Medusa, Caravaggio. Galleria D'Uffizi

WhatsApp: o falso que se transformou na verdade de cada um

O WhatsApp é uma caixa-preta de desinformação viral na disseminação de notícias falsas. É o paradoxo entre o bem e o mal.  Jornalistas do mundo inteiro estão preocupados em buscar meios para reduzir o impacto. O mito da Medusa ( neste caso o aplicativo) é simbolizado pelo PanHoramarte, sobretudo quando o boato torna-se a verdade de cada um.

No artigo de Laura Hazard Own, da NiemanLab, de Havard, trata das eleições brasileiras analisando a ação do WhatsApp. “Embora notícias falsas tenham se espalhado no Brasil em todas as formas de mídia social, o impacto do WhatsApp foi o mais notável”, escreve.  

Restrições no uso

Cita também que os pesquisadores brasileiros, Cristina Tardáguila, Fabrício Benevenuto e Pablo Ortellado escreveram em um recente editorial do Times sobre três coisas que o WhatsApp poderia fazer para conter o fluxo:

“Restringir para frente. Este ano, após a divulgação de rumores sobre o WhatsApp, que provocou linchamentos na Índia, a empresa colocou restrições no número de vezes que uma mensagem poderia ser encaminhada. Globalmente, o número de atacantes foi reduzido para 20, enquanto na Índia foi reduzido para cinco. O WhatsApp deve adotar a mesma medida no Brasil para limitar o alcance da desinformação.

Restringir transmissões. O WhatsApp permite que cada usuário envie uma única mensagem para até 256 contatos de uma só vez. Isso significa que um grupo pequeno e coordenado pode conduzir facilmente uma campanha de desinformação em larga escala. Isso pode ser evitado limitando o número de contatos para os quais um usuário pode transmitir uma mensagem.

Limite o tamanho de novos grupos. Novos grupos de bate-papo criados no Brasil durante as próximas duas semanas devem ter um limite no número de usuários. Isso não afetaria os grupos existentes.

Entramos em contato com o WhatsApp esta semana e apresentamos essas sugestões. A empresa respondeu dizendo que não havia tempo suficiente para implementar as mudanças. Discordamos: na Índia, o WhatsApp demorou apenas alguns dias para começar a fazer ajustes. O mesmo é possível no Brasil.”

BBC

A BBC analisou de perto como os programas de mensagens em massa são usados. Em menos de 10 minutos e em 10 cliques, é possível reunir quase 1.000 números de telefone. Os dados podem ser agrupados por cidade, gênero e interesses.

Os contatos também podem ser coletados por:

– usando detalhes fornecidos voluntariamente pelos apoiadores de um candidato

– compra de bancos de dados vendidos legalmente no Brasil

– utilizar informações roubadas ou compradas ilegalmente de prestadores de serviços telefônicos

Verdade de cada um

A revelação sobre o perfil da sociedade brasileira nessa eleição para presidente foi uma surpresa para muitas pessoas. O brasileiro, alimentado por notícias falsas, que usavam e abusavam de temas sobre ética, moral e corrupção, preferiu acreditar naquilo que estava já consolidado em seu interior.

A disseminação da pós-verdade, quando se acredita no boato e não nos fatos, é um fenômeno mundial!. E foi pontual na eleição no EUA, que deu vitória a Trump. Psicólogos e psicanalistas brasileiros estão preocupados com a situação revelada no uso das mídias sociais. Seus consultórios estão a todos dias recebendo histórias de pacientes, cuja famílias, amigos e grupos foram desfeitos e divididos.

Vale colocar Einstein nessa texto, considerando um conceito importante que ele introduziu  para nossa reflexão nesse caso: O Ponto de Vista do Observador. Fonte: A Verdade De Cada Um, de João Mansur Júnior.

