A frase acima, no título, pode ser uma pergunta ou uma afirmação. Deixei em aberto para provocar reflexão, sobretudo na proximidade da festa de posse do presidente eleito Luis Inácio Lula da Silva.
O tema surgiu quando comecei a acompanhar as informações de como será a posse e o convite feito a celebridades para promover uma festa com o foco na ‘alegria’. Quem está organizando os detalhes do evento é Janja, nossa futura primeira-dama. Questionei no grupo executivo dos Estados Gerais da Cultura, ao qual pertenço e foi criado para contestar o desmanche feito pelo governo de Jair Bolsonaro na área cultural do país, sobre a não presença de artistas, músicos, com pouca visibilidade, porém talentosos e que representam a nossa cultura genuína e vi uma relação de celebridades na lista. Citei o Dandô, Circuito Dércio Marques, os Barbatuques, entre outros.
É preciso muita atenção neste novo momento do Brasil. Será um período de reconstrução e melhor que isso, com base em realizações do passado será possível aprimorar os projetos que deram certo. A Lei Rouanet é muito importante para o incentivo à cultura, no entanto, é preciso que se aprimore e que ela retome a sua função original, que foi totalmente distorcida pelo governo de Bolsonaro.
Os artistas são também unânimes em defender a Lei Aldir Blanc que amparou o segmento artístico em todos os níveis durante a pandemia e prorrogada, depois promulgada em julho de 2022, como resultado de um esforço conjunto de artistas e produtores, intelectuais e políticos ligados ao setor cultural.
Finalmente uma luz no fundo do túnel e podemos agora esperançar. Em minha mente, como num filme, repassa toda a luta e manifestos durante esses últimos três anos denunciando os absurdos cometidos contra a identidade do povo brasileiro. Criaram-se movimentos de protestos como os Estados Gerais da Cultura e o SOS Cultura. Ambos lutaram e lutam pela retomada do Ministério da Cultura (MinC) e por um Brasil mais justo socialmente. Manifesto publicado em janeiro de 2021, pela Associação de Funcionários do MinC.
“Um país que deixa de valorizar sua cultura perde a sua identidade. Ele se torna um país sem testemunho na história da humanidade. Voltemos nosso olhar para trás no tempo: a palavra “colere”, origem do termo “cultura”, já possui um sentido poético, de cultivar, colher, abarcar experiências do indivíduo, de um grupo social, de uma etnia, nas suas diversas manifestações, sejam elas espirituais, artísticas, ambientais ou sociais.
Nesse universo de saberes, um dos principais vieses da cultura é a arte, e é pela arte, a cada momento, que nos tornamos mais sensíveis para captar a beleza do mundo e de seus significados.
Por isso, é preciso entender que a cultura é protagonista, e não coadjuvante!
Ela é o espaço do diálogo, da construção e das ideias. Une pessoas; fortalece a identidade de uma nação; agrega valor econômico e sentido social. Uma sociedade forte é reconhecida pelos princípios de um ESTADO amplo e sustentável, e suas ações políticas têm a marca indelével de seus valores e tradições culturais.
O setor cultural é considerado estratégico para a economia em diversos países do mundo, pois gera empregos e impacto tributário. Os dados mais atuais mostram que as atividades culturais e criativas empregam no Brasil, somente em empregos formais, mais de um milhão de pessoas. Esse número, comparado ao de 2018, mostra um decréscimo assustador, mesmo que indiretamente. O Brasil, há pouco mais de dois anos, ocupava cerca de cinco milhões de pessoas no setor cultural, entre empregos formais e informais, o que representa 6% dos empregos gerados em território brasileiro. Os dados são da Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílios Contínua (PNAD contínua) e foram publicados no El País, em dezembro de 2019.
