho ou o leito” (1940), “A árvore da esperança mantidas em equilíbrio”(1946), mostram o drama interior vivido pela artista durante toda a sua vida.
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