Foto: 20minutos.es

“Tudo o que você pensa e sofre, dentro de um abraço se dissolve.”

Onde você gostaria de estar em esse exato momento? Martha Medeiros já sabe. Já sabe e repete pro mundo: não há lugar melhor para estar que dentro de um abraço. E assim é. Entre todos os lugares do mundo, entre todos os lugares físicos e imateriais, que lugar melhor pode haver que estar dentro de um abraço.

Abraço de amigo, de irmão, de pai e mãe. De todas as formas e reformas. Abraço pelo simples fato de abraçar.

Quando estive na Alemanha, minhas duas melhores amigas de longa data estavam ali pra me receber: e que menos que um abraço. Um abraço forte e caloroso que poucas vezes encontrei nos braços de outras culturas. Alemães, que são considerados um povo frio, seco, não fizeram mais que me encher de abraços nesses 5 dias que fiquei em Berlim.

Me lembro que fui jantar com as minhas amiga Linda y Franzie e todos seus amigos (alemães claro) em um restaurante no centro de Berlim. Não conhecia ninguém mais que elas.

Quando as duas me apresentavam cada um dos seus amigos, o habitual aperto de mão reinava. Não nos conhecíamos de nada e pra mim parecia uma atitude mais que normal, ja que estavámos em um país anglo-saxão. Que mais podia esperar?! Olhos nos olhos, um sorriso tímido e um bom aperto de mão. Isso sim, firme, bem firme; daqueles que impactam com o forte que pode ser uma personalidade.

O curioso veio depois. Passamos 2 horas naquele restaurante, conversando e tendo uma janta super agradável. Acabei conhecendo a todos. Quando a janta terminou, todos os amigos dela me despediram com um abraço. E não um abraço tímido, mas sim cheio de afeto, daqueles que que envolvem toda as suas costas.

Perguntei a ela, sobre isso, meio constrangida, afinal, mesmo brasileira, não dou abraços assim a “tout plein”. Confesso que devo ter dado os piores abraços da minha vida. E, na verdade ,hoje não encontro esse porquê.

Os amigos de Linda me estavam demonstrando afeto. E por que eu não podia retribuir? Não é fácil fazer amigos em Alemanha, fazer parte de um grupo ou tentar conhecer alguém. Linda me estava rompendo barreiras que eu sozinha talvez não seria capaz. Naquele momento me senti como se fizesse parte de um grupo, de uma cultura, de um país. De certa forma, eles diziam que eu era bem vinda. E então por que não retribui esse abraço que todos, tão amavelmente estavam me dando?

A resposta eu não tenho, mas todos os anos penso em voltar ali, e ver todos de novo. Penso em cada minuto em abraça-los, e, por uma fração de segundo estar dentro de um abraço. Penso em quão amável me resultou eles e que viagem mais profunda realizei. Acabei quebrando tabus, rompendo paradigmas e aceitando, de forma até sobrenatural, que o diferente pode ser lindo.

Porque Martha Medeiros tem razão. Tem coisa melhor que estar dentro de um abraço?!

– Às minhas amigas Linda y Franzie

“Tudo o que você pensa e sofre, dentro de um abraço se dissolve.”  – Martha Medeiros – Livro: Feliz por Nada

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Duas surpresas em Cortona

Instigada primeiramente pelo romance/filme “Sob o sol da Toscana” elegi para conhecer a cidade italiana de Cortona.

É uma cidade localizada entre as regiões de Umbria e a Toscana, situada no alto de uma montanha, espreitando o vale fértil de azeitonas e parreiras entremeadas por altos ciprestes, típicos da região, formando uma paisagem verde de muitos matizes.
Ainda no Brasil, conversei com meu sobrinho Carlo que disse ter se apaixonado pelas paisagens mostradas no filme, e mais que isso, o seu filho João, um menino de doze anos, que assistira o filme duas vezes despertado pelas imagens maravilhosas da região Toscana. Prometi enviar todas as fotos que fizesse no percurso, o que cumpri religiosamente para alegria de João.

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Não sabia nada sobre aquela cidade, a não ser ter sido cenário do famoso filme.