 “A Teoria da Relatividade nos informa, por exemplo, que se uma régua de 100 cm pudesse se movimentar com velocidade próxima à luz, sua dimensão diminuiria para cerca de 14 cim para um observador situado na Terra ( o seu ponto de vista). Mas, se um segundo observador se movimentasse com a velocidade igual `da régua, vê-la-ia com os mesmo 100 cm de comprimento. Quem estaria então com a verdade? Os dois, naturalmente, porque cada um estaria em determinado ponto de observação e, portanto, ambos não poderiam ter a mesma verdade”.

Ao final de tudo, a verdade é uma caixa preta, lacrada e inviolável… Para chegar próxima a ela, que também não será absoluta Einstein tem outra sugestão:

“Eu penso 99 vezes e não chego a conclusão alguma, mas, quando paro de pensar, surge a verdade.”

Abaporu

O homem que come gente. Abaporu

O significado do nome da tela Abaporu, de Tarsila do Amaral, é tupi-guarani, Aba-homem, pora-gente, ù-comer – ‘homem que come gente’. O conceito do Abaporu entrou nessa história como uma apropriação intelectual para falar sobre a pós-verdade com poética artística.

O Abaporu (o homem que come gente) transportado para era da globalização e dos recursos tecnológicos, poderia ser traduzido em ‘robôs que comem pensamentos’, tal é o poder de persuasão das informações e imagens que circulam no ambiente online, com advento das redes sociais.

Diferente do Abaporu de Tarsila, feito em 1928, cujo nome foi escolhido para marcar o movimento moderno brasileiro (antropofágico) que tinha o objetivo de deglutir a cultura europeia. Adaptá-las ao Brasil, isto é abrasileirar o que vinha de fora.

Apropriação

Essa apropriação intelectual do conceito do Abaporu, da nossa parte, é para dar aos leitores a dimensão do que é o poder da tecnologia da informação. A mente artificial manipulada pelo homem está desconstruindo sociedades pela mentira e criando uma nova ordem mundial.

O Abaporu  do século XXI é a mente artificial que engole gente. Pós-verdade é um termo que entrou no léxico mundial em 2017, pelo dicionário Oxford, para significar um tempo em que a sociedade preferiu os boatos aos fatos.

“Não seria então, exatamente, o culto à mentira, mas a indiferença com a verdade dos fatos. Eles podem ou não existir, e ocorrer ou não da forma divulgada, que tanto faz para os indivíduos. Não afetam os seus julgamentos e preferências consolidado”. fonte: Carta Capital

Brasil

A democracia brasileira está em jogo nesse tempo de pós-verdade e transição política. As mentiras circulam numa velocidade voraz sem que haja regras claras para conter a disseminação de notícias falsas e muitas vezes descontextualizada dentro das redes sociais.

É assustador o número de pessoas cultas, com formação e capacidade de interpretação, que se tornam multiplicadores em potencial de um notícia deturpada simplesmente porque é assim que desejariam que fosse. Nesse universo online não existem classes sociais, todos se devoram entre si pelo poder da palavra e da imagem e  usam o termo ‘compartilhar’ como se fosse a único capaz de resolver aquilo que lhes incomoda.

Olhar crítico

É uma pena que uma ferramenta tão maravilhosa como a internet está transformando e alterando comportamentos sociais, criando caos, destruindo a paz, quando deveria simplesmente destruir fronteiras geográficas para fortalecer a união entre os povos. Infelizmente, liberdade de expressão tranforma-se em pós-verdade, sobretudo quando alimenta-se de uma fonte cunhada pelo poder econômico.  Quem perde somos nós.

Duas dicas são fundamentais  para evitar que nossas mentes fiquem à deriva nesse oceano infinito de informações:

  • Ponto principal: desconfie de sites que tem não editores responsáveis, bem definidos o quem somos, desenvolvedor e a missão.
  • Para descobrir se uma notícia é falsa busque no Google o título do artigo ou qualquer referência sobre o assunto. Sempre.
  • Desconfie quando o assunto é absurdo demais!

Deixe o Abaporu na história da arte apenas – uma das telas brasileiras brasileiras mais valiosas no comércio de arte internacional. Pesquise muito, muito, antes de ser devorado pelo Abaporu cibernético.

