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Mulherzinhas

Este fim de ano foi bastante corrido para mim; entre uma viagem e outra, não queria perder tempo para ler meus livros. Principalmente nessa época do ano me sinto muito unida aos grandes clássicos… especialmente aquele que tem cheirinho de Natal.

Desde pequena adoro o Natal. Antes gostava muito de ver toda a família reunida, com todos os primos, a casa cheia, a mesa farta e uma grande árvore montada em casa. Hoje em dia, vivendo fora, já me acostumei em reunir menos gente, ou às vezes ninguém; é certo que sempre monto minha árvore, maior que nunca, e me acostumei a fazer minhas próprias tradições natalinas que me permitem desfrutar e gozar dessa época do ano: chamo as pessoas para jantarem na minha casa, compro vinhos especiais, coloco os presentes debaixo da árvore, faço limpeza de roupa, livros e papeis todo fim de ano, me voluntario para servir jantas a famílias com menos recursos e procuro ler um clássico natalino todos os anos nessa data.

Ano passado li Contos de Natal de Dickens; esse ano foi um ano de um grande clássico que venho ensaiando anos para ler: Mulherzinhas de Louisa May Alcott. Curiosamente ano passado já pensava em lê-lo, quando saiu a edição especial do livro aqui na Espanha fui atrás e em nada estavam esgotados nas livrarias. Esse ano, como iam lançar o novo filme no cinema, acabei colocando como dever de casa ler o livro antes da estreia do filme, dia 25 de dezembro. Dito e feito…

Mulherzinha passou todo o Natal do meu lado, acompanhando-me todas a manhãs de frio e chuva que tive. Sabe aquele romance que te engancha do primeiro minuto e você não consegue parar de lê-lo até o final. Mulherzinhas é assim. Foram 350 páginas lidas a todo vapor, sem minutos de descanso. Quando estava fazendo outra coisa, lembrava do livro e instantaneamente queria voltar ao sofá e retomar a leitura.

Mulherzinhas conta a história das irmãs Jo, Amy, Beth y Meg, cada uma com uma personalidade diferente e aspirações distintas. Todas elas vivem juntas, numa casa relativamente humilde baixo a tutela da sua mãe, já que o pai estava fora lutando na guerra civil americana – embate que dividiu o Norte e o Sul do país entre 1861 e 1865. Passando por dificuldades financeiras, a mãe dessas meninas sai a trabalhar e em alguns momentos, elas são animadas a fazer o mesmo. De aí começa a história, que nada mais conta as aventuras de quatro irmãs que aspiram ser muitas coisas na vida, inclusive independentes e ser dona do seu próprio nariz.

Numa sociedade em que se educava as mulheres para casarem e terem filhos, sem dúvida, o livro de Louisa é muito progressista e extremamente feminista. Também lança algumas ideias revolucionárias; por exemplo, que as mulheres americanas, nessa época, aspiram mais a independência financeira que as europeias (dito em uma pequena passagem quando ingleses e americanos começam a competir num jogo de crianças).

As irmãs March, sem dúvida me conquistaram… principalmente Jo que queria ser escritora e independente. E Beth, com a sua bondade e amor pela música.

Tenho que dizer também que Mulherzinhas não tem um desfecho como esperamos… não é afã de fazer “spoiler”, mas esse livro é só a primeira parte da saga. E isso me deixou louca, porque quando o terminei, estava de viagem a Holanda, pensando que esse fim era meio estranho. Foi aí que, buscando na internet, me dei conta que essa era a primeira parte de dois livros. Estava fora e era incapaz de encontrar a segunda parte em espanhol para lê-lo. Pensei em comprar em inglês, mas onde eu estava também não tinha muitos livros em inglês. Que decepção!

Voltei a Madrid pensando na segunda parte do livro antes de vê-lo no cinema. E não é que não tinha. Ou você comprava “Mulherzinhas”, obra completa ou comprava só o primeiro tomo. O segundo não foi lançado. Quase tive um ataque.

Acabei indo ver o filme, e claro, um grande spoiler de toda a obra. Já me dei conta de tudo que acontece na segunda parte… aparte do fim. Sim; para os apaixonados da leitura, as vezes é muito bom ir no cinema e ver que a direção do filme foi tão bem-feita que não destripa o final. Na verdade, abre duas possibilidades e, no fim, não se sabe o que realmente passou no livro. Respirei aliviada.

