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Olhar de um cineasta imigrante aos ‘Santos de Casa’ potiguares

O ditado popular ‘santo de casa não faz milagres’ inspirou o jovem cineasta australiano Alasdair Keith Gardiner  a produzir e dirigir o documentário ‘Santos de Casa’ com 12 artistas potiguares. “O caminho para esses artistas locais do Rio Grande do Norte é feito de ‘barro’. As histórias deles são ‘barras’. Fica para cada espectador dizer se eles fazem milagre ou não”, afirma o cineasta.

As filmagens começaram em 2017 e captaram 50 horas de imagens e entrevistas, que atualmente estão sendo editadas e a previsão é de até o final do ano finalizar o documentário para veiculação em cinemas e festivais. Vale lembrar que o olhar de um cineasta imigrante  tem relação com dois mundos, aquele que ele vive e o que viveu.  A cultura de origem envolve-se com a nova, que consequentemente produz  uma narrativa mais rica em detalhes que passam desapercebidos de quem é brasileiro.

Um exemplo dessa mixagem de dois mundos é a análise que faz do nosso povo. “É minha impressão que as pessoas vivem muito intensamente aqui no Brasil. Possivelmente devido a isso, a cultura brasileira é muito voltada a contar histórias. Muitas pessoas aqui têm vontade de dizer quem são e o que já vivenciaram e isso deve fazer maravilhas com a saúde. Eu aprendo muito vivendo aqui. Essa aprendizagem aumenta o valor da minha perspectiva como cineasta. Colaborando com outros, daqui, no campo de cinema, como é meu desejo, enriquece cada trabalho mais ainda”. Alasdair vive em Natal desde 2016 e tem intenção de permanecer no Brasil.

Da esquerda para direita, Guaraci Gabriel, artista plástico, Alasdair e Nilson Eloy

Talentos únicos

No início era para ser um curta com a participação de um artista. Na medida em que as gravações desenvolviam-se e quanto mais as pessoas percebiam a seriedade do trabalho, Alasdair recebia novas indicações de artistas. “A partir daí, percebi que tinha como entrelaçar as histórias de alguns outros artistas que eu já conhecia na época. Esses 12 artistas são ligados entre eles, por serem pouco apoiados e pouco valorizados como artistas locais do RN; mas as suas histórias são, cada uma mais única que a outra”.

Em seu trabalho tinha como norma conhecer bastante da história do artista antes da gravação, para planejar melhor. Porém, segundo ele, com dois repentistas de São José do Seridó, por questões de logística, ele abriu mão dessa postura e viajou até a cidade para conhecê-los e gravar com eles. “Eu fui para lá, só sabendo que um deles tinha ficado cego antes de aprender a tocar. Imaginei que o relato fosse ser trágico. O que eu encontrei nele foi um otimismo que eu não conhecia antes. Essa surpresa foi bastante gratificante!”

Brasil

Alasdair é um jovem cineasta que começou a gostar do Brasil já na Austrália, quando cursava Belas Artes, com ênfase em cinema e trabalhava em bares e  restaurantes, onde também trabalhavam brasileiros. “Tive contato com brasileiros porque eram colegas de trabalho. Então, foi uma convivência constante e era um pessoal alegre e divertido”,  lembra. Esse contato despertou nele a vontade conhecer o país, que surgiu com a oportunidade de fazer um intercâmbio em 2010.

A partir daí não deixou mais de lado a ideia de viver no Brasil. Uma escolha tão certa quanto sua paixão pelo cinema. Quando pergunto: Por que escolheu ser cineasta?  “Eu não escolhi a profissão, foi a profissão que me escolheu”, brinca ele, jogando com o clichê. “Minha vida estava sempre, inconscientemente, se embrulhando em volta de cinema. Tenho a urgência e necessidade pessoal de trabalhar nessa área, como outros também têm. O que se tratou mais de escolha foi vir morar e trabalhar no Brasil”.

No Brasil já produziu e realizou alguns trabalhos. Foi responsável pelo audiovisual e operações técnicas na peça Tempo Real Time na FICA 2018,  na Casa da Ribeira em Natal. Em 2015, ainda na Austrália, foi assistente de direção  num curta metragem chamado Same As It Ever Was..  Roteiro, direção e produção de um curta de 2017 chamado O Milagre. E produção, direção, operação de câmera e som direto no documentário de longa metragem Santos de Casa e um curta desse ano de 2019 chamado Tchau, Mommy.

