O genuíno índio brasileiro tem um modo poético e simples de viver. Entre eles estão tribos inteiras que ainda conservam os costumes de seus ancestrais, Funi-Ô (foto), Zoe (ver Sebastião Salgado), Guaranis, Kaigangs(Paraná), entre outros.
Os Guaranis, por exemplo, tem poética em sua busca. São nômades. A mudança é constante e a busca deles é rumo a Leste na direção da “Terra sem Males”. Diga-se de passagem, a poética artística em relação à vida não é propriedade apenas dos primeiros habitantes do Brasil, sim, de todos os povos ameríndios que têm gravadas em suas células a sabedoria da natureza como memória atávica.
Mas é sobre os índios brasileiros que posso falar com mais propriedade porque os conheci por intermédio de entrevistas que fiz com os Guaranis e Kaigangs, da Reserva Indígena de Mangueirinha, localizada no Sudoeste do Paraná. É comovente entendê-los. Povos da floresta que andando no mato conseguem apontar que aquela árvore ali serve para tratar isso, o cipó para aquilo e assim por diante…
No final da década de 90 realizei um trabalho de resgate de plantas medicinais e dos usos e costumes com os índios de Mangueirinha. Lá estive por alguns meses, como jornalista da Secretaria Estadual do Meio Ambiente e com o cinegrafista Jurandir Carneiro (in memorian), captando imagens e entrevistando seus líderes, acompanhada do índio e professor da Reserva, Sauri.
O vídeo é antigo e alguns participantes, como o pajé dos Guarani já é falