Os Amantes, Henri Matisse, 1928. Nova York. Museu de Arte Moderna

Casais desestruturados

Há quem lembre do meu texto sobre os solteiros desestruturados. Há quem lembre das minhas divagações sobre esta época, esta mudança de paradigma que estamos vivendo. Pois outro dia em casa estava divagando no telefone com a mesma pessoa que me trouxe o conceito “Solteiros desestruturados”.

E não sei se porque é Dia dos namorados aqui na Europa ou Carnaval no Brasil, a verdade é que comecei a pensar sobre o seguinte nível dos tão famosos solteiros desestruturados.

São os casais desestruturados. Isso mesmo. O solteiro deixou de ser solteiro e encontrou uma pessoa… que o complete, que dívida as mesmas inquietudes que ele. Quando um solteiro desestruturado encontra a outro solteiro desestruturado o mundo treme.

Regras do mundo

Treme porque sabe que a relação deles, longe de ser o que os outros esperam, vai ser plasmada por esse conceito que eles levam tão arraigados dentro de si: a liberdade. Os casais desestruturados não são aqueles que fogem de todas as convenções possíveis, mas sim aqueles que sabem que estas convenções podem ser quebradas quando eles quiserem. Porque eles, que foram solteiros desestruturados, sabem melhor que ninguém que as regras desse mundo já não se aplicam na sua forma de vida.

Os casais desestruturados podem casar, ter filhos, assim como podem decidir o contrário. Podem ter uma relação cada um na sua casa, podem ir a viver juntos sem ter que casar e podem um milhão de coisas mais que antigamente vinha preestabelecido como regras do jogo.

Dogma dos relacionamentos

Quando converso com meus amigos que têm relações atípicas, muitos deles sempre me dizem o mesmo; que essa rota pré-programada que as pessoas te dão, e assumem como um dogma dos relacionamentos, limita muito as relações.

E hoje, depois de viver essa liberdade, essa possibilidade de fazer as coisas como a gente quer, assusta muito entrar numa relação e esperar que tudo aquilo que você construiu sozinho, tudo aquilo que você quer ser, pode ser quebrado porque agora as regras do jogo são outras…

O que fazer nesse caso?

Eu digo que não… e como eu, muitas pessoas que sentem o mesmo dizem que não. Queremos sim ter uma pessoa do nosso lado, mas que entenda os nossos desejos e inquietudes, e que nos permita ser tão plenos com eles que quando éramos sem eles.

Queremos ter nossa liberdade e respeitar a liberdade do outro… queremos não aceitar esse contrato preestabelecido que a sociedade nos impões e limita… não para sermos rebeldes ou romper o ‘status quo’; senão para ter a possibilidade de ser quem realmente somos.

Casais desestruturados

Somos casais desestruturados… e não queremos que nada nem ninguém nos impeça de ser felizes. Podemos ceder, e ser flexíveis, mas não queremos fazer sacrifícios… porque sabemos que os sacrifícios passam fatura a longo prazo.

Se você, solteiro desestruturado, encontra uma pessoa para seguir esse caminho consigo, por que não abrir os horizontes e falar abertamente sobre o que quereis: trabalho, família, casa, sexo, relações abertas, fechadas, sentimentos… o que for.

Ninguém aqui está obrigado a aceitar aquilo que não o faz feliz. E o futuro de um casal está justamente nessa flexibilidade e na tentativa de simpatizar sobre aquilo que espera o outro.

O diálogo é o primeiro passo a dar quando um quer realmente que o outro o compreenda. Não se sinta obrigado a fazer o que os outros querem que façam, e permitam que a vossa relação seja única e singular como pessoas que vocês são: únicos e singulares.

De solteiros desestruturados a casais desestruturados.

Façamos a nossa escolha. O que queremos? Flexibilidade, relações abertas, fechadas, muito sexo, pouco, filhos, família, casa própria, aluguel… viajar o mundo inteiro… ter a possibilidade de aceitar uma proposta de trabalho na conchinchina… Hoje mais do que nunca temos a possibilidade de alçar a voz e falar sobre isso.

Olhar um no olho do outro e dizer sinceramente: eu gosto de você mas isso também é prioritário na minha vida, o que você acha?

Escravidão

O tempo nos permitiu abolir a escravidão, a dar direitos as mulheres, a aceitar os homossexuais… por que não agora, aceitar o diferente, e assumir que a tua maior alegria é ver o outro, aquele que você ama, progredir e ser feliz da forma que ele sempre desejou. Porque não fazer com ele entenda o que você quer, o que te motiva e o que te faz feliz.

