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Notas sobre Charles Bukowski: “A vida é uma aposta perdida”

 

Por Erol Anar / Charles Bukowski nasceu na Alemanha, filho de um soldado americano, aos três anos mudou-se para os Estados Unidos com seus pais.

Sua vida foi difícil pelo sofrimento com as dificuldades sócio-econômicas pelas quais sua família passou. Teve acesso a livros e leituras apenas nos recintos das bibliotecas públicas.

Charles Bukowski (1920-1994) viveu nos Estados Unidos por quase toda sua vida. O escritor foi uma criança atormentada  por um pai extremamente autoritário e que o espancava quase todos os dias, teve dificuldades de socialização e  encontrou muito mais espaço para estabelecer sua rotina diária ao lado de vagabundos e prostitutas.  Publicou muitos poemas, cujos temas preferidos eram mulheres, bebidas e corrida de cavalos. Bukowski dizia que era do “mau”. Ele escrevia o que pensava, sem censura, não tinha meio-termo,  tanto era amado como odiado, mas sua literatura é profundamente filosófica em relação a compreensão da vida.

O lado sarcástico, polêmico e obsceno do poeta e escritor Charles Bukowski  fascinou gerações de jovens nos anos 70, ele publicou mais ou menos 50 livros.

“Misto Quente” é um romance de formação com traços autobiográficos considerado por muitos como o melhor livro do autor. O livro narra a infância do seu alter egoHenry Chinaski, durante a recessão pós 1929, menino de origem alemã, pobre, com um pai autoritário beirando a psicopatia, uma mãe passiva, nenhuma namorada e com muitas espinhas. Ele se vê apenas com a perspectiva de servir de mão-de-obra barata em um mundo cada vez menos propício às pessoas sensíveis e com problemas. Este romance é sem dúvida uma das obras mais comoventes e mais lidas de Charles Bukowski. Parece que Bukowski gostava do escritor russo Dostoíevski por causa disso, porque Dostoievski perguntou em um dos seus escritos: “Quem não quer matar seu próprio pai?”

“Eu não tinha interesses. Eu não tinha interesse por nada. Não fazia a miníma idéia de como iria escapar. Os outros, ao menos, tinham algum gosto pela vida. Pareciam entender algo que me era inacessível. Talvez eu fosse retardado. Era possível. Frequentemente me sentia inferior. Queria apenas encontrar um jeito de me afastar de todo mundo. Mas não havia lugar para ir. Suicídio? Jesus Cristo, apenas mais trabalho. Sentia que o ideal era poder dormir por uns cinco anos, mas isso eles não permitiriam.” [1]

Bukowski era criança durante a recessão pós 1929, essa recessão foi a causa da sua pobreza.

“Acho que o único momento em que as pessoas pensam em injustiça é quando acontece com elas.” [2]

Verdadeiro romance de formação com toques autobiográficos, Misto-quente cativa o leitor pela sinceridade e aparente simplicidade com que a história é contada. Estão presentes a ânsia pela dignidade, a busca vã pela verdade e pela liberdade, trabalhadas de tal forma que fazem deste livro um dos melhores romances norte-americanos da segunda metade do século XX. Apesar de ser o quarto romance dos seis que o autor escreveu e de ter sido lançado quando ele já contava mais de sessenta anos, Misto-quente ilumina toda a obra de Bukowski. Pode-se dizer: “quem não leu Misto-quente, não leu Bukowski.” [3]

  • Misto Quente: infância e adolescência problemática;
  • Factótum/ou Cartas na Rua: a vida ruim, sem perspectiva de melhoras;
  • Mulheres: o poeta já era conhecido, mas possui uma aversão àqueles que o excluíram a vida toda e agora o adoram;
  • Hollywood: o autor famoso que começa a questionar se não estaria se vendendo ao escrever um roteiro para um cineasta famoso. [4]

Segundo ele, o álcool é um deus agradável

Nos seus livros há uma descrição de sua autobiografia. Normalmente, quando descreve através da narrativa do protagonista, sobre o incidentes da sua própria história. Tem uma linguagem sem censura e direta, uma linguagem que se purifica do tabu e das regras sociais. Considere-se que o autor e o leitor dialogam sobre o lado mau existente em cada um. Os personagens marginalizados dos livros são: profissionais do sexo, alcoólicos, perdedores … Ironicamente, há uma aproximação entre os eventos que experenciam e a vida em  sociedade em si.

