portrait-old-lady-wrinkles-kolkata-west-bengal-india

A velha senhora…

A velha senhora sentada naquela varanda contemplava o passado, que estampado estava quadro a quadro na sua memória.

Expressava no rosto marcado pelo caminhar ininterrupto dos dias, o orgulho inato daquele que venceu batalhas amargas e que fora capaz de construir fortalezas feitas de esperança, bravura e dignidade.

Suas estórias eram feitas de cores, sabores, texturas, aromas, movimentos, sabedoria, criatividade e atitudes cheias de desprendimento.

Conhecera muita gente ao longo do caminho. Deixara uma semente da própria essência em cada uma delas.

Olhava para o horizonte com a certeza de que tudo fez para aprender e ensinar, amar e realizar, unir e nunca subtrair.

Celebrava a autenticidade das crianças, a impetuosidade dos jovens,  as respostas precisas dos crescidos, os legados dos falecidos.

A velha senhora, sentada naquela varanda ainda planejava a si sonhos audaciosos.  Por fora, quando se olhava no espelho, se via como uma folha seca. Mas por dentro, se sentia como as raízes de uma árvore que estão sempre em compasso de nutrir e diante de qualquer que seja a tempestade e ventania, jamais suas forças deixam abalar ou sucumbir.

housewife world

A dona de casa…

 

A dona-de-casa

Lavava

Cozinhava

 Dobrava

Costurava

Chuleava

Na cozinha, no quarto, no banheiro, na sala

Ininterruptamente trabalhava…

Cuidava das crianças muito bem

Mesmo que estivesse de cansaço estraçalhada

Dava um show de palhaçada

Esperando no fim de tantos esforços Hercúleos

 Dos  pequenos receber uma boa abraçada…

Dedicada também era ao marido

Fazia as comidas que gostava

Remendava cada meia que vinha furada

Arrumava a papelada que este deixava sempre alvoroçada

Tarde da noite, acordada o esperava…

A casa estava sempre a postos para ser por ela arrumada

Coisas não faltavam para deixá-la até o talo atarefada

Procurava ser sempre muito organizada

Para não se deixar soterrar pela bagunçada…

Era chamada de a rainha do lar!

Por vezes de tão exasperada queria deste abdicar

Mas sua paciência de Jó lhe dizia:

“Calma dona-de-casa

Depois da tormenta sempre vem a calmaria!”

E tudo continuava em alto som de gritaria…

E assim ela ia

Exercitando-se na sua domiciliar academia

Todo o dia era uma nova maratona

A casa tinha perfume de azeitona

A dona-de-casa às vezes era apelidada de mandona

Sonhava em passar umas boas férias em Barcelona

Ou dormir por um mês sem interrupção

Na mais confortável poltrona…

Agora vamos deixar a dona-de-casa descansar

Não devemos a paciência dela abusar

Pode se enfezar

E o ferro de passar na nossa cabeça arremessar

Não dá para esperar que esta mulher

Que faz das tripas coração

Tenha tamanho sangue de barata, afinal,

Já perdera a conta das tantas milhares de vezes que descascara uma batata…

Não importava o quando se esforçava

Não precisava de nada

Para a casa ficar tudo de novo de sujeita impregnada

Deixando-a desesperada

Tentada a bater em retirada

Quando se via por aquela avalanche de balbúrdia entrincheirada…

Sua lista de coisas a fazer tinha

Desde regar as plantas até traça com veneno liquefazer

Se tinha momentos de lazer?

Bom, é melhor esta pergunta nem à tona trazer!

Caso contrário ela lhe rogará uma praga de maldizer

A coitada estava com o esqueleto a apodrecer

Depois de trabalhar tanto

Da alvorada do dia até a escuridão do anoitecer…

Esta mulher era um fortaleza de paciência e bravura

Tinha na essência muita candura

Mas quando estava com a coluna de exaustão dura

Perdia a brandura

Deixava quem viesse lhe atazanar a mente

Enrolado em atadura…

É pedir demais manter a candura

Após um dia de tanta agrura

A coitada tem todos os motivos mesmo para perder a compostura

Esperando at eternum para ela

A abolição da escravatura!