De repente, não queremos casar, não queremos ter filhos, mas queremos sim uma pessoa do nosso lado. De repente queremos ter filho e ensiná-los de forma diferente, educá-los com outras prioridades e outros matizes. De repente, queremos viajar sozinhos, queremos ter nosso tempo para fazer esporte, interagir, ler, escrever ou o que for… não queremos ir de férias todos os anos à praia, comprar casa própria, ou comer todos os domingos na casa dos pais ou dos sogros… não queremos estar atados e ter que viver a vida inteira num só lugar.

Ajamos com boa fé, sejamos sinceros, abramos a porta do diálogo e demos a possibilidade de que um seja realmente quem quer ser: com todos suas qualidades, defeitos, desejos e vontade. Não importa o que for… ter a liberdade de manifestar-se sobre esse desejo, sobre esta inquietude é uma das grandes vantagens do tempo em que vivemos.

Liberdade

Somos casais desestruturados. De solteiros aprendemos que o grande valor da vida é a nossa liberdade. E nessa liberdade que ambos levamos consigo, busquemos comer o mundo e fazer dele um lugar mais tolerante e habitável… e que a nossa felicidade, o nosso sorriso emane em todos os cantinhos do mundo.

Que juntos, aceitemos e respeitemos todos os casais e solteiros, dos mais conservadores aos mais progressistas, e que façamos que eles se sintam em casa… porque somos aquilo que sempre sonhamos ser, porque encontramos uma pessoa para dividir essa vontade, esse desejo da forma mais honesta e livre… sem dogmas, sem rota pré-estabelecida, e principalmente sem medo de falar.

Sejamos solteiros desestruturados, casais desestruturados, ou mesmo famílias desestruturadas… buscando nesse conceito, não o seu lado negativo mais sim o lado mais singular que nos fazem ser como somos. E nessa singularidade, o único desejo de viver uma vida plena e feliz sem receitas de bolo, nem caminhos pré-definidos. A vida começa agora e nós indicamos a direção que queremos tomar.

Somos casais desestruturados e a vida é hoje e agora.

*Dia de San Valentino na Europa comemora-se o Dia dos Namorados. 14 de fevereiro.

 

Andy Wharhol - Sopas Campbel

Um ano sem…

Sim, vim aqui despertar o desafio. O desafio de um ano sem… Sem que? Sei lá. Você que sabe.

Enfim, complicado. Acabo de ler uma matéria de Camila Carnielli que se propôs a passar um ano sem comprar roupa. Nos tempos que correm, tarefa quase impossível. Cheguei a pensar em fazer o mesmo, mas já estou fazendo exceções para calcinha e sutiã.

Curiosamente ano passado, sem ter colocado o desafio, foi um ano que praticamente virei sem comprar quase roupa. Nos últimos meses cheguei a comprar mais e de certa forma estas compras despertaram meu consumismo. Ainda que esteja feliz com todas as prendas, se elas não estivessem no armário também não ia fazer grande diferença.

Consumismo

A questão do consumismo é uma questão complicada de abordar. Não quero ser a pessoa demagógica que transmita a ideia que o consumismo é ruim e deve ser combatido. Não gosto da demagogia e tento combatê-la com ideias equilibradas. As ideias demagógicas só ajudam a reforçar os estereótipos e extremismos, seja de um lado ou de outro. Quando todos sabemos que a vida não é preta ou branca, e a linha entre o certo e o errado, entre o bem e o mal é tão estreita que temos sim que cuidar com aquilo de disseminamos e pregamos.

Agora bem, quando li essa matéria na revista Vida Simples, tenho que dizer que gostei muito do desafio como um bom exercício. Se trata de uma pessoa, a própria autora do artigo, que se propõe passar um ano sem comprar roupa como forma de reflexão. Não porque o consumismo é mal, mas porque o que ela estava consumindo não era o que ela queria ou se definia como pessoa. Para encontrar essa pessoa que estava dentro da caixinha ela teve que fazer uma escolha, que lhe ajudasse a chegar a essa conclusão.

Às vezes paro e penso que deveria fazer o mesmo. Com as roupas, com os sapatos, as bolsas, ou qualquer coisa que está tirando a gente do foco. Quem sabe, se nos propormos a esse desafio “Um ano sem…”, possa ser um bom exercício para pensar se realmente o que temos em casa é realmente necessário.

