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A lenda da capela segundo um bugre. Transcrito por Sebastião Paraná – 1899

 

( Texto que faz parte da introdução do novo livro do casal Luiz Ernesto Wanke/  Maria Marlene Wanke chamado ‘Faxinal dos Polacos’, a ser lançado em 2016)

A história que se segue foi colhida por um pioneiro das letras do Paraná, ouvidas de um índio, lá pelo final do século dezenove. O vilão é um dos imigrantes eslavos que se instalaram ao longo do vale do rio Iguaçu desde a nascente em Curitiba até a região de União da Vitória. Pelo final, entende-se que era um ucraniano. Sublinhe-se o medo dos indígenas pela figura recém-instalada do imigrante e pelo cuidado que os nativos tinham que o estoque natural da floresta fosse extinto (o que parcialmente se concretizou):

“Toda a tribo vinha fugindo das margens do Iguaçu porque os cristãos derrubavam as florestas a machado sem pena nenhuma dos grandes troncos de árvores, onde viviam as araras e os mutuns e em cuja sombra rarificava o macaco, que às vezes caia nas garras do tigre (onça), nosso rival nas caçadas das selvas. Depois largavam fogo à derrubada, plantavam milho e feijão e, terminada a colheita, caminhavam para diante, devastando sempre.

Uma noite, quando acordamos, estávamos completamente cercados e só às custa da força do tacape conseguimos abrir caminho entre os nossos inimigos. Na fuga vimos que tinha sido presa uma das filhas mais belas e formosas da tribo, Janaina era seu nome, que caiu sobre o poder do chefe dos imigrantes, que era homem forte e comandava muita gente. Os pajés agitaram as maracas e a inúbia soou com força em todas as matas, reunindo a gente que escapara da morte ou cativeiro. Mas antes de chegarem os guerreiros das outras tribos, veio um velho de muito longe e entrou no Conselho dos Pajés e disse:

“- Na guerra contra os brancos que usam armas de fogo não devemos esperar senão a morte.”

Um dos nossos guerreiros escondera perto do acampamento dos nossos inimigos, um ‘filtro do amor’, que nós conhecemos, a fim de Janaina se fazer apaixonar pelo chefe. O amor de Janaina inspirará confiança e um dia, quando todos estiverem adormecidos com o ariru servido, não escapará nenhum e suas cabeças virão ornar as estacas de nossas tabas e as carnes dos mais robustos, servidas em nossas festas, lançando ao poço os corpos ruins para que não envenenem os corvos.

Os pajés ouviram o recém-chegado e o seu plano foi o plano dos pajés.

O chefe do bando ficou apaixonado, mas, infelizmente, Janaina também se deixou apaixonar pelo moço, de forma que nada foi conseguido. O chefe já era casado e houve luta entre as duas (sua mulher e Janaina). No dia seguinte Janaina disse ao chefe dos imigrantes brancos:

“- Parta para a beira do rio, onde fico à sua espera, à noite fugimos pela floresta e se você não for, amarrarei os meus pés com um cipó e me lançarei ao rio.”

Mas o chefe não foi procurar Janaina. Quando amanheceu o dia, ele correu ao rio onde só viu sua roupa, com uma coroa de maracujá do mato em cima. O homem deu um grito de desespero e ficou tão louco que se atirou na corrente para nunca mais reaparecer. A senhora branca soube do fato, montou num cavalo e correu o rio onde só viu a roupa de Janaina. Em prantos, gritou e amaldiçoou o rio, cuspindo três vezes nele.

Então as águas cavaram o chão e se esconderam no fundo da terra, os peixes ficaram cegos e a floresta fanou-se e morreu.

Seus restos formaram o esteio da capela Greco-católica.”

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