Meio de transformação

Ao ser indagado sobre a importância do cinema como um meio de transformação social, Alasdair  contou que um dos artistas, Guaraci Gabriel aceitou participar do documentário porque tinha assistido o filme ‘Sim Senhor’,  uma história cujo o personagem dizia ‘sim’ para tudo.

“Achei hilário isso. Eu tinha até re-assistido esse filme na noite anterior – mistérios da vida. Isso serve para mostrar como um filme, nesse caso ‘Sim Senhor’, é capaz de fazer a diferença, de formas inesperadas, na vida de indivíduos. E esse específico artista, Guaraci Gabriel, foca na mudança social, através do poder do indivíduo, em várias obras dele. No filme Santos de Casa,  a atriz potiguar Alice Carvalho fala da importância da representação na tela, das pessoas se verem refletidas por lá. Eu acho isso inegável. Acredito que as pessoas desejam essa representação. Imagine quanta diferença o filme Filadélfia fez para as pessoas sofrendo na crise da AIDS, por exemplo”.

No sentido do povo em geral, acredita que para o cinema ser um meio de transformação de uma sociedade dependerá de como cada pessoa interage com cada filme.

“No Brasil, como em vários outros países, a maioria, caso vão para o cinema, procuram assistir blockbusters que mostram violência à toa, só por mostrar, sem muita riqueza cinemática por trás. Os espectadores de filmes de arte são uma fração pequena da sociedade. Infelizmente, isso faz com que a programação de cinemas natalenses deixe muito a desejar.”

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Biblioteca Nacional de Viena

O poder transformador da literatura

Às vezes, sentada no meu cantinho da casa, fico pensando sobre as pessoas que afirmam não gostar de ler. Desde pequena tive dificuldade de entender como pode existir pessoas que não gostam, que não apreciam, que não querem dedicar parte do seu tempo a ler.

Não aquelas que não gostam de ler algo em concreto, mas o simples fato de não gostar de ler.

Fui estimulada à leitura desde pequena, escutando sempre do meu pai que a leitura tinha que ser algo prazeiroso, não uma obrigação. Via ele sempre com uma revista na mão, sempre lendo pelos cantos. Deve ser que puxou a minha vó, que andava na minha casa lendo tudo o que via, desde bula de remédios até dicionários.

Transformação

Só agora, com quase 30 anos começo a entender toda a revolução que se produziu dentro de mim, e de como a literatura foi uma das principais armas de transformação do meu caráter.  Muitas pessoas podem pensar que ler é um ato de ócio, de pura diversão. Outras de obrigação, de estudo. Mas antes do prazer e do ócio, a literatura tem outras funções, muito mais sociais e éticas que imaginamos.

Não nego que ler é um dos meus passatempos mais divertidos, junto com a escritura; a leitura não me trouxe só um novo vocabulário, uma forma de me expressar melhor, senão também novas perspectivas e pontos de vista e… acima de tudo, empatia com o próximo.

The school of life

Porque não faz muito tempo estive em Londres, na conhecida “Escola da Vida”. A Escola da Vida é um novo conceito de escola que dão cursos que aportam perspectivas e respondem a perguntas que a escola convencional não aporta e não responde. 

Quem pensa que é uma nova forma de visitar o psicólogo se engana. Os cursos são variados, mas todos enfocados a questões existenciais que nem os pais, nem o colégio, nem a sociedade, muitas vezes, dão conta de responder. Ela nasceu em 2006 em Londres ( e hoje já tem sede em São Paulo) com o objetivo de ajudar a questões que todos sabem que existem mas muitas vezes nos fazemos de surdos para a questão.

Quando estive em Londres, fiz vários cursos na The School of Life, mas o principal, o que eu estou escrevendo nesse artigo em questão é “como a literatura pode te ajudar a melhorar como pessoa”, ou, melhorando a pergunta, “pra que serve a literatura”?!

E, ainda que pareça um tópico simples, não é fácil falar sobre a questão. Ainda mais num país em que a maioria da população não lê, não tem acesso à literatura e nem são estimulados a ela. Falar de literatura no Brasil é mais complicado do que parece.