Charles Bukowski se qualifica como uma pessoa apolítica. Segundo ele, o álcool é um deus agradável. [5]

No entanto, eu discordo que ele é apolítico, mas não se colocou numa missão política. Ele critica o sistema, a sociedade e permanece contra a tudo estabelecido como regra. Critica às vezes filosóficamente, mas desprovido de qualquer crítica disciplinar dirigida. Escreve direto sem auto-censura e de maneira simples, porém coloca os aforismos entre as palavras e isso dá profundidade aos seus textos.

“Não pareciam ruas boas , muitas vezes não parecem mesmo.”

Às vezes seus textos demonstram que ele fica tão emocional quanto uma criança:

“Eu estava bêbado,caminhei para o meu quarto. Havia uma lua cheia em Nova Orleans. Eu andei por um tempo e começou a fluir lágrimas. Uma torrente de lágrimas ao luar. Em seguida, parou, eu sinto que elas estão secando no meu rosto, minha pele estava tensa. Quando entrei no meu quarto e sem acendar a luz deixei meus sapatos minhas meias e fui para a cama… quando eu acordei perguntei pra mim mesmo: qual cidade agora?… qual trabalho?….  Levantei-me,   coloquei minhas meias e meus sapatos e fui pegar uma garrafa de vinho. Não pareciam ruas boas , muitas vezes não parecem mesmo. Elas foram planejadas por seres humanos e pelos ratos, e se você vive nelas você teve que morrer.” [6]

O apelido de Bukowski é Buk e o nome utilizado em suas obras são Hank e Henry Chinaski.  Ele contava sobre Los Angeles, a cidade na qual morava. Foi influenciado por Hemingway e Dostoyevsky. Escreveu cerca de 50 livros, alguns de seus trabalhos foram filmados e viraram musicais tambem, como  Anthrax, Apollo 40, Modest Mouse, Leftover Crack, Bad Radio, Eddie Vedder, Red Hot Chili Peppers e seus poemas viraram composição musical nas letras dessas bandas também. No livro “Hollywood”,  Bukowski escreveu uma anedota vivida por ele, Mickey Rourke ator protagonista do seu livro que virou o filme Barfly (neste filme há uma aparição silenciosa do próprio Buk),  recebeu 750 mil pela sua atuação. Porém Buk pergunta: quanto o escritor ganhou, você sabe? E responde: “ 10 mil”. Também pergunta enquanto Mickey Rourke estava sob os holofotes e sendo fotografado: Onde estava o escritor que criou seu famoso personagem? Ele  responde: “ estava no lado escuro, olhando a cena e bebendo.”

Álcool, mulheres e corridas de cavalos eram sua paixão. Ele não é diferente das outras pessoas, quando critica os outros , critica ao mesmo tempo a ele mesmo também. Não tentava ter razão, não ligava para o que as outras pessoas irião pensar sobre ele e suas escritos.

“Eu gosto de homens desesperados, homens com dentes quebrados e mentes quebradas e caminhos quebrados. Eles me interessam. Eles estão cheios de surpresas e explosões. Eu também gosto de mulheres vis, malditas, bêbadas com meias soltas e rostos de máscaras desleixados. Estou mais interessado em pervertidos do que nos santos. Eu posso relaxar com vagabundos, porque eu sou um vagabundo. Eu não gosto de leis, costumes, religiões, regras. Eu não gosto de ser moldado pela sociedade. ” [7]

Segunda muitas revistas, ele é um dos escritores americanos mais imitado e influente.

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“Quando você bebia, o mundo continuava lá fora, mas por um momento era como se ele não o trouxesse preso pela garganta.” [8]

Nos Estados Unidos, ele foi excluído durante anos pelos críticos literários do mundo da literatura. Eles classificaram as escritas de Bukowski alegando tratar-se de “lixos” e textos “fora da literatura”. Contudo,  primeiramente na Europa, depois dos Estados Unidos o escritor foi reconhecido como bom e inusitado, um estilo único,  ficou mundialmente famoso. Há muito mais fãs e leitores para Charles Bukowski do que para a maioria dos outros escritores. Mas, ainda assim,  ele odiaria encontrá-los pessoalmente.