As atividades culturais e artísticas estão ameaçadas de desaparecer nos próximos anos, por falta de investimentos e de projetos para o setor. É urgente o resgate do Ministério da Cultura, com funções de ESTADO, seguindo as mesmas prerrogativas de órgãos como a Polícia Federal, a Receita Federal e o Ministério Público. A recriação do MinC irá garantir que toda a engrenagem do setor cultural volte a funcionar normalmente, com as suas instituições vinculadas e fortalecidas em suas políticas. Foram construídos, ao longo dos anos, a fim de reforçar os conteúdos do nosso patrimônio cultural e artístico: Iphan; Funarte; Ibram; FBN; FCRB; ANCINE; vinte e sete museus; vinte e sete superintendências; vinte e quatro espaços culturais; acervo literário; e centros de pesquisa.
Agora – e como nunca antes imaginado –, a música, a literatura, o cinema, as atividades artísticas e criativas estão sendo fundamentais para tornar mais lúdicos e prazerosos estes momentos tão difíceis de isolamento social em nossas casas, em função da pandemia.
Por essas e por outras questões, a cultura precisa estar pautada nas prioridades do governo; entre as ações mais importantes, deve-se retomar a discussão de um novo Plano Nacional de Cultura e realizar a efetiva implantação de um Sistema Nacional de Cultura. Não podemos retroceder e desconstruir tudo que está feito. Estamos no limiar de um novo ano que se apresenta desafiador, em razão do pós-pandemia; faz-se necessário manter, em 2021, o apoio emergencial aos profissionais que atuam no setor cultural, assim como garantir a manutenção das instituições e dos espaços culturais que tiveram as suas atividades interrompidas por força da pandemia. Precisamos de cultura, sim, e vamos lutar por ela!
A cultura é a memória afetiva dentro de cada um de nós; por meio da arte, a cultura atinge aquele universo onírico que nos remete a momentos importantes em nossas vidas. Todos nós, se vasculharmos o passado, vamos encontrar uma narrativa poética que envolve cultura e arte em nossas emoções cotidianas. PRECISAMOS DE CULTURA PARA CONSTRUIR UM MUNDO MELHOR! “
Entrevista pelo site Uol que recebe o ex-ministro da Cultura Juca Ferreira. A entrevista é conduzida por Leonardo Sakamoto e pelos colunistas do UOL Maurício Stycer e Tales Faria.
Carta de Princípios do coletivo Estados Gerais da Cultura
Uma elite gananciosa que quer tudo para ela e nada para o povo. O povo vive mal, frequenta um SUS fragilizado há anos e escolas ineficientes, fruto do congelamento de investimentos públicos. A arte, a cultura e a ciência estão condenadas pela censura econômica e política e por uma doutrina terraplanista.
Volta Galileu e vem educar esta gente!
O gesto de extinguir o Ministério da Cultura representa a tentativa de destruir nossa superestrutura cultural e ideológica para fragilizar-nos como nação. Um país não se limita às suas fronteiras físicas e geográficas. Ele é composto pelas línguas que abriga, pelos hábitos, costumes culturais, por suas tradicionais, crenças, conhecimentos.
Somos milhões de trabalhadores da cultura paralisados, dispersos ou desempregados. O governo flerta com o totalitarismo e nos intimida com o poder miliciano.
Estamos vivendo uma das maiores crises sanitárias de todos os tempos. Pandemia trágica para milhares de famílias brasileiras, em especial para as mais humildes, completamente abandonadas pelo poder central.
Recolhidos em nossas casas, velhos e novos filmes, músicas e atividades artísticas nos fazem companhia nessa solidão imposta pela pandemia. Nesse momento, as pessoas percebem a importância da arte em suas vidas.
Queremos um mundo em que o Estado seja voltado para o bem-estar de seus cidadãos e cidadãs, ou que seja voltado para facilitar a acumulação de bens de uns poucos milionários? Qual será nossa relação com a natureza, convívio harmônico ou de desenvolvimento predatório como tem sido até agora?
O futuro é nosso, cabe a nós decidirmos
‘Estados Gerais da Cultura’,movimento coletivo, autônomo e independente, existe para ajudar a construir o nosso futuro; sermos os verdadeiros protagonistas da nossa História.