A pergunta que não quer calar é: o filme é bom? Vale a pena? Eu digo que o filme é bom… para todos aqueles que leram o livro. Se você não é leitor, nem pensa em lê-lo o filme lhe deixa meio perdido às vezes. É uma narrativa de recordações, em que a protagonista, vivendo no presente, se lembra de muitas coisas do passado. Não tem uma linearidade novelesca que muitos romances de época têm.

Pelo menos foi isso que senti dos meus amigos que vieram comigo ver o filme e não leram o livro. Não entenderam muito.

Por outro lado, sempre sugiro ler o livro antes de ver o filme. Porque os personagens que se formam na sua cabeça sempre vão ser infinitamente melhores que qualquer atuação.

Certo que muitas atuações me decepcionaram, e muitos personagens não tinham nada a ver com aquilo que imaginava. Se cortaram partes cruciais do livro, dessas que lhe deixam chorando desconsoladamente… mas tive que perdoar ao diretor, já que foi um filme de natal, e, no fim das contas, nessa época a esperança renasce em nós.

Mas como não vim aqui falar do filme, senão do livro, os recomendo a todos aqueles que gostam de livros e querem ler romances com bons sentimentos, que leiam a Louisa May Alcott, que leiam “Mulherzinhas” e que se deixem levar por esse espirito de paz e esperança que nos acompanha cada começo de ano.

Feliz 2020!

 

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Precioso legado de Raquel Taraborelli que buscou em Monet sua inspiração

A arte se despediu há pouco (12/01)do melhor que o impressionismo brasileiro produziu. Raquel Taraborelli, uma engenheira que descobriu mais tarde que faria da sua vida a arte de viver, doou ao mundo não só seu talento, como pintora e jardinista, mas uma vida de surpreendente generosidade.

Interessante, o que me atraiu primeiro em sua personalidade foi seu lúdico jardim de dálias, rosas e lavandas – justamente minhas flores prediletas – publicado pelas melhores revistas da época! Imediatamente enviei-lhe um e-mail e perguntei sobre uma linda e delicada flor amarela que inundava a frente de sua casa que construiu em Votorantim-SP.

 

Ela, não só me respondeu como me enviou pelo correio, um envelope (que guardo até hoje) com as sementes do “velocino de ouro”, nome da flor encantada. Nasceu assim nossa amizade, muito antes inclusive, de eu pensar em fazer o curso superior de Belas Artes em Curitiba. Compareci, felizmente, para sua última vernissage na renomada Galeria André, em São Paulo (a qual lhe garantiu um sadio mecenato desde o  início de sua trajetória), como depois fui hóspede de sua vivenda linda em estilo provençal, onde tive o privilégio de ter, ao mesmo tempo, aulas quase exclusivas neste lugar de sonhos e o desfrute da beleza e dos aromas das flores de seu jardim que jamais pensei um dia conhecer.

Raquel também tinha hábitos que me surpreenderam: não via televisão (pois nada considerava melhor que fazer uso de uma vida mental saudável), se alimentava moderadamente, andava muito, inclusive fazia trilhas culminando em “flanar” pelo caminho de Compostela assim como acordava duas vezes por semana, às 04h00 da manhã, para servir café da manhã para “homeless” (sem-teto) de Sorocaba.

Nunca esqueci de um dia onde me disse que um “ministro” do STF lhe fez uma encomenda mas nem sabia quem era, pois não via TV, muito menos jornais, sendo que somente soube quem o sujeito era, por uma vizinha que lhe questionou o que a “autoridade” estava fazendo na residência dela. Coisas assim, bem Raquel. Também era muito simples no vestir e jamais alguém a reconheceria como a mestre do impressionismo brasileiro.

Nas aulas, era enérgica e me fez ver por outro olhar, desde as formas e cores até o percurso que meus pincéis deveriam seguir. Nunca esqueço do onírico azul hortência que me “obrigou” a utilizar em quase todos os movimentos de meu inesquecível aprendizado. Sem falar que a diva ainda dominava a aquarela como ninguém e não foram poucas as vezes que a vi, com autoridade, chamar a atenção de outros  seus discípulos.

Raquel era de uma persistência absurda no alcance da pincelada ideal, principalmente na busca das de Monet, seu paradigma confesso. Foi tanta resistência pictórica ao lugar comum, que foi várias vezes ao Museu Dorsay, em Paris, estudar passo a passo as pinceladas do mestre, onde através dos livros específicos franceses que comprava, analisava e rabiscava cada folha e flor pintada pelo gênio de Giverny!