Em Florença de onde partimos, eu e minhas amigas, de trem o primeiro destino foi Camucia, cidade onde se chega para ir até Cortona, lá em cima dos montes, isto porque não circulam carros nem trens na cidade fechada com as muralhas típicas das cidades medievais.

Desânimo total, pois chovia torrencialmente.

Que fazer, “estamos na chuva para se molhar”.

Chegamos, finalmente, em Cortona, e, entre uma estiada e outra, começamos a nos deslumbrar com suas lindas ruelas, com as casas medievais, com surpreendentes escadas pelo caminho, flores caindo sobre as janelas, promenades, aqui e ali, que descortinavam as mais belas paisagens toscanas.

É como mergulhar num passado longínquo.

E, foi caminhando nesse tempo, que a primeira surpresa aconteceu, me deparei com um Museo Etrusco, indicando que eles estiveram por ali, daí o estilo etrusco das muralhas que havia percebido no início do caminho..

Cortona foi construída por aquele povo que admiro muito, vez que desenvolveram uma civilização admirável, tanto sob o ponto de vista político quando artístico, e, principalmente no reconhecimento do papel da mulher na sociedade.

Vanguardistas, permitiam ativa participação sociais delas inclusive nas atividades econômicas.

Se destacavam nos negócios, os etruscos detinham poder econômico sobre os demais povos na época, com o acúmulo de riqueza, despertavam a cobiça dos vizinhos, obrigando-os a cercar suas cidades com grandes muralhas. Deixaram fortes marcas em várias cidades da Toscana que eram dominadas por eles.

Etruscos

Foi no Museu Etrusco de Roma, há alguns anos atrás que conheci mais de perto, pelas peças ali exposta, um pouco da maravilhosa civilização que foi.

Mas, continuando na minha peregrinação em Cortona, admirando a pequena cidade, nem imaginava me deparar com a segunda surpresa que me extasiou.

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Fra Angélico

Vi na frente da Igrejinha de Jesus, no alto da cidade onde se depara com uma vista grandiosa da Toscana, o pequeno Museu Diocesano, resolvi entrar certa de que abrigava apenas obras de arte marginais.

Eis que me deparei com muita alegria com nada mais do que a “Anunciação” (em italiano, Annunciazione) de Fra Angélico, a obra do beato foi das que mais busquei nos museus que visitava. Existe outra obra “Anunciação” do frei, no Museu do Prado, mas esse tríptico ( é geralmente, um conjunto de três pinturas unidas por uma moldura tríplice dando o aspecto de serem uma obra), tempera sobre madeira, é especial.

O do Prado foi pintado antes (1430/32) o do Diocesano (1433/34), neste, o beato destaca mais a notícia do anjo para Maria, e, no canto esquerdo diminui a importância da expulsão de Adão e Eva do paraíso), e, embaixo relata cenas importantes na vida da Virgem, ambos são belos.

Delicadeza dos traços

Fico deslumbrada, com a delicadeza dos traços nas pinceladas de Fra Angélico, sua pintura é um prenúncio do renascimento, com a preocupação essencial com a técnica, já demonstrando a noção da perspectiva, dando uma certa tridimensionalidade à obra, enquanto até então predominava a linearidade.Na obra se observa uma verdadeira aliança com o divino.

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Outra obra importante de Angélico é “ O juízo Final”, onde existe uma certa modernidade em revelar o estado íntimo dos personagens.

Sinto e penso, que ver a Anunciação, foi um dos grandes presentes que a vida me deu.

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Uma visão da Bienal de Veneza 2015. O artista é um profeta

Por Lucia Helena Fernandes Stall – Esta foi a terceira Bienal de Veneza que visito nos últimos seis anos. Fiz muitas Bienais brasileiras, em São Paulo, ao longo da minha vida. Sempre movida pela curiosidade de saber através dos artistas plásticos um pouco do que nos reserva o futuro do mundo, qual a linguagem a ser decifrada no amanhã da vida. Isto porque, para mim, o artista é um mago, um verdadeiro profeta, com visões mágicas e ao mesmo tempo reais do tempo que nos espera.

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Mas, acima de tudo, o que me instiga é o impulso para desvendar a alma humana. Como Édipo, decifrando a Esfinge, parto para as obras de artistas de todos os países e continentes, curiosa em decifrá-los.