Que futuro queremos no mundo que emergirá do pós-pandemia? Um mundo solidário em que a centralidade seja o ser humano e a natureza ou continuaremos reféns do cassino financeiro? A reconstrução do Ministério da Cultura é apenas um primeiro passo necessário para o restabelecimento da nossa unidade como agentes culturais.
Hoje,vivemos todos intimidados assistindo ao desmantelamento da Cinemateca Brasileira, matriz da memória imagética do país; desmantelamento da Casa de Rui Barbosa, importante centro de documentação, pesquisas, reflexão e documentação; intervenção no IPHAN permitindo a degradação do nosso patrimônio arquitetônico a serviço da especulação imobiliária; o silenciamento da FUNARTE e das suas atividades ligadas às artes plásticas, dança, fotografia; e a Ancine, com o sequestro do FSA-Fundo Setorial do Audiovisual, deixando a atividade quase que totalmente paralisada.
Hoje, somos milhões de trabalhadores desempregados num setor que gera arte, cultura e entretenimento, além de dividendos para o país. O Ministério da Economia é incapaz de enxergar a indústria criativa como um setor altamente rentável, que gera recursos e prestígio internacional para o Brasil, através da presença em premiações, mostras, festivais, encontros e congressos.
A reconstituição do Ministério da Cultura como Organismo de Estado, independente da ingerência de governos, é URGENTE e NECESSÁRIA. Muitos nos perguntam como isso será possível diante de um governo como o que temos. Qual a possibilidade concreta de sairmos vitoriosos neste embate?
Respondo: homenageando Therezinha Zerbini e dizendo que lutaremos com a mesma humildade e tenacidade que a levaram à luta pela Anistia no auge da ditadura, ou a lucidez que levou o jovem deputado Dante de Oliveira a lutar pelas Diretas Já.
Somos artistas, sabemos fazer arte e nos comunicar com o público. Essa é nossa especialidade. Cada um da sua forma, com a técnica e a estética que tiver à mão, saberá falar da importância da nossa luta: fazendo teatro na rua ou na rede, filmes que viralizam nas mídias eletrônicas; grafitando, se apresentando nos metrôs, nas comunidades ou onde for, combateremos a política de terra arrasada e começaremos a construir um mundo novo.
A reforma trabalhista, que nos prometia milhões de empregos e gerou milhões de desempregados, além do enfraquecimento dos sindicatos e da perda dos direitos dos trabalhadores, o enfraquecimento da previdência. Só cortaram direitos dos mais pobres, preservaram os privilégios dos mais ricos, o que nos leva a temer pelo nosso futuro.
Pensemos no ano de 2022, não pelo processo eleitoral que vai se estabelecer, mas pela comemoração do bicentenário da Independência, pelo centenário da Exposição Universal e pelo centenário da Semana de Arte Moderna que projetaram o Brasil no século XX.
Nós, trabalhadores da Arte e da Cultura, juntos com historiadores, sociólogos, geógrafos, sindicalistas, militantes comunitários, de gênero, e de quem mais quiser tomar seus destinos nas próprias mãos será bem vindo.
Portanto, conclamamos a todos: com arte, ciência e paciência, mudemos o mundo.
A convocação do Estados Gerais da Cultura tem como objetivo colocar na mesma sala, de forma espontânea, pessoas das mais diversas áreas de atuação do conhecimento interessadas no avanço rumo a um futuro de bem- estar social para todos, tendo como alavanca a ação artística e cultural.
Sim, convocamos a todos para ser protagonistas da nossa própria História, através de filme, peças de teatros, esquetes, lives, virais, memes, músicas, grafites, proteção dos nossos biomas. Tudo o que as ferramentas tecnológicas nos permitem utilizaremos como instrumento de conscientização, luta e fortalecimento respeitando as nossas tradições e nosso patrimônio étnico-cultural.
Como disse o jornalista italiano Walter Veltrone, o passado é confortável, mas o único lugar que nos abrigará é o futuro. Assim, que o façamos justo e prazeroso para todos. Com arte, ciência e paciência construiremos um mundo melhor.” Texto Silvio Tendler e o coletivo Estados Gerais da Cultura.