“A gente tem que ser um pouco duro, senão eles ficam aporrinhando.  Muitos que acham que, de alguma forma, você vai convida-los para entrar e beber a noite toda. Prefiro beber sozinho. Um escritor não deve nada, exceto ao seu texto. E melhor leitor e melhor pessoa são os que me recompensam com sua ausência.” [9]

 “Tudo é uma prisão!”

Eu escrevi assim no meu livro “Café da Manhã Existencialista”:

“Na biblioteca da casa onde me hospedo achei um livro de Bukowski e , como é um livro que aprecio, comecei a relê-lo. Depois de um tempo (antes eu gostava mais dele do que agora) lendo, eu me aborreci, pensei :  O que eu gosto nos livros dele? …Na realidade, à primeira vista ele parece um homem asqueroso! Talvez ele seja, e nem fazia esforço para tirar essa impressão para seus leitores. Ele vendeu seus amigos, não acreditava em valores, mulheres para ele eram objetos para sexo, ele xingava todo mundo e todas as coisas. Mas quando ele fazia isso, (ele não alegou isso), tinha uma visão filosófica no seu modo de enxergar a vida. O nome do livro que estou lendo é “ Histórias das Loucuras Comuns “ , é uma história que toca os leitores como os demais livros dele. Estou pensando que Bukowski sempre escreveu sobre as mesmas coisas:  Corridas de cavalos, mulheres, sexo,  álcool, e vômito. Só que ele tem uma coisa que o diferencia dos outros: ele expõe sua intimidade asquerosa, e isso o fez viver em paz. O verdadeiro afirmado por Sartre é que não somos puros! Somos asquerosos!

Numa história do livro, uma menina de quatro anos pergunta para o seu pai o seguinte: “ – O que é prisão?”  . O pai dela responde: “- Tudo é uma prisão!”. Eu concordo com ele. Na realidade, quando avaliamos nossas vidas, milhões de vezes nos vemos presos pelo sistema da sociedade e por nós mesmos. Como nosso corpo dividido em milhares de partes, cada parte presa numa cela.

Todas as pessoas que nós conhecemos, para nós viraram uma prisão e nós para eles também. Nós temos muito medo da eternidade ilimitada, como se estivéssemos numa floresta distante, com olhos brilhantes de lobos selvagens nos observando, nós sentimos que tudo esta sem remédio ou solução, ficamos desnudos. Corremos muito rápido para nossas celas com nossos desejos, quando entramos nelas nosso corpo e alma ficam calmos, achamos que no escuro ficamos  melhor.” [10]

O filosofo frânces Jean Paul Sartre afirma que “o inferno são os outros.” Bukowski, afirmou que esse aforismo de Sartre acertou exatamente no centro do alvo.

“Não há nada mais para se lamentar a respeito da morte do que se lamenta o crescimento de uma flor. O que é terrível não é a morte, mas as vidas que as pessoas vivem ou não vivem até suas mortes. Elas não honram suas próprias vidas, elas mijam em suas próprias vidas. A maioria das mortes das pessoas é um engano. Não sobrou nada para morrer” [11]

Bukowski tinha uma abordagem especial e irônica sobre os acontecimentos. Por exemplo, ele explica como ocorreu a extinção dos dinossauros:

“Daqui a 4.000 anos, não teremos pernas, nos arrastaremos sobre nossas bundas, ou talvez só rolemos como tumbleweeds. Cada espécie destrói a si mesma. O que matou os dinossauros foi que eles comeram tudo à sua volta e depois tiverem que comer uns aos outros e com isso só restou um e filho da puta que morreu de fome.” [12]

 Bukowski é um membro de a “Beat Generation (Geração Beat)?”

Segundo alguns críticos, Bukowski é um membro da “Beat Generation (Geração Beat)” mas ele mesmo não se via nessa categoria. Uns dos demais escritores importantes da Geração Beat são Jack Kerouac e Allen Ginsberg entre outros… Porém, Bukowski não gostava deles.   Ele queria ficar sozinho, sempre deixou claro que o melhor para ele era ficar sozinho do que pertencer a uma categoria qualquer que fosse. Eu acho que Bukowski estava certo, seu estilo e sua perspectiva de vida era muito diferente dos outros escritores da Geração Beat. Os escritores da Geração procuravam a liberdade e queriam mudar o mundo, como observou Jim Morrison. Bukowski, não mudou o mundo porém mudou a literatura.