Faxina anual

Todos os anos, antes do ano novo, faço sempre uma limpeza geral na casa. A ideia é limpar cada cantinho, abrir as janelas, deixar o ar correr e tirar absolutamente tudo que não é necessário e não se usa mais: doar roupa, sapatos, livros, e tudo aquilo que só faz volume em casa. E me dói encontrar alguma peça de roupa que comprei e nunca usei… e chegar à conclusão que só comprei por mero consumismo.

Por outro lado, também gosto de ver as boas compras, aquelas peças que me lembro quando comprei o muito que as uso diariamente.

Seria um bom exercício passar um ano sem comprar futilidades para pensar em aquilo que realmente é necessário. Uma das coisas que adorei do exercício da Camila, é que isso a ajudou a pensar nos seus valores e naquilo que a define. Deixar de comprar por uma temporada ajudou-a colocar as ideias em ordem.

Em uma das minhas livrarias preferidas em Madrid, me lembro que tinha um texto impresso em uma das estantes que me chamou muito a atenção. O título do artigo era Como fomentar a leitura?, artigo publicado no jornal El País em 2015. A texto dizia:

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“Somos una sociedad mercantil que necesita, para seguir existiendo, consumidores y no lectores. La lectura inteligente y detenida puede alentar la imaginación y fomentar la curiosidad y, por lo tanto, hacer que nos neguemos a consumir ciegamente. Es por eso que Christine Lagarde, ardiente defensora de las sociedades de consumo, cuando era ministra de finanzas durante el Gobierno de Sarkozy, dijo a sus conciudadanos que se quejaban de la crisis: “Trabajen más y piensen menos”Madame Lagarde sabía muy bien que un pensador nunca sería un buen consumidor”.

Quem sabe essa é uma das claves para deter o consumismo irracional e compulsivo. Ler pode ser uma das claves. Outro, pode ser o exercício da Camila. Para os menos radicais, um pequeno exercício pode ser perguntar várias vezes se o que você está comprando é realmente necessário.

Nem bem, nem mal

O consumismo não tem porque ser mal, desde que seja consciente e meditado. Compramos porque realmente queremos, precisamos e vamos dar uso ao que se compra, ou por mero desejo de adquirir o bonito e levar para casa.

Eu confesso que seria legal entrar no exercício da Camila. Um ano sem comprar roupa pode me ajudar a colocar as ideias em ordem e quem sabe potencializar a minha economia. Agora cuidado: cuidado para não substituir um consumo por outro. Porque no final o exercício vai ladeira abaixo e quando você vê está gastando com outra coisa.

É curioso, mas até hoje acho que não tenho televisão em casa por isso. Quando me mudei de apartamento cheguei a pensar em comprar uma TV e até fui atrás de uma. Cheguei a conclusão que uma TV não me aportava em nada e só ia fazer volume na minha nova casa.

Se eu queria ler mais nesse ano não podia comprar um objeto que captasse minha atenção e passasse por cima dos meus objetivos.

Pensemos qual é o objetivo do exercício que pretendo alcançar fazendo isso: gastar menos, descobrir minha identidade, definir-me melhor como pessoa, viver com menos. Dependendo daquilo que você se proponha, “Um ano sem…” pode incluir várias coisas.

Mas mais que nada, busquemos o consumo inteligente.

R. Magritte - Golconda

Terapia e autoterapia – a arte do autoconhecimento

Como muita gente no Brasil, na adolescência frequentei o psicólogo. Não porque tivesse grandes problemas, problemas impossíveis de ser resolvidos ou porque alguém pensou que eu não fosse normal. Na realidade, fui ao psicólogo porque sou normal.

E adolescente, como tantos outros experimentei essa fase hormonal, esta transição entre ser criança e vida adulta… a aproximação, a realidade e comecei e notar que dentro de mim tinha muitas e muitas dúvidas.

Preconceito

Eu falo isso, porque noto que aqui na Espanha existe um certo preconceito com a palavra psicólogo ou terapia. Muitos dos meus amigos que vão hoje ao psicólogo não têm coragem de falar em nenhum dos seus círculos que fazem terapia.

E isso foi um fator que me chamou a atenção. A terapia não é vista nem encarada com bons olhos, e muitos entendem que quando uma pessoa é derivada ao psicólogo é porque sofrem de algum problema ou transtorno bastante avançado.