Nada vi igual!

A par de sua personalidade forte, era muito sensível como me demonstrou na poesia que lhe fiz na sua última vernissage, fazendo uma postagem pública em sua página de artista, agradecendo o presente. Mal ela sabia que o presente maior era ter lhe conhecido. Raquel nos deixou um legado mas ao mesmo tempo um vazio profundo a ser preenchido. No entanto, como acredito que nada se perde, tenho certeza de que sua arte repercutirá no tempo e transcenderá os mundos, fazendo quem sabe, até Monet se curvar ao lhe receber de braços abertos…afinal, ela merece!

” T E U S . S A C R A M E N T O S

Qual natureza despenca em flores
Onde pétalas denunciam prantos
Senão as pinceladas de tua alma
Com o retrato de tua calma
Transbordando um painel de sentimentos…

Como num olhar vencido
Reinam em ti mil matizes de paisagens
Tecendo telas num desfile de imagens
Do melhor estilo ao tom da melhor obra
Sangrando cores num universo de momentos…

Testemunhando o belo sempre
Imaginando linhas a cada olhar
Traços firmes caminham teu trilhar
Eternizando lúdicos apelos
Transformando em fel o pior de todos os tormentos…

Credenciando nobreza em ti
Ao compor manhãs de corações prementes
Ao testemunho de sóis poentes
Tu fostes a escolhida entre tantos dons latentes
Luarizando sagas e venerando vidas com teus sacramentos…”

Novembro 18, 2014.
Suzel Koialanskas

 

 

Pintura feita pelo arquiteto francês Pascal Coste, que visitou a Pérsia em 1841. Fonte: Wikipédia

Arte salvou Kyoto na segunda guerra. Quem salvará os tesouros artísticos do Irã

Kyoto, antiga capital do Japão, era a primeira na lista das cidades-alvo da bomba atômica no final da segunda guerra mundial. Salvou-se por sua importância cultural e artística. Numa possível guerra entre Irã e EUA quem convencerá Trump a não usar a bomba atômica num país, cujo território é habitado desde os tempos pré-históricos, que em cada centímetro de sua terra a história escrita da Pérsia está ali registrada desde 3.200 a. C. Os tesouros  são inestimáveis, arqueológicos e culturais.

Tente elaborar um e-mail convincente a Trump que o faça parar de ‘brincar de mocinho e bandido’ e não colocar em risco vidas, além da possibilidade de destruir um importante patrimônio histórico da humanidade. Escrever para Trump foi um exercício feito depois de uma aula de inglês com Alasdair Gardiner,  australiano, cineasta e professor, repleta de informações sobre Kyoto e Irã. Experiência fantástica, em inglês e em conhecimento.

Kyoto

Alguns historiadores dizem que o secretário de Guerra dos EUA, Henry Stimson, tinha um motivo pessoal para poupar Kyoto do bombardeio nuclear que arrasou Hiroshima e Nagasaki. A antiga capital do Japão estava no topo da lista e seria a primeira a ser bombardeada, de acordo com registros históricos da segunda guerra mundial. Kyoto abriga mais de 2.000 templos budistas e santuários xintoístas, incluindo 17 Patrimônios da Humanidade

Um artigo na BBC publicado em 2015  conta que houve uma pressão muito grande por parte de Henry Stimson para retirar Kyoto do alvo. O homem que salvou Kyoto da bomba atômica. A cidade de Nagasaki nem estava na lista e foi colocada para substituir Kyoto uma semana antes do primeiro bombardeio. As boas condições climáticas de Hiroshima selaram o destino da cidade, que recebeu a primeira bomba, em 6 de agosto de 1945.

“Kyoto foi visto como um alvo ideal pelos militares porque não havia sido bombardeado. Muitas indústrias foram realocadas e algumas grandes fábricas estavam lá”, diz Alex Wellerstein, historiador de ciências do Instituto Stevens de Tecnol ogia. 

“Os cientistas do Comitê de Alvos também preferiram Kyoto porque era o lar de muitas universidades e pensaram que as pessoas de lá seriam capazes de entender que uma bomba atômica não era apenas mais uma arma – que era quase um ponto de virada na história da humanidade”. ele adiciona.

Irã

Hoje onde é o Irã, na antiguidade foi centro do grande império persa que se estendeu da Grécia até a China. Seu patrimônio histórico e arquitetônico lembra a história de Mil e uma Noites. Mesmo numa visita virtual percorrendo os olhos em alguns de seus edifícios mais antigos  com sua torres abaloadas poderá sentir-se sobrevoando num tapete mágico.