Ainda que eu tenha sido desde pequena estimulada à leitura, minha família está longe de ser aquela família idílica em que o pai ou a mãe mais se parece com o dono da livraria e conhece todos os títulos clássicos da literatura. A leitura e o prazer pela leitura vieram pra mim de forma gradual. Meus pais liam, mas não eram pessoas saiam com um Tolstoi o um Dostoiévski debaixo do braço; nem liam pra mim quando era pequena ou me aconselhavam leituras. Na verdade, eu aprendi na base da repetição; via-os lerem e queria ler o que eles leiam. Porém, sempre tive muita liberdade pra escolher aquilo que eu queria ler; e, estimulado pelos meus professores de literatura, acabei me interessando pela literatura.

Minha primeira fase foi a de experimentar, aquela que não tinha certeza do que gostava, mas seguia lendo; porque, de uma forma ou de outra, os clássicos me atraiam. Mas foi só na faculdade, já nos últimos anos dela, que entendi minha condição de escriba e de como os livros me chamam, me atraem e me transformam como pessoa.

Foi lendo Nelida Piñón (Coração Andarilho), que pela primeira vez senti vontade de escrever como ela; foi lendo a James Salter (Anos Luz) que comecei a empatizar com várias questões que até então eram alheias a minha pessoa. E hoje, estou dedicando uma segunda leitura a Érico Verissimo (Olhais os lírios do campo), porque, ainda que tenha lido com 16 anos e tenha me impactado, acho que certamente terei outra perspectiva da historia e descobrirei coisas que naquela época não tinha interpretado.

Foi através da literatura que pude entender o mundo em que vivemos; foi através da palavra escrita que entendi comportamentos, épocas, preconceitos. E é através dela que o mundo ainda pode se tornar um lugar melhor para se viver.

Criar consciência, memória histórica, empatia é muito mais fácil através da leitura, porque quem melhor que os livros pra ensinar a ver o mundo com os olhos de outra pessoa. Estimular a leitura no Brasil não é uma forma de ter um povo mais educado, que o faça aprovar nesses inúmeros testes que qualificam o nível de educação do país, sem na verdade dizer nada; senão o torna melhor, mas sábio e mais empático em todos os sentidos.

“A literatura transformou a minha vida, mas principalmente me deu a oportunidade de ver o mundo de cabeça aberta e olhos adiante. Com cada vez menos preconceitos ou juízos de valor. Entender que nem tudo é preto ou branco e de quantos lados a vida é feita é fundamental pra começar a entender o mundo que nos rodeia. E a literatura pode ser uma arma poderosa nesse sentido.”
AE

Partícula do Diabo

Está divertido ver na mídia as explicações sobre a descoberta da partícula subatômica que começa com um nome complicado, bóson de Higgs. Para simplificar, atribui-se um nome popular, chamando-a “partícula de Deus”. Mas pelo que se houve daqueles que querem entende-la está mais para uma partícula do diabo.

Agora as revistas semanais e os grandes jornais diários ilustram suas matérias sobre o assunto até com fotografias da tal partícula, tida como uma coisa fabulosa. Colocam informações sobre o peso do tal bóson, de 126 bilhões de eletro volts (e nem explicam que peso é esse que não é medido em quilogramas), falam de “nível 5 sigma”, do campo Higgs ( campo… de futebol?), do tamanho desse monstro, (dez elevado a menos quinze metros) sem falar de assuntos paralelos como o LHC – o “maior acelerador de partículas do mundo”, colisão de prótons e do famoso big bang. Um verdadeiro samba do criolo doido.

Na verdade essas coisas são muito mais teóricas que visíveis. Se um átomo é tão pequenino imagine seus componentes (diante dessas partículas, considerados gigantes) prótons e neutros no núcleo e elétrons na periferia. E ainda, são carregados com cargas negativas e positivas. Os elétrons são tão misteriosos que um GPS não apontaria sua localização porque –embora existam – tem presença incerta.

E que dizer de prótons que vivem juntos apesar de todos possuírem cargas iguais? Atribuem-se misteriosas “forças nucleares” para essa convivência. E aqueles prótons que tal como o super homem faz numa cabine telefônica, se transformam em nêutrons trocando partículas subatômicas e com isto fazendo a transubstanciação tão procurada na antiguidade?

Não seria mais confortável informar para a galera que o que se descobriu (ou pensa que se descobriu) foi uma fabulosa partícula subatômica responsável pela transformação de energia em matéria?