Às vezes chego a pensar que algumas dessas pessoas que eu conheço chegaram a esse ponto porque na hora certa não foram ao psicólogo. Se eu pergunto por aqui, muitas pessoas dizem que preferem falar com um amigo a pagar um profissional para serem escutados. Ledo engano. O psicólogo não substitui o amigo nem o amigo substitui o psicólogo.

Um bom psicólogo

O certo e aonde vou com tudo isso é que um bom psicólogo no momento certo pode ajudar muito agente entender a nós mesmos e esforçarmos e nos tornarmos aquilo que queremos ser.  Obviamente o psicólogo vai te dar ferramentas, mas o único motor de mudanças nisso tudo é você. E você só vai começar a entender o que te falta ou o que você quer, ou quem você quer ser, se você se conhece.

Platão, um dos filósofos mais lidos e estudado de todos os tempos, é um dos pensadores que fala sobre o autoconhecimento. Conhece-te a ti mesmo. Tarefa difícil, sem dúvida. Muita gente quando é perguntada sobre si mesma não sabem nem responder: não sabem o que gostam, o que admiram, o que as motiva ou que tipo de pessoas querem ser. E isso é normal.

Principalmente na adolescência. Se nós adultos, que somos seres  cambiantes e inconstantes não sabemos e não nos conhecemos, como vamos deixar que um adolescente se enfrente a todos estes desafios sozinhos?

Não pretendo defender a terapia na adolescência, senão defender a terapia nessas fases da vida em que estamos mais perdidos que o normal e que uma ajuda profissional orienta a encaminhar essas decisões.

Encarar a pessoa que vejo no espelho

O psicólogo na minha adolescência, com o meu pouco conhecimento e experiência de vida, me ajudou muito a encarar essa pessoa que vejo diariamente no espelho. Me plantou a semente sobre quem sou e aonde quero ir. Junto com elas muitas pessoas no meu entorno me ajudaram obviamente, mas não com todo o conhecimento que se requer.

Com este trabalho feito anteriormente e com as ferramentas na mão pude caminhar em frente e começar a fazer um trabalho de autoterapia: entender o que me deixa feliz, o que me deixa triste ou o que me deixa frustrada. E isso é o motivo do porquê que estou escrevendo esse texto.

Frustração

Esse domingo, passei por uma situação realmente frustrante no final da minha tarde e me alterei tanto pela impotência de pode-la resolver que no caminho de casa me correram umas lagrimas.

Hoje, vendo a coisa já com outra perspectiva, o tema não é tão grave, mas naquele momento teve a capacidade de alterar de certa forma meu estado de ânimo.  O curioso é que quando entrei no metrô e estava metida na minha dor e frustração, comecei a respirar e dizer a mim mesma: isso tem solução e você não pode deixar que estes terceiros, que estas pessoas alterem o teu estado de humor.

Tinha uma cara de tão brava que notava que as pessoas no metrô me olhavam. Era visível o meu enfado. Foram 30 minutos no trajeto de casa em que comecei a dialogar comigo mesma: dizia que tinha coisas que não estavam na tua mão, mas o último que você pode deixar é que certas pessoas determinem seu estado de ânimo. Sei que tinha pilates mais tarde e que se chegasse em casa para resolver o tema perderia pilates e ficaria mais frustrada.

Diálogo comigo mesma

Então, basicamente, depois de todo esse diálogo comigo mesma, quando sai do metrô estava relativamente mais calma e fui pra casa com algumas decisões tomadas: primeiro que não ia perder pilates, que o tema podia ser resolvido depois e isso não implicaria e nenhum problema.

Segundo que ia a pilates correndo para de certa forma soltar toda esta frustração que tinha dentro de mim transformando em energia para o meu próprio benefício. E terceiro que não ia pensar no tema até voltar a casa porque isto só me causava ansiedade e não tinha porquê. E por último, olhando com perspectiva o tema realmente não era grave, já que tinha solução, ainda que me sentisse lesada.

Exercitar-se

De repente fazer esse exercício não foi fácil, mas foi muito produtivo. Já não é a primeira vez que faço isso, mas quem sabe ontem foi um desafio pelo tamanho da questão. Assim mesmo, passado todos estes meses lendo sobre filosofia, literatura junto com a minha passagem pelo psicólogo pude ver o bom que foi ter tido um profissional na minha vida.