Porém nas últimas Bienais, percebo uma ânsia artística por uma linguagem diferente, original e criativa. A necessidade de esquecer o antigo para encontrar o revolucionário, sem muito êxito em sua maioria. Ocorrência natural no mundo contemporâneo, a fuga da estética tradicional, na busca de uma estética nova.
Mas, pronta para ser surpreendida, começo meu percurso.

IMG_4687O caos predomina quando inicio a caminhada entre obras de arte de cada Pavilhão. O antigo tentando encontrar a linguagem mais contemporânea, dando espaço a coerência, tarefa difícil para o artista que vive num mundo dominado pelo caos. Ao espectador fica a busca pelo estético conceitual. Nada é fácil neste aglomerado de obras artísticas.

Observo, que em alguns, a estética é deixada de lado, com o predomínio do conceitual, esforço que muitas vezes não é alcançado.

bienal2Na Bienal de Veneza 2013, a tentativa foi a busca de uma reflexão humana, a religação com o divino, tendo Jung, dando o “start” com seu livro “O Segredo da Flor de Ouro”, refletido em muitas obras como o vídeo brasileiro sobre uma sessão espírita, o Vaticano com o encontro de almas, em sessão de cinema onde as imagens de pessoas se encontravam com os visitantes tocando-se as mãos. Além de outras obras instigantes, como um curta metragem sobre o tempo, provocando uma reflexão da plateia sobre o uso do tempo na vida cotidiana.

Já na exposição de 2015, na parte do Giardino, onde se localizam os pavilhões dos países (entenda-se, obras selecionadas pelas instituições culturais dos governos) o “start” foi o livro “O Capital” de Marx e sua dialética. O que para mim, não causou o impacto esperado, no entando, as obras seguintes conseguiram traduzir o apelo de um mundo perverso, miserável, caótico em busca da paz. Paz traduzida nas obras artísticas, com uma linguagem também caótica. Isto porque repetiam técnicas antigas de colagem, xilogravura, textos, etc., sem êxito da inovação, nem do belo que extasia.

IMG_4697O Japão conseguiu aliar o belo e a mensagem, apresentando uma instalação com um barco, simulando uma rede imensa em tons maravilhosamente vermelhos, como uma árvore imensa, de onde caiam chaves como frutos. Ali consegui ver o belo em total harmonia com a mensagem. As chaves da comunicação global, aquelas que abrem a linguagem universal através das redes, aquela que permite pessoas dos rincões mais longínquos do planeta trocarem impressões e afetos. Original e simples, como deve ser uma bela obra de arte. Diante dela as pessoas se extasiavam com uma sensação de paz inigualável, atingindo subrepticiamente um dos temas da Bienal 2015.

Já no Arsenal (outra parte da Bienal, onde existe uma curadoria para selecionar os expositores), as obras surgem um pouco mais maduras e com uma linguagem mais definida, mas ainda repetitivas, sem grandes novidades ou impacto. Houve muito uso da fotografia e da palavra em colagens sobrepostas, assim como de instalações que abarcavam grandes espaços.

Uma ou outra obra desperta maior atenção, mas nada impactante.

11949321_533909386766452_6288629971303180015_nImpactante foi a obra exposta na Igreja de San Giorgio Maggiore, como evento paralelo da Bienal, do espanhol Plensa. Magnífica e realmente criativa, com aquela estética conceitual que leva o espectador à reflexão. Uma cabeça gigantesca de tela cromada, sutilmente com os contornos da face humana, como um enigma na nave principal da igreja, ao lado, suspensa no teto, uma mão também gigantesca, metal quase dourado, com muitas letras penduradas, sugerindo o diálogo entre o cérebro e as mãos humanas. Diálogo que fazemos durante toda a nossa vida. O poder da razão sobre o movimento que nos impulsiona.

