Justamente no mesmo ano em que alguns grupos brasileiros bradam pregando imoralidade na performance de um nu artístico, Veneza concedeu na abertura da Bienal (maio), o Leão de Ouro, o prêmio máximo do evento, para americana Carolee Schneemann, pioneira por utilizar o corpo nu na arte.
A artista, segundo o júri internacional do evento, contribuiu para o desenvolvimento da performance e da Body Art, sobretudo em relação ao conceito do corpo nu feminino, em oposição a tradicional representação das mulheres como simples objetos nus.
Schneemann utilizou em vídeos arte, pinturas, fotografias, cinema, o corpo nu como força primitiva e arcaica no sentido de unificar a energia. O seu estilo sempre foi direto, sexual, liberado e autobiográfico.
O júri internacional da Bienal de Veneza, que é composto por especializados em arte do mundo inteiro, entendeu que Carolee, como pioneira da performance feminina no início dos anos 60, promove a “importância do prazer sensual feminino e examina a possibilidade da emancipação política e pessoal das convenções sociais e estéticas predominantes”.
Portanto, a premiação não é apenas uma exaltação à nudez, mas um reconhecimento do papel político-social da proposta de Scheenmann ao usar seu corpo para provocar e estimular as pessoas à reflexão sobre a condição da mulher no mundo moderno.
Bienal de Veneza é referência em arte no mundo
É importante situar a dimensão desse prêmio oferecido à artista e a postura de vanguarda de um evento tradicional e que é referência no mundo artístico. Até para responder questionamentos sobre arte na Europa. Responder afirmações entusiásticas de que a arte europeia estimula a beleza estética.
As pessoas se baseiam nos museus mundialmente visitados e não se prendem ao dia-a-dia e movimentos artísticos mais pontuais que não são tão vendidos em pacotes turísticos de viagens.
A tradicional Biennale di Venezia, na Itália, tem 122 anos de história na mundo da arte. É referência e vanguarda na promoção de novas tendências artísticas e organiza manifestações nas artes contemporâneas, segundo um modelo pluridisciplinar único.
O marco de sua origem é 1895, com a primeira exposição internacional de arte que se estende a todo o século 20 até hoje na sua 57a. edição. Em 1932, a Bienal expande sua atuação e cria a mostra de Cinema, o primeiro festival cinematográfico nunca organizado no mundo, que se acrescenta com já existente, da Música (1930), na sequência com a criação do Teatro (1934), da Arquitetura (1980) e da Dança (1999).
Assim, torna-se um evento completo, único e peculiar na oferta de tendências culturais nos diversos campos das artes. Fonte: site La Biennale di Venezia
Principais obras de Carolee Shneemann
Meat Joy, performance de 1964, é uma obra de teatro cinético, definida pela artista como celebração da materialidade da carne.
Fuses, 1968, é um filme erótico composto por uma colagem de imagens explícitas em torno da artista, que mostram o relacionamento sexual entre ela e seu companheiro da época, o compositor James Tenney.
“foto via internet site Exibart“
Interior Scroll, 1975, é uma performance em que Scheemann, nua, extrai um pergaminho de sua vagina.
Up do and Inluding Her Limits, 1973-1976, “a artista traduziu o gesto em performance, usando o seu corpo suspenso como um arsene para pintar, revisitando a história prevalentemente machista do Expressionismo abstrato e ação da pintura”.fonte Bienal.
Carolee também abordou em suas obras, em contraste ao imaginário íntimo cotidiano e ao erótico sagrado, a destruição e a guerra. Viet-flakes (1965), e Snows (1967) trata das atrocidades da guerra do Vietnã.
Para conhecer alguns vídeos sobre os trabalhos de Carolee basta entrar no Youtube e buscá-los.
Brasil e o nu
De repente, o assunto Body Art no Brasil transformou-se numa cruzada contra a destruição da família, de acordo com a opinião de alguns grupos radicais de direita. O nu, vejam só, transformou-se em assuntos eleitoreiros. Quem diria!
Nesse contexto estão envolvidos o MBL – Movimento Brasil Livre – e segmentos mais conservadores da nossa sociedade, que ao meu entendimento estão desvirtuando o papel da arte contemporânea como manifestação do livre pensamento a partir de uma obra, seja ela pintura, fotografia, cinema, escultura, o próprio corpo ou movimentos coletivos.
Ninguém é obrigado a gostar de arte contemporânea ou visitar eventos que agregam obras envolvidas com o conceito. A contemporaneidade exige da arte a provocação para propor debates e reflexão.
“Se arte não consegue mudar o mundo, pelo menos, por meio dela ele pode ser reinventado”, diz a curadora da Bienal de Veneza, Christine Macel.
Criança e sua participação
Agora a pergunta: o que é certo ou errado para a criança, considerando que a polêmica em torno do nu foi criada porque uma mãe deixou o filho (a) de quatro anos tocar num corpo nu, em performance artística, num espaço próprio para tal, no Museu de Arte Moderna em São Paulo.
Alguém no local filmou e colocou esse vídeo para viralizar na web, com intenções provavelmente bem comerciais e políticas. Sem dúvida, para dar continuidade ao tema imoralidade na arte, tendo em vista a recente questão sobre o cancelamento do Queermuseu no Rio Grande do Sul.
Significa que a histeria coletiva foi gerada com segundas intenções e em nenhum momento se pensou na criança, acima de tudo na exposição da imagem.
A pergunta sobre o certo ou errado psicólogos e orientadores podem responder.
“Não existe certo ou errado para criança e nem se pode colocar a questão de forma generalizada”, afirma a Psicóloga-psicanalista, Paula Braga, que atua na clínica atendendo crianças, adolescentes e adultos. “Tudo depende da maneira como a criança é criada e essa estrutura deve ser respeitada.
É a mãe ou pai que determinam o que deve ou não ser visitado, especialmente na fase da formação da personalidade”.
Resumindo, numa simples opinião pessoal, da autora desse texto, se a mãe está criando o filho com um olhar mais aberto em relação ao corpo nu, com menos vergonhas e tabus, é possível que essa criança possa entender e interagir numa performance artística.
Os índios que vivem despojados de roupas nas florestas desse Brasil, em algumas sociedades tribais da Amazônia, estão aí para provar que é possível vivenciar o nu sem olhar o corpo como pornográfico.
Agora, quanto o assunto é pedofilia, não confundir a situação com performance de um nu artístico, que se coloca em outro nível de entendimento e conceito.
Pedofilia está realmente preocupando a sociedade moderna e se desenvolve, cresce e encontra suporte, na obscuridade da repressão, exatamente nos locais menos prováveis e mais puritanos!