(Arte de Sally Edelstein)

Romantic Couple by French Chateau (Preview) (1)

Sátira de um namoro de jardim…

 

Na hora marcada

O rapaz elegante adentra o jardim

Tão nervoso, por um triz não levou um escorregão

Vexame que poderia colocar em risco sua fama de valentão

Munido de uma rosa na mão

E com ares de galante conquistador

Tenta impressionar a mocinha

Que tinha um olhar lânguido como de uma fuinha

A coitada estava exasperada

Com receio que tudo acabasse em marmelada

O rapaz parecia ser um bom partido

Apesar da panca de metido

No fundo do quintal

O cachorro desconfiado deu um estridente latido

Sentaram-se no banco

Sem saber o que dizer

Ele havia escrito um discurso romântico

Mas no calor da emoção

As palavras de sua cabeça desapareceram de sopetão

O coitado começou a gaguejar

A mocinha em pensamento a praquejar

À certa altura e nada acontecendo

Ambos não conseguiam conter um irresistível bocejar

O silêncio era de amargar

Aquele romance de jardim parecia estar fadado a fracassar

Antes mesmo do próximo olhar se cogitar

O tempo foi passando

E o nervosismo mútuo pouco à pouco se dissipando

Ele de repente lançou uma bela piscada

Que causou no coração da moça uma fisgada

Estavam enamorados finalmente

Ambos agora promissores pretendentes

O rapaz tomou coragem e lascou um beijinho na moça

Que cheirava à detergente de lavar louça

O rosto dela ficou vermelho como uma cereja

Após sentir dele um bafo pesado de cerveja

A vizinha que observava à tudo atrás do muro

De tanta curiosidade ficou com o pescoço duro

Não conseguiu conter a emoção

De ter  muito para fofocar na próxima procissão

Mulher de língua comprida

Que de tanto falar pelos cotovelos

Criou na língua um calo

Duro como de um brócolis o talo

À certa altura da conquista

O rapaz tentou avançar o sinal

A mocinha ofendida lhe lascou uma bofetada

Que senhora raquetada!

O rapaz nocauteado perdeu os sentidos

Sem dar-se conta, primeiro, dos pecados cometidos

A mocinha arrependida

Jogou-se no chão

Para socorrer o bonitão

Passou a alisar dele o viçoso bigodão

Que mais parecia um maço de algodão

Quando o pobre ainda atordoado pela chapuletada

Pediu que a moça lhe desse com amor um beijo

Uma legião agora de bisbilhoteiras

Se posicionaram atrás da vegetação

Em pelotão

Todo mundo queria ver

Que rumos levaria  aquele romance de revista

Desabrochando em direção ao anoitecer

O rapaz depois do beijo

Sentiu-se leve como um pão de queijo

Perdidamente apaixonado estava

Pela mocinha desnaturada

O namoro de jardim

Acabou na porta da igreja

Depois de uma cerimônia benfazeja

Os dois pombinhos

Para a lua-de-mel partiram

Em amor e paixão se confundiram

Foram felizes e muito riram

Juntos para sempre

Almas gêmeas se descobriram

Erwin Madrid

Uma mundo feito de livros…

 

Era uma vez, uma casa gigantesca com milhares de livros.

Um dos cômodos era uma enorme biblioteca. As estantes eram como papéis cobrindo as paredes de cima a baixo.  Nunca tinha visto tantos livros em minha vida decorando-as. Havia livros de todos os tamanhos e cores. Alguns eram muito antigos, outros tinham ainda um brilho das capas. Estava num estado de completa fascinação. De repente, alguma coisa muito estranha aconteceu…

Os livros, um a um, começaram a se apresentar para mim. Cada um deles contou com muito orgulho de que tipos de estórias eram feitos. Não somente as palavras assumiram vida própria, mas as ilustrações também emergiram fora das páginas e performaram acrobacias como artistas de circo. Foi como um conto-de-fadas transformado em realidade…

Cada livro arrebatou minha imaginação para muito longe, como se ela fosse feita de rédeas. Visitei muitos países, mundos desconhecidos, lugares fantásticos que eram pura magia. Conheci um monte de pessoas interessantes. Aprendi um zilhão de coisas. Coisas que nunca sequer poderia imaginar… Fiquei apenas poucos minutos na biblioteca, mas senti como se tivesse estado lá por séculos!

Depois de deixar aquela incrível atmosfera, nunca mais fui a mesma menina. Fiquei muito mais atenta a vida ao redor de mim e decidi me tornar uma contadora de estórias.

Onde quer que fosse,  partilhei com as crianças todas as estórias que aprendi com meus amigos livros. As crianças ficavam tão hipnotizadas quanto eu no dia em que descobri aquela extraordinária biblioteca, naquela casa enorme, de milhares de cômodos…

Os livros são assim, têm o poder de nos enfeitiçar, libertar, fazer voar, viajar, mudar de tempo, sonhar e viver papéis sem fronteiras. Os livros tornam até mesmo o impossível possível! É tudo uma questão de nos deixarmos levar por eles…

(Ilustração de Erwin Madrid)