Cuidado com a mente artificial que come gente (pensamentos). Ela poderá transformá-lo num zumbi!

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Um Brasil de inclusão, onde todos tem um lugar.

Pela diversidade do nosso Brasil

A ilustração de Marcela Weigert representa o povo brasileiro. “Meu país é colorido e é lindo ver sua diversidade que deve ser sempre respeitada! Fiz esse desenho para os ativistas que lutam pela educação pública de qualidade em nosso país”.

Os seus desenhos, na maioria, tem o objetivo social de alertar sobre o preconceito, a violência e desigualdade social. Na ong Repórter Brasil, uma das contribuições para projetos de conscientização sobre direitos humanos foi ainda esse ano, com a elaboração do caderno que trata da migração como direito humano em São Paulo. Veja aqui. 

O desenho acima foi utilizado para um projeto de educação no Pará. A proposta era combater o trabalho escravo contemporâneo que exige constante fiscalização por parte da sociedade.

IBGE

A última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD) realizada no ano passado, pelo IBGE, revela que a população de negros aumentou no país, em 14,9%.

“Segundo a pesquisa, em 2012, quando a população do país era estimada em 198,7 milhões de pessoas, os brancos eram maioria (46,6%), os pardos representavam 45,3% do total, e os pretos, 7,4%. Já em 2016, a população saltou para 205,5 milhões de habitantes (aumento de 3,4%), e os brancos deixaram de ser maioria, representando 44,2% (queda de 1,8%).

Os pardos passaram a representar a maior parte da população (46,7%) –aumento de 6,6%– e os pretos são agora 8,2% do total de brasileiros”, fonte: O Globo

Mulheres

As pesquisas feitas pelo IBGE também apontam que as mulheres ganham menos que os homens. Ver matéria sobre o assunto aqui.  Além de ser um país que possui mais 6,3 milhões de pessoas do sexo feminino do que o masculino.

Panorama

Num rápido panorama podemos observar um país com diversas diferenças raciais e sociais. Os dados acima citados passam superficialmente pela situação de diversidade, ao qual apenas foi considerado a cor, a condição da mulher, sem entrar nos detalhes de etnias, deficiência, opções sexuais, situação econômica… Alguns desses grupos sociais são minorias numa comunidade e sofrem preconceitos inadmissíveis para o século XXI.

Apesar da diversidade, o Brasil é um país em que seu povo, até então, viveu de uma forma pacífica essas diferenças.

 

 

con mio amico Chagal

Céu e inferno do surrealista Ismael Nery lembra o Brasil atual

Os limites entre o céu e inferno foram indefinidos na vida de Ismael Nery (1900-1934), artista plástico e poeta, um dos primeiros que transitou pelo surrealismo na arte brasileira. Sua personalidade, que desconhecia as fronteiras entre o tormento e o gozo, lembra muito os tempos conturbados do Brasil atual, nas discussões políticas. 

Ismael debatia-se entre o gozo da liberdade artística e a moral castradora da religião. O artista era um católico fervoroso e ia à missa todos os domingos. Inclusive, uma vez ou outra comungava. Informações retiradas da pesquisa do poeta, Floriano Martins, 

Nery e o amigo, artista Murilo Mendes (comunista), “dois notórios apóstolos do surrealismo no Brasil, não só acreditavam em Deus como iam à missa aos domingos”.

Um mito

Autorretrato 1927

“Vísceras que podem revelar a alma, a cruz que não exclui o gozo, o corpo que procura a alma. A comunhão entre os paradoxos marcou a obra de Ismael Nery, um dos artistas mais singulares da produção moderna brasileira. Habilidoso em conjugar aparentes contrários em sua obra, Nery acreditava que outra suposta oposição aquela que põe vida em terrenos distintos – nem sempre faz sentido”. 

O trecho descrito faz parte do catálogo de uma mostra do artista realizada em 2015, com curadoria de Denise Mattar e Tadeu Chiarelli. ‘Ismael Nery em busca da essência’.

Texto e curadoria maravilhosos!