No fim do dia, depois de sair a correr, fazer pilates, voltar para casa correndo e fazer ligações para resolver o problema, me senti orgulhosa de mim mesma e fui para cama feliz, fazendo que o meu fim de tarde que parecia que se ia torcer, se tornasse agradável de novo, porque soube identificar o problema, gerenciar meus sentimentos e aportar uma solução. Ou seja, depois de tanto tempo indo a terapia, fui capaz de fazer autoterapia comigo mesma e entender vários pontos de mim mesma e da minha frustração.

Autoconhecimento

Coisas como estas passam a diário na nossa vida e vemos como muitas pessoas soltam para fora a sua frustração de forma incontrolada. Até os mais controlados perdem o controle.  E aqui não se trata de dizer que as pessoas têm que ser controladas sim ou sim. O que quero dizer é que o autoconhecimento proporciona ferramentas para entender e gerenciar o que se passa com nós mesmos e isso é muito importante para determinar o teu nível de felicidade no fim do dia.

O psicólogo foi essencial para entender isso. Outra parte essencial foi eu mesma, como pessoa que queria mudar de atitude e ser uma pessoa mais positiva e emocionalmente inteligente. O resto do trabalho foi eu comigo mesma, os livros e as horas de solidão, reflexão contínua sobre o EU, trabalho continuo para seguir adiante.

Encarar a si mesmo sem complexos é fundamental.

Tendemos pensar que os nossos medos e dúvidas são únicos e não passam com os nossos amigos. Ledo engano. Passa e mais do que pensamos. Não é porque eles não falam ou não se manifestam sobre o que está acontecendo que isso não ocorre. Eu sigo tendo muitos medos e traumas, e ainda muitos deles não saberia com enfrentar. O caminho andado, o trabalho já feito me permite saber quais são esses medos e saber identificá-los no momento apropriado.

E se for necessário voltar a fazer análise. Os resultados sempre foram positivos.

Mulheres leitoras - Vladimir Volegov

Biblioterapia – revisão 2017

Eu sei que já passei o ano comentando sobre os livros que li. Mas como estamos começando o ano, e 2017 foi um ano muito produtivo no tema leitura, gostaria de fazer uma revisão sobre esse maravilhoso tempo que passei em companhia desse amigo inseparável.

2017 foi meu recorde de todos os recordes no quesito leitura. Li 38 livros, algo insuperável nos meus passados anos. Mas não quero falar disso como se fosse um número. Como se o que eu tratasse de fazer fosse somente ler e ler somando um a mais na minha lista. Porque se fazemos a revisão, há livros sobre todos os temas: 9 livros sobre vinhos, 2 de filosofia, 2 de auto-ajuda da School of Life, 3 biografias históricas, 1 de poesia, 6 peças de teatro e 15 livros de literatura.

Literatura

Todos aproveitei ao máximo a sua leitura, mas posso dizer que os que não saem da minha cabeça são os livros de literatura. Quem sabe se eu me interessasse pela literatura antes, todos esses livros já teriam passado pela minha mão. Mas o gosto pela leitura e pela literatura foi algo que brotou em mim tarde, e agora, morando sozinha me vejo tentando recuperar o tempo perdido.

Um dos grandes logros desse ano foi ter lido Anna Karenina e Madame Bovary. Junto com Os Maias e La Regenta, são as novelas realistas por antonomásia. E uma das que eu mais desfrutei. Fiquei com muita vontade de ler Guerra e Paz, mas acho que esse livro vai ter que esperar um pouco. Anna Karenina e as suas 1200 páginas me absorveram anos. Madame Bovary por outro lado foi uma pequena decepção perto desses outros romances. Tinha muita vontade de ler, e no fim me pareceu uma das novelas mais pobres em comparação com as outras. Não que não seja interessante, e acho que elas mantêm sua categoria de clássico sem dúvida, mas sinceramente acho que existem romances realistas que descrevem melhor o lado psicológico dos personagens.

La Lectura - Mauro Cano
La Lectura – Mauro Cano

Outro romance realista que li e que me fascinou foi A Relíquia de Eça de Queiroz. Pela sua ironia, pela sua acidez e pela sua forma de escrita. Assim como Machado de Assis, em Quincas Borba, ambas histórias me deixaram com gostinho de mais.