IMG_4755Afora a obra de Plensa, na verdade, ainda não encontrei a nova estética, ou a revolução da arte contemporânea, tudo muito fugaz e descartável, nada do novo anunciado, onde se perceba a eternidade do belo, da crônica de uma época atravessando os tempos. Todas as obras expostas entrarão em entropia, enquanto os renascentistas permanecem intactos em sua beleza, na Galeria Uffizi, em Florença, contando com muita beleza para todos nós, seus usos, costumes, religião, política, diferenças de classe em que viviam, verdadeiros cronistas de sua época, sem o desgaste das obras.

As afirmações acima não invalidam o fato de amar a arte contemporânea, inclusive o “grafiti”, como Bansky e outros. Mas dentro de suas peculiaridades, acredito, existem verdadeiros artistas que deixarão obras que persistirão no tempo , como os “antigos” ( da estética tradicional)deixaram.

As colocações desta digressão se referem especificamente à Bienal de Veneza, onde se aglomeram a arte do planeta, o que se está fazendo hoje, qual as profecias anunciadas, qual a linguagem revolucionária de real transformação que irá prevalecer no nosso mundo em decadência.

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Uma bienal rica em conteúdo social. Arte de Veneza faz pensar sobre os futuros do mundo

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Earth’s Creation, Austrália. Emily Kame Kingwarreye, 1994

 

Quem visitar a 56a.Mostra Internacional de Artes, da Bienal de Veneza, tem duas opções considerando o fato dela ser rica em conteúdo social. A primeira ideia seria interpretar à fundo os conceitos do curador nigeriano, Okwui Ewnsor, que nos convida a pensar em “Todos os futuros do Mundo” e se perder na dialética de seus filtros, desordem social, vitalidade para uma épica duração, com tempo para participar da leitura de O Capital, Karl Marx, que é feito continuamento no Pavilhão Central. Isso requer atenção e reflexão.

A outra sugestão seria, para o visitante que viaja com um tempo limitado,  que gosta de arte, é “flanar” sobre a bienal, usando o termo criado pelo crítico francês e poeta, Charles Baudelaire, no poema em que fala sobre as cidades. O PanHoramarte optou pela segunda opção,  o flanar  e passar os olhos sobre as mais atuais expressões artísticas voltadas ao tema “Todos os futuros do mundo”.

Dentro desse contexto e dada a profundidade do tema, as obras apresentaram o caos, a pobreza, a guerra, a destruição da natureza. Algumas menos outras mais. Cada país trazendo a sua bagagem. Assim interpretamos a instalação e a concepção inicial no Pavilhão Central, que contou com a orientação e montagem do escultor e cineasta russo, Sergei Eisenstein.

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Numa sala ao lado O Capital, de Karl Marx,  é lido em horários pré-determinados.

 

 

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Vídeo, O fim carregando todos, Quenia

Para mergulhar nesses conteúdos com seriedade é necessário muitos dias. Não só uma passagem.  Talvez seja esta a proposta do curador, competente e tão criticado nesta bienal, o primeiro africano a estar à frente de uma mostra de arte desse porte. Provocar, machucar e retirar debaixo do tapete as mazelas sociais. Os artistas fizeram a sua parte e enriqueceram os conteúdo, com as experiências e leituras sobre os fatos da vida.

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Neste mesmo pavilhão central não encontramos nenhuma mensagem nova ou diferente das outras bienais anteriores. Muitas técnicas triviais como desenho, em grafite, da argentina Rirkrit Tiravanija, que já vive em Nova York, e retrata os movimentos sociais. Desta vez as armas se transformaram em obras de arte.

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Assim como a música e os instrumentos musicais, a cor e os vídeos instalações. Numa leitura “à grosso modo” no Giardino, onde estão localizados os diversos pavilhões representando países, é possível perceber  o papel político e institucionalização dos trabalhos. Todos têm nas filagranas dos conceitos a institucionalização política, por mais que o artista deseje transgredir.

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À parte o Japão, que trouxe uma estética suave e fácil, que vai merecer um artigo especial do PanHoramarte, o pavilhão egípcio foi singelo, mas com um apelo que atinge a emoção de quem o visita e conhece a história daquele povo. Eles pedem Paz, numa instalação feita em madeira, grama artificial e diversos computadores conectados, mostrando a natureza, flores, em movimento.

Talvez seja essa a conclusão mais significativa de todos os trabalhos da bienal veneziana. Paz em todos os futuros do mundo.