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“É isso que as pessoas querem: mentiras, mentiras maravilhosas. Eles precisam as mentiras. As pessoas são idiotas. Isso vai ser facíl para mim.”[13]

Bukowski não se interessava por nada, não tinha preocupações sociais. Não pretendia mudar o mundo também. Queria só ficar sozinho e escrever sem perturbação. Ele fazia seu papel e era uma pessoa associal. Não gostava dos outros escritores. Uma vez disse que só gostava dos escritores mortos.

Com  o estilo sarcástico de escrever e com o seu papel, ele é um  anti-herói tendo como alter-ego  “Hank” e “Henry Chinaski”.

“Às vezes, me sinto como se estivessémos todos presos num filme. Sabemos nossos falas, onde caminhar, como atuar, só que não há uma câmera. No entanto, não conseguimos sair do filme. E é um filme ruim.” [14]

Bukowski é uma pistola de suicídio que tinha uma bala na arma

Disse que era “apolítico” embora não fosse satisfeito com o sistema, ele também o critica:

“Nesse sistema não há nada para desenvolver, pode ser numa vila nem numa cidade. Não há algo que você pode desenvolver.”

Mesmo depois que ele foi detido pelo FBI.

“Lembro decomo oscaras de FBI estavam putos comigona viagem de carro. “EI, ESSE CARA ESTÁ CALMO DEMAIS”, gritou um deles, furioso. Eu não tinha perguntado por que tinham me pegado ou para onde estávamos indo. Não me importava. AApenas mais uma fatia da falta de sentido da vida. “AGORA, ESPEREM”, disse a eles. “ Estou com medo.” Isso pareceu fazer com que se sentissem melhor. Para mim, eles eram como criaturas do espaço sideral. Não conseguíamos nos relacionar.” [15]

Bukowski, foi investigado pelo FBI por causa de seus artigos no jornal subterreno “Open City (Cidade Aberta)” de Los Angeles. Ele era colunista desse jornal e publicou “Notas de Um Velho Safado”. Era um tablóide, foi lançado em uma base semanal entre os anos de 1967-1969.

 “Alguns dias são melhores do que o topo do edredom puxado ficar na cama.” (Mulheres)

Bukowski disse a respeito do autor do livro “ Pergunte ao Pó”, John Fante, “ ele era meu deus”. Mesmo depois de se tornar famoso ajudou a publicar os livros de Fante, na mesma editora que  publicava seus livros. Neste livro, Fante conta uma historia de um escritor pobre que lutava com a vida e depois teve um amor trágico. Bukowski gostava tanto desse livro porque parecia a história pessoal dele mesmo.

Jean Paul Sartre considerou Charles Bukowski como o  “melhor poeta dos Estados Unidos”.

Os poemas dele tem um simples texto, como olhar para uma planície, sem muito romantismo, longe de simbolos, imagens, relata os pequenos detalhes da vida cotidiana. Bukowski tem um livro chamado “Shakespeare Never Did This (Shakespeare Nunca Fez Isso)”, li anos antes, penso que então Bukowski é a antítese do Shakespeare.

 

“Nos todos vamos morrer, todos, que circo!”

Na lápide dele esta escrito “Don’t try (Nem Tente)”. Porém, ele tentou e deixou muitas folhas verdes atrás dele, viajou pelo mundo como o vento.

Morreu na Califórnia, aos setenta e três anos, de leucemia.

Descanse em paz Hank …

Termino esse texto com um poema de Bukowski:

poema nos meus 43 anos [16]

terminar sozinho
no túmulo de um quarto
sem cigarros
nem bebida—
careca como uma lâmpada,
barrigudo,
grisalho,
e feliz por ter um quarto.
…de manhã

eles estão lá fora
ganhando dinheiro:
juízes, carpinteiros,
encanadores , médicos,
jornaleiros, guardas,
barbeiros, lavadores de carro,
dentistas, floristas,
garçonetes, cozinheiros,
motoristas de táxi…
e você se vira
para o lado pra pegar o sol
nas costas e não
direto nos olhos.