Seguindo pelo século XIX, e deixando América e Europa de lado, vamos para Rússia. Outra das minhas recomendações é ler os contos de Chekhov, dos quais eu desfrutei muito “The Lady with the Little Dog” e “A Boring Story”. E a parte de Anna Karenina que já citei, outra novela russa que adorei foi “La Dulce” de Dostoievsky, uma história curtinha mas potente. Acho que terminei de lê-la no mesmo dia de tão intrigante que era o argumento.

Milan Kundera

Outra conquista importante foi ter terminado de ler toda a obra de Milan Kundera. Todos seus livros passaram pela minha mão, e acho que no século XX e XXI não há outro escritor que entenda melhor a natureza humana que ele. Milan Kundera entrará para a história como o autor do século. E sinceramente acho que muita das suas obras devem ser de leitura obrigatória na vida.

Meu objetivo é reler esses livros uma vez mais, pelo muito que me aportaram para o entendimento do ser humano e de todas suas caras. Recomendo muito “A insustentável leveza do ser”, “A Ignorância”, “O livro do riso e do esquecimento”.

E terminando meus romances do século XX, meu último livro do ano foi “Fiesta” de Hemingway. Esse também foi um romance que aproveitei muito, já que que este ano fui passar uns dias em Pamplona e justo ali foi onde comecei a ler o livro. E para quem não sabe, Fiesta é a história de um grupo de amigos americanos, jornalistas, artistas, etc., que estão morando em Paris, no começo do século XX e decidem ir a Pamplona para as festas de San Fermin.

É um retrato perfeito sobre a Espanha do começo do século, e como um estrangeiro nota essas diferenças culturais em relação a ambos países. Pude descobrir todos os cantinhos que Hemingway descrevia a olho nu, fazendo um paralelo sobre a Pamplona de antigamente e a Pamplona de hoje.

Ano Maravilhoso

2017 foi um ano maravilhoso para mim e para as letras. A literatura me permitiu viver muitas histórias, entender muita gente, tomar pontos de vista diferentes e entender melhor o meu entorno. Enfim, a literatura me fez mais humana.

Num mundo em que milhões de coisas passam a cada segundo, parece que estar em casa lendo é de certa forma uma perda de tempo. Mas ainda lembro um amigo meu que sempre me ligava para pedir conselhos em como atuar com determinadas pessoas e situações e lhe dizia que eu nunca tinha vivido isso pessoalmente, somente tinha lido nos livros. A sua resposta me iluminou. Ele disse:

-Lendo se vive muitas vidas.

Certo. Foi lendo que comecei a entender o poder da literatura, dos clássicos sobre nós. Vejo que as pessoas que mais aproveito conversar são pessoas que leem muito e a diário. Essas pessoas parecem mais equilibradas, mais felizes e emocionalmente, mais fortes. Porque de alguma forma aprenderam tanto com os livros, que se tornam mais empáticos a situação de um terceiro. De repente, certas coisas nunca vão acabar acontecendo com a gente porque a vida é curta e a história de um é realmente singular; mas ao viver através dos olhos de outros, ao ler essas histórias e vive-las como se fosse nossas, aprendemos a ter um olhar mais humano às coisas.

Ao ano 2018 não coloquei um objetivo de ler mais livros que no ano passado. Na realidade, 20 livros são mais que suficientes. Mas, sim, coloquei alguns objetivos dos livros que quero ler. Toda a saga de “Em busca do tempo perdido” é um exemplo. 1984, de Orwell, alguma novela de Dickens ou “Proud and Prejudice” de Austen.  Também alguns outros muitos clássicos que estão na minha estante esperando por mim. Sempre e quando a literatura for esse prazer que me proporciona nas horas mais escuras da minha vida. Sempre e quando ler seja uma opção e não uma imposição.

Filosofia

Também quero ler mais filosofia, e mais biografias. Platão, Stefan Zweig foram outros autores que li em 2017 e que quero voltar a ler. Recomendo muito a biografia de Montaigne e de Erasmo de Roterdam escritas por Zweig. Por não falar a de Maria Antonieta, uma das melhores biografias que li na minha vida. Quem sabe ainda consigo ler Brasil, o país do Futuro, escrita por ele, esgotado em todas as livrarias aqui na Espanha.

Enfim, que 2018 seja um ano repleto de muitos outros livros para comentar. Porque ler é um prazer a ser descoberto. Ler é uma de estas pequenas coisas da vida que dão significado a muitos porquês que fazemos a diário, ao porque estamos aqui. Leia!