Uma mão invisível virou me pescoço em direção à janela suada pelo frio lá fora e vi a mensagem no suor da vidraça: Te amo, te amo!
O dia tinha sido exaustivo e cheio de situações interessantes que fizeram Leila esquecer um pouco seu drama pessoal. Entrou naquele quarto de hotel depois de ter passado a manhã e a tarde conversando com índios para realizar sua pesquisa de mestrado, andando no meio daquela mata exuberante, com pinheiros centenários e aproveitando dos benefícios curativos de um banho de cachoeira. A água cristalina purificou o seu corpo, lavando a alma machucada pela falta de João em sua vida – seu namorado.
Tinha falado com ele por telefone ainda no hotel, bem cedinho, antes de passar o dia nas Reservas Indígenas perto de Guarapuava. Aquele contato serviu apenas para definir na cabeça de Leila, que a relação não teria mais volta. Saiu para o trabalho com o peito ardido de dor e voltou um pouco melhor. Tinha 47 anos e já estava na segunda relação de amor, depois de um casamento desfeito, com um saldo de três maravilhosas filhas.
Assim, pensando em sua vida Leila se percebeu alinhada na frente da porta aberta do banheiro.
O quarto era um cômodo pequeno e a distância de pouco mais de um metro dava condições de enxergar a sua imagem refletida no espelho do armário da pia. Teve um sobressalto. Aquela imagem que se apresentava diante do espelho era de uma mulher envelhecida pelo vida, diferente de um rosto cheio de rugas.
Era como se ela tivesses apagado todas as conexões elétricas que lhe davam brilho na pele.
Que as células do seu corpo estivesse sem energia, desidratada, seca. Deu alguns passos em direção ao banheiro e aos poucos foi se aproximando do espelho, sem perder de vista aquele rosto sem expressão.
Naquele diálogo vazio entre o espelho e sua alma, Leila subitamente teve a sensação que alguém segurou a sua cabeça e a fez virar para o lado da janela do banheiro. Seu coração disparou quando leu no vidro embaçado“Te amo… Te amo… Você é o amor da minha vida. Eu não vivo sem você!”
Que bálsamo!
Num segundo a luz voltou a refletir dentro dos seus olhos ao ponto de aquecer o seu coração.
Sentiu-se a mulher mais feliz do mundo pois era amada por aquele indivíduo desconhecido que se declarou no vidro embaçado. A maravilhosa sensação de relaxamento a fez se jogar na cama e adormecer totalmente.
Acordou no dia seguinte leve como uma pluma.
Entrou no banheiro e imediatamente foi até a janela verificar se a declaração de amor ainda continuava lá ou se não era apenas um sonho.
Estava lá, sim, e descobriu também que foi traçada com a massa de um sabonete. Para confirmar que a declaração foi feita de verdade e não era algo etéreo, misterioso, foi até o box do banheiro e encontrou o pequeno sabonetinho de hotel com a ponta achatada, como se tivesse sido pressionado como um giz para escrever aquelas palavras maravilhosas.
Provavelmente foi um casal apaixonado que ocupou o quarto um dia antes dela entrar e a camareira não limpou os vidros e a frase se destacou no momento em que o banheiro estava cheio de vapor.
De qualquer forma, esta descoberta não a deixou decepcionada.
A declaração foi escrita para outra mulher, mas aquela mão invisível que virou o seu rosto assegurou que aquela declaração de amor, naquele momento de angústia, era dedicada somente para ela – pensou Leila sonhadoramente.
Ela é para mim também! – exclamou.
Assim, certa que era amada por alguém que se conectava diretamente com o seu coração, talvez um anjo, aqueles seres invisíveis que estão sempre zelando pelas almas oprimidas, sentiu-se outra mulher e seguiu para o trabalho segura e feliz.