 

 

 Referências

[1]  Bukowski, Charles: “Misto-Quente”, Editora: L&PM, 2012, Brazil.

[2]  Bukowski, Charles: “Misto-Quente”, Editora: L&PM, 2012, Brazil, pp. 219.

[3]  “Misto-Quente”, lpm.com.br

[4]  Marçal, Marcelo: “Bukowski é nova modinha das redes sociais”, papodehomem.com.br

[5] Bizio, Silvia:  Charles Bukowski: Quotes of a Dirty Old Man (1982)”, High Times.

[6] Bukowski, Charles: Notes of a Dirty Old Man”, City Lights Publishers; 2nd revised edition, January, 2001.

[7]  Bukowski, Charles: “South of North

[8]  Bukowski, Charles: Factótum”, Editora: L&PM, 2010, Brazil. pp. 55.

[9]  Bukowski, Charles: O capitão saiu para o almoço e os marinheiros tomaram conta do navio”, Editora: L&PM, 2003, Brazil, s. 8.

[10]  Anar, Erol: “Café da Manhã Existencialista”, Editora Júrua, 2009, Brasil.

[11] Bukowski, Charles: O capitão saiu para o almoço e os marinheiros tomaram conta do navio”,

[12] Bukowski, Charles: O capitão saiu para o almoço e os marinheiros tomaram conta do navio”, pp. 31.

[13] Bukowski, Charles: “Ekmek Arası (Misto-Quente)”, Editora: Metis Yayıncılık, Istambul, 2000, pp. 63.

[14] Bukowski, Charles: O capitão saiu para o almoço e os marinheiros tomaram conta do navio”.

[15] Age, pp. 49-50.

[16] Tradução do poema: Jorge Wanderley, revistabula.com

 

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Moda do mosaico tornou-se tradição em Monreale

Os mosaicos da Catedral de Monraele são magníficos

A pequena cidade de Monreale, na região de Palermo, na Sicília, é famosa e conhecida no mundo pela monumental Catedral construída no século XII, por vontade do rei normando. A população não chega a 40 mil habitantes. Grande parte dela mantém viva a tradição do trabalho artístico em mosaico, a mesma arte que reveste os oito mil metros quadrados do interior da Catedral e extasia quem visita o local.

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Comércio de arte em mosaico da família Parisi. Foto por Mari Weigert.
Arte que veio do Oriente

Nas ruelas antigas, em torno da igreja, diversas lojas e artesãos trabalham à vista do público difundindo a arte trazida do Oriente. Neste grupo de comerciantes encontra-se a loja dos Parisi. Monreale também possui uma escola estatal de arte (fundada em 1960), que surgiu da necessidade de formar profissionais na área. Isso porque foi observado que a maioria dos “souvenirs” vendidos aos turistas, na época, não era de artistas monrealenses.

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“Era inconcebível que os mosaicos e cerâmicas compradas por turistas não fossem produções locais, assim como era preciso recorrer a artistas de fora para realizar obras de restaurações na catedral, enquanto num passado tivemos artistas que brilharam como Pietro Oddo, no século XIV, Pietro Novelli, em 1.600, e os irmãos Zerbo, no século XIX e os Matranga, no início do século XX”, registra o blog de cultura de Monreale, para justificar a necessidade fundar uma escola pública de arte.

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A arte do mosaico, conhecida como Arte Bizantina, foi difundida em diversos países europeus no início do século XII por causa da conquista do Oriente pelo império romano e sua instalação em Constantinopla. Esta arte chegou à Europa pelo Sul da Itália. Possui uma estética fundamentada na harmonia das composições, na forma, na cor, no espaço, na luz irreal, que devia criar uma sensação de infinito e de eterno, para estimular a abstração. A técnica era muito utilizada nas antigas tradições artísticas orientais.

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A ‘alma’ das coisas

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Por Luiz Ernesto Wanke  –

“ Zélia, o Boris não quer morrer!”

“- Danado!”

Foi o pequeno diálogo que um jornalista ouviu, enquanto o  casal de escritores, Zélia Gatai e Jorge Amado trabalhavam numa sala ao lado. Na ocasião, ele esperava sua vez para uma entrevista com o casal.

