Mesmo sem conquistar o prêmio mais importante do cinema norte-americano, o Oscar, com Democracia em Vertigem, na categoria de melhor documentário, Petra Costa já é uma vencedora. A cineasta brasileira não é uma “menina indefesa”, numa conotação grosseira dada por Pedro Bial para desmerecer o trabalho em cinema realizado pela jovem de 36 anos. Não é mesmo indefesa, pelo contrário, ela é uma mulher inteligente, perspicaz, que colocou a situação política do Brasil no centro do cenário internacional.
Quanto a isso, não existe nenhuma dúvida, é um fato: Petra mostrou em seu documentário o golpe travestido de impeachment de Dilma Rousseff. Uma história com narrativa poética (como não definir dessa forma o olhar verdadeiramente artístico da cineasta?) ao pincelar o que foi a ditadura na vida de muitos brasileiros, incluindo seus pais que foram militantes e contra o regime militar, e o que significou o surgimento de um líder popular como Lula para o povo brasileiro.
Certamente ao apresentar a sua versão diante de um acontecimento histórico, Petra Costa foi criticada pela oposição no Brasil e por alguns setores da mídia. “Ficção e porcaria”, classificou presidente Jair Bolsonaro. O menosprezo não a deteve e ela transitou de forma elegante e firme diante das ofensas falando a veículos importantes da imprensa internacional, a exemplo do britânico The Guardian , ao jornalista Hari Sreenivasaan, de site norte-americano pbs.
A cineasta brasileira não se importou com os desafetos. Aos opositores, aqueles que acham o seu trabalho insignificante, ela os fez engolir “goela abaixo” doses diárias de publicações internacionais contanto sua versão sobre os principais acontecimentos políticos do Brasil após 2016, num inglês fluente que, provavelmente, não aprendeu “vendendo hambúrgers em lanchonetes nos EUA”.
Espectadores do mundo inteiro se identificaram com minha tentativa de discernir os fatos em meio a tanta ficção que está moldando o futuro do Brasil. Acredito que as pessoas se conectam com nosso filme porque sentem que suas democracias estão sob um tipo de ataque semelhante. O que inicialmente pareciam ser casos isolados (na Índia, Brasil e Turquia) se transformou em uma epidemia global. O filme critica os líderes que tentam silenciar pensamentos divergentes. Talvez esta seja a razão pela qual alguns políticos autoritários de extrema-direita, no Brasil e no exterior, queiram classificar os esforços artísticos e jornalísticos para desvendar a verdade como ficção e fake news.
É interessante que Lügenpresse, ou “imprensa mentirosa”, foi um slogan amplamente usado na Alemanha durante o terceiro Reich para descreditar qualquer jornalista que discordasse da posição do governo.
Esforços para descreditar a imprensa e as artes tem sido particularmente devastadores no Brasil. A sua influência vai muito além da política partidária. Desde 2019, as elites de extrema-direita e os grupos conservadores religiosos têm travado uma guerra cultural a níveis que não se viam desde os anos mais duros da ditadura militar.” Petra Costa, New York Times, artigo A Guerra de Bolsonaro contra a Verdade, 24.01.2020.
Se você não assistiu ainda o Democracia em Vertigem é momento de fazer essa digressão cultural sem censura prévia, sem posições ideologicas. Ao final, o leitor irá concordar que Petra Costa é vencedora porque seu trabalho situa-se além do significado de uma estatueta dourada. É um filme que mostra como configura-se a manipulação política, conta uma história e o deixará, ao final, com um olhar para o nada e uma pergunta sem resposta: e agora o que virá para o Brasil?