Cidades como Arg-e Bam perto do deserto de Dasht-e-Lut que foi importante ponto estratégico na rota da seda que teve seu auge entre os séculos VII  até o XI.

 

Em Teerã, o visitante poderá encontrar o Golestan Palace construído entre os séculos XVIII e XIX, em Isfahan a cidade mais visitada do Irã e onde está a segunda maior praça do mundo, que só perde para a Praça da Paz Celestial em Pequim – a Praça de Naqsh-e Jahan.  Os famosos Jardins Persas, Mesquita Shah, Persépolis e uma infinidade de mesquitas construídas e decoradas com mosaicos coloridos.

Mas antes de escrever para Trump lembrem-se que o país é rico em petróleo e que as indústrias bélicas não podem parar de funcionar. Certamente existe um comitê que une todas elas e quando o mundo se acalma o principal tema em discussão é: “Onde vamos começar uma guerra”?

 

With Flowers, Weiwei- 2013. foto retirada do site do artista.

O que trouxe o ‘espírito do tempo’. Zeitgeist!

O uso indiscriminado da tecnologia da comunicação e atrelada a ela, todas as controvérsias. Mesmo assim, viva a tecnologia, o espírito do tempo. Zeitgeist!  um termo em alemão usado para definir a cultura que predominou na época.  

Mesmo vivendo na era da pós-verdade (pós- verdade só foi um jeito bonito de denominar a mentira vil)  muitos artistas não teriam voz para gritar, chocar, provocar, denunciar como profetas de seu tempo. Sem a tecnologia, o artista chinês Weiwei  não teria como protestar em dimensão global sobre a apreensão injusta de seu passaporte pelo governo da China, depois de uma prisão secreta e perseguição.      

                   

Foto retirada do site do artista. Bicicleta que recebia diariamente flores colocadas pelo artista.[/caption]

Durante 600 dias, quase dois anos o dissidente artista chinês, catalogou buquês de flores colocados numa bicicleta, em frente a seu ateliê, em Pequim, em troca do passaporte confiscado. Esta obra intitulada With Flowers foi fotografada e veiculada em seu site e compartilhada nas suas mídias sociais em 2013. Seus admiradores compartilharam também com o hastag – #flowersbyfreedom – e foram milhares de compartilhamentos, o que gerou em 23 de julho de 2015 a devolução de seu passaporte.

Florescer

O resultado dessa poética artística inspirou Weiwei a criar 16 painéis de porcelana com milhares de delicadas flores que percorrem o mundo, nas inúmeras exposições que promove. Florescer é uma instalação que remete à ação diária do artista de chamar atenção para a restrição do Estado às liberdades individuais. Também para lembrar a campanha o Desabrochar de Cem Flores (1956- 1957). Um período na história da República Popular da China durante o qual o Partido Comunista incentivou a expressão das mais variadas escolas de pensamento (inclusive anticomunistas) para corrigir e melhorar o sistema.

A artista indiana Shilpa Gupta, deu voz aos poetas presos e silenciados em suas crenças com o apoio da tecnologia, com uma visceral instalação sonora  For In Your Tongue, I Can Not Fit -100 Jailed Poets, este ano na Bienal de Veneza. Sem a tecnologia, o americano Bill Viola nem nascia como artista. Ele é um dos pioneiros na exploração de novas mídias nas artes visuais. Conheci sua fascinante obra Três Mulheres, na Bienal Internacional de Curitiba, em 2015, exposta na Catedral.

São centenas, inúmeros  e talentosos artistas que se utilizam da tecnologia e hoje têm o apoio de suas mídias sociais para expor suas ideias, compartilhar seus anseios como testemunhos de um tempo que não deixará vestígio e nem memória, como as formas artísticas delineadas no duro mármore branco de grandes artistas do passado. Ainda assim, continuo apostando na narrativa artística da tecnologia. É o espírito do nosso tempo.

Vale lembrar que antes de Weiwei criar Florescer, os painéis com delicadas flores em porcelana, o artista a fez existirem na vida real. Singelas flores coloridas que abarcavam um conceito tão grandioso e significativo! 

Florescer é preciso para um novo mundo, mais solidário e com sistemas políticos mais justos, pois até hoje a humanidade ainda não conseguiu achar um denominador comum para as organizações sociais que contribuam para o desenvolvimento do homem, com liberdade e qualidade de vida!