Jorge  Amado sempre disse que seus personagens dialogavam com ele e isto eu mesmo descobri quando arrisquei escrever ficção. A partir de certo momento, a história ganha ‘alma’ e passa a controlar o desenrolar da ação. Com personalidade, aceita apenas o que ela quer.

Interessante que para o leitor este mecanismo se repete. Quantas vezes abandonamos a leitura de um livro porque não nos tocou? Há que ter uma cumplicidade solidária com a história e acima de tudo, que ela tenha uma ‘alma’ viva. É como uma fagulha que acende o interesse do leitor… Como conseguir isto?

Pois com todos os recursos modernos, incluindo o corretivo automático, hoje em dia não é tão difícil escrever, muito menos uma história. Mas despertar no leitor uma expectativa de maneira que aquele escrito desperte nele a vontade de dialogar com a história, isto sim é uma tarefa ingrata. Somente os melhores sabem.

Hoje em dia isto pode ser testado através das redes sociais. O que se posta muitas vezes é completamente ignorado e outras vezes desperta um rol interminável de comentários. Neste caso, seja o que for, aquela postagem carregou de forma implícita uma ‘alma’.

Quando estudei didática para ser professor, me ensinaram que a base fundamental de uma aula é a motivação dos alunos para que, num segundo momento, eles consigam absorver o conteúdo, a parte chata. Lecionei a vida inteira pensando nisto. Mas hoje constato que os sabidões pedagógicos estavam enganados. O que se deve despertar no aluno é de dentro para fora, ou seja, que este incentivo não seja apenas baseado numa conversa unilateral de quem quer que seja, mas na sutileza de se conseguir induzir nele uma expectativa, de tal maneira que ele passe a participar do assunto mesmo que silenciosamente. Resumidamente, que as aulas também tenham sua ‘alma’.

Na arte não é diferente. Por mais famoso que seja um quadro, ele não tem sentido se não dialogar com o observador. É por isto existem pinturas para todos os gostos. Se não as ‘entendemos’, sigamos em frente, pois sempre haverá quem goste.

Outro dia um dos meus filhos me contou sobre as maravilhas de um dorso de Rodin que ele vira num museu em São Paulo. Para sua sensibilidade, aquela peça não era um bronze frio e estático como parecia, mas um monumento à criatividade de um gênio. Exagero? Não porque ele soube ver e ‘ouvir’ naquele bronze uma beleza em profundidade, já que também é um escultor.

Esta ‘fala’ implícita também pode ser encontrada nos mais variados objetos. Sim, coisas comuns como um sapato velho, agora desprezado, mas que nos levou a tantos saudosos lugares ou ainda pode estar nas marcas de batidas uma velha bigorna, dos tempos que existiam sapateiros e até, como aconteceu com minha sogra, num macaco empalhado que dormiu por muito tempo no sótão da sua casa e assustou algumas gerações de crianças.

Meu velho pai antes de morrer quis viajar do interior para Curitiba somente para andar de pedalhinho no Passeio Público. Seu coração já estava fraco, mal podia pedalar, mas a tudo superou pela vontade de conversar com aquele barquinho. Porque era ele que lhe ‘falava’ de seus tempos felizes da infância e da juventude.

Enfim, se algo está chato e ‘sem sal’ sempre existe a possibilidade de colocar-lhe uma ‘alma’.

 

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Cores dos Afrescos de Vila Lívia sobreviveram à escuridão

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A sensação de que o tempo não passou e o império romano se movimenta e respira em todos os cantos de Roma se acentua quanto visitamos os sítios arqueológicos e as obras de arte da época, espalhados pela “cidade eterna”. O Museu Nacional Romano é um dos locais que exibe exemplos célebres da arte romana, que datam dos últimos anos a.C e do primeiro século d.C, com destaque aos magníficos afrescos encontrados num quarto subterrâneo, nas escavações do sítio arqueológico da Villa Livia, que sobreviveram à escuridão e foram transferidos para o Museu, onde hoje encantam o visitante pelo colorido vibrante e os detalhes da poética pictórica.