Fui professor de Física durante minha vida (hoje sou aposentado) e pertenci a uma escola que procurava simplificar as informações em vez de complicá-las em nome da ciência.  Uma vez fiz uma experimentação interessante sobre este assunto, confinando alguns grãos de feijão dentro de uma ampola de vidro hermeticamente fechada e com luz, água e nutrientes para que os feijões brotassem num sistema fechado.

Acompanhamos o crescimento das plantinhas pesando-as em uma balança de precisão da PUC, Curitiba, e para nossa surpresa, a massa do sistema diminuía a medida que a plantinha crescia. Isto se explica porque para formar a vida, ela “roubava” matéria e energia do meio. Como o fundamento “vida” não tem peso, o sistema pesava cada vez menos. E na morte, ele devolve toda essa massa adquirida (um ser humano perde 21 gramas quando pesado antes e depois de morrer).

Portanto, não existem somente as transformações lineares entre matéria e energia sob a responsabilidade do tal bóson. Na verdade são três componentes universais – matéria, energia e vida – cada um ocupando o vértice de um triângulo e trocando partes de si com os dois outros.

Simples assim.

 

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Claudia Lara tece e molda memórias do feminino

 Claudia Lara é a primeira da série  ‘Artistas’  que o PanHoramarte abre como espaço específico para falar de nomes atuais na arte e sobre a evolução poética de suas obras. Acompanho o trabalho de Claudia há vários anos  e o mais extraordinário de sua trajetória é a elaboração do conteúdo criativo. A artista é uma pesquisadora incansável e coloca em grau superlativo o feminino.

 

Neste momento, muito mais do que em todos outros de suas fases pictóricas, inspira-se na herança ancestral das mulheres de sua família. A beleza de sua obra está exatamente nisso, quando explora habilidades femininas pela costura e o bordado como  suporte às técnicas da pintura e do desenho. Além de usar a referência da fotografia como base na maioria de suas fases, a exceção da última que tornou-se “mais orgânica”, como diz a artista. Para o site oficial da artista paranaense clique aqui

Tecido

O tecido, a linha e a lã estão presentes nesta transferência poética que se elabora pelo tecer  e o delinear  conceitos da vida. No início dos anos 2000, Claudia começou a manusear o tecido usando a técnica da colagem e textura acrílica, em figuras humanas. Com uma poética que visita outros horizontes que transcendem ao olhar da realidade.

“Na verdade, não foi uma fase apenas; retalhos, a costura, a linha, o tecido são recursos utilizados para a elaboração das minhas obras e sempre fizeram parte de mim. É a mulher presente”, diz ela. Na sequência deixou a colagem de lado e passou para costura. “Retalhos que pertencem” trabalha com desenhos e fotos de família.

Sua trajetória artística é vibrante pelas cores e temas que utiliza. As séries ao longo de sua carreira demonstram toda a inquietude que marcam seu processo criativo. Slow Motiam, Bicicletas, Diversão, Cotidiano Desorientado, entre outros, usam a fotografia na base para desenvolver o desenho, a pintura e outros suportes.

O vídeo “Retalhos que Pertencem”,  dirigido por Thereza Oliveira, dá uma ideia de como a artista usa a imagem fotográfica, que é manipulada por meio do computador e durante este processo introduz o efeito pictórico.

 

Ninhos

A vibrante série ‘Ninhos’ dá início ao que ela chama de mais ‘orgânica’ e reafirma a força do feminino. A série traz para a superfície aquele lugar protetor, que acolhe, que é preciso preservar e que se camufla nos emaranhados de nossos pensamentos. “Um ambiente para estar”, como diz ela, sem deixar de destacar que esse ambiente é também o da cor e da pintura.

Mesmo sendo uma série mais orgânica, ela não deixa de ter a referência da foto. “Chegou um momento  em que joguei imagens com computador e projetor, imagens que fotografava e colocava em cima da obra  e dava uma nova camada, um novo ruído. E não adianta não querer essa referência, o uso da fotografia e das sobreposições fazem parte do meu processo criativo”, confirma.

Hoje Claudia Lara prepara-se para abertura da AVE MÃE, em setembro. Um mostra que vale uma matéria específica sobre ela porque reafirma o uso da costura, da linha, do tecido, e os transfere para arte. A artista eleva as habilidades restritas ao universo feminino e lhes conceitua na forma de refletir sobre o papel da mulher no mundo moderno.