Psicanálise

O catálogo veio a mim pelas mãos da filha que atua na área de Psicanálise. Ismael Nery é tema de estudos pelos profissionais, que têm interesse e veem em seus trabalhos uma referência de certas teorias. De acordo com os curadores, o artista sempre foi um enigma, que ‘encarava a arte como o meio catalisador através do qual podia expressar suas ideias’.

Para Chiarelli e Denise, não há espaço para que sua obra seja rotulada e encaixada nas classificações habituais. “Nas palavras do poeta Murilo Mendes, seu grande amigo, Nery sempre foi íismaelíssimo'”.

Surrealismo

Sem questionar o olhar dos dois curadores, acho que Ismael Nery namorou com o surrealismo, também transitou no cubismo e foi muito ele mesmo em autorretratos em que se apresentava com suas diversas peles, anjo ou demônio. Também foi singular ao retratar a esposa, a amada Adalgisa, em sua curta vida. Morreu aos 30 anos, de tuberculose fulminante.

A fase mais metafísica e surrealista foi no período em que adoece e descobre a fragilidade de seu corpo, da matéria. Suas obras são visões insólitas de sonho, alternadas com imagens anatômicas de vísceras à mostra.

Adalgisa

Adalgisa era bela. Uma mulher orgulhosa, altiva, inteligente e a relação com Nery foi marcante. Depois de sua morte foi escritora e jornalista combativa. O artista e marido, foi para ela seu mentor e orientador intelectual. “Sempre me encontrei atraída pela sua inteligência”.

O casal promovia e participava de reuniões com intelectuais e artistas em sua casa, de amigos e em bares. Nery era brilhante e sempre dominava os argumentos e foi construindo em torno dele uma espécie de respeito, uma homenagem que o deixou um tanto narcisista.

A família de Ismael Nery teve grande influência em suas obras. A mãe era uma figura trágica, enlouquecida pela morte do marido e um filho. Tinha crises nervosas e se vestia com o habito da Ordem Terceira de San Francisco. Passava a madrugada gritando, escândalo encoberto pela irmã que tocava piano para abafar o som. Pela manhã, às seis horas, as duas saiam para missa e dirigiam-se à igreja em calçadas diferentes.

Adalgisa relatou o comportamento em uma autobiografia A Imaginária, 1959. O seu maior sucesso literário.

Desejos de Amor. 1932

Poesia

O final da vida de Ismael Nery (morreu com 33 anos) foi marcado pela insegurança, fase entre as duas grandes guerras mundiais. Sua poesia era um reflexo desse tempo conturbado e ao mesmo tempo criativa. Apesar de passados quase cem anos de sua morte, o seu legado na poesia é muito atual.

“Se o desenho de Nery surpreende, sua poesia é assustadoramente atual”, afirmam os curadores. Pelos seus versos pode ser possível imaginar Raul Seixas cantando, ou Cassia Eller:

Meu Deus, para que pusestes tantas almas num só corpo?

Neste coro neutro que não representa nada do que sou

Neste corpo que não me permite ser anjo e nem demônio”

Mais interessante ainda é seu testamento escrito em novembro de 1933. São palavras dirigidas a Deus.v Vamos destacar os últimos parágrafos e pelo quais vale lembrar a transcendência do homem pela poesia.

(…) Que é a vontade do povo? Que é o bem geral? Já fizestes, com a ciência que tendes, a psicologia de um chefe?

Por que não acreditar em Deus, quando acreditais até nos regimes políticos? A humanidade, como as plantas, precisa de estrume.

Dos nossos corpos renasceram aqueles corpos gloriosos que encerram as almas dos poetas, aquele de que nós já trazemos o germe.

Tudo foi feito no princípio – porém tudo só existirá realmente em tempos diversos.

Os poetas serão os últimos homens a existir, porque neles é que se manifesta a vocação transcendente do homem.

Todo o homem recita um poema na véspera de sua morte. A humanidade recitará também o seu nas vésperas da sua, pela boca de todos os homens que nesse tempo serão poetas.

 

Testamento completo: Obvious