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Os afrescos estão expostos em uma das salas do Palazzo Massimo, sede do museu, e são notáveis por ser um dos exemplos mais conservados de como era um jardim romano, datado provavelmente dos anos 20 a 40 a.C. Estudos apontam como um “ninfeo”, lugar sagrado, fonte, bosque, santuário, da época helenística e romana, criado por Livia Drusilla, a terceira mulher do imperador Augusto. Pouco se sabe sobre estes afrescos, cuja sala, que parecia dar impressão de caverna, tenha sido utilizada como algum refúgio fresco durante o calor do verão. O gesso foi pintado em cima de uma parede de azulejos dispostos em cinco linhas, destacado da parede para criar uma cavidade que isola da umidade.

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O único acesso ao local era por uma escada e a sala não possuía janelas, talvez uma claraboia. Poderia ser um jardim de inverno que foi encontrado intocado nas escavações descobertas em 1863. A falta de luz e ar no ambiente subterrâneo contrastava ao tema da decoração pictórica, que se fixa na representação simbólica de um amplo jardim, com grande variedade de espécies animais e vegetais pintadas em todos os seus detalhes.

A pintura deste jardim foi elaborada com simetria, perspicácia e com uma gama de sugestões espaciais em função dos elementos que revelam movimento, como os pássaros voando e os ramos inclinados em razão do vento. As pesquisas feitas sobre o trabalho registraram 23 espécies vegetais e mais de 60 espécies de aves. Villa Lívia, ou Villa Primaporta de Roma, correspondia à casa de Lívia Drusilla, a esposa de Augusto, e segundo uma lenda poética, a vila foi fundada por causa de uma águia que teria feito cair na barriga de Lívia uma galinha branca com um ramo de louro no bico. Aconselhada por adivinhos, a imperatriz criou galinhas brancas em sua casa e plantou o ramo em um bosque que se transformou em uma árvore, da qual o imperador colhia sempre uma folha de louro para acompanhá-lo em suas batalhas, como bom presságio.

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Palacio Massimo

O Palazzo Massimo foi construído no século XIX e hoje ele faz parte do Museu Nacional Romano. Está localizado próximo da Estação Termini e da Therme di Diocleziano, que também é um museu. As obras de arte e os achados arqueológicos estão distribuídos nos três andares do edifício. No piso térreo, o museu mantém uma seção de Numismática que possui exemplos fascinantes de moedas e sistemas monetários a partir de suas origens, no século VIII a.C, até a introdução do euro. Incluem-se também pedras preciosas, jóias da coleção dos Savoia e ouriversaria que serviram como elementos funerários.

A coleção de obras de arte, que abrange o primeiro e segundo andares do palácio, inclui muitos exemplos célebres da arte romana que data do final do período republicano até o fim do Império Romano, bem como várias obras de origem grega descobertas durante escavações nos Jardins de Salústio. No piso térreo, uma rica exposição de retratos, reforçada por mosaicos, esculturas e inscrições, documentos de duas eras que revolucionou a sociedade romana, que ocorreu após a conquista da Grécia, e durante a transformação do Estado Romano de República Romana a um grande império Mediterrâneo.

No primeiro andar, várias citações conhecidas retiradas de textos antigos descrevem o gosto romano para determinados estilos e escolas de arte. Isso ajuda o espectador a compreender, acima de tudo, o projeto e decoração de grandes complexos de edifícios imperiais romano, como a Villa de Adriano e a Casa Dourada de Nero. O amor do romano por bens de luxo projetado para evocar o esplendor lendário dos tribunais helenísticos é demonstrado pela coleção de ornamentos de bronze de barcaças mantidos no Lago perto Nemi, próximo a Roma, para o prazer do Imperador Calígula em tempos antigos e escavados a partir das profundidades do lago no início século 20.

Outros objetos únicos, incluindo o Sarcófago Portonaccio, o Sarcófago das Musas e uma extensa série de retratos de família de várias dinastias imperiais, revelam as alterações marcadas no contexto e estilo romano de produção artística durante o final do período da antiguidade, espelhando o estado perturbado do império durante a sua morte lenta. O segundo andar do palácio está reservado para a exposição de esculturas romanas importantes, mosaicos e fotos de antigas vilas de Roma e seus arredores. Merece menção especial nesta coleção, os afrescos e projetos de estuque de uma vila romana encontrada nos terrenos da Villa Farnesina, na via Lungara. Estes são completos exemplos do sabor refinado e clássico da época de Augusto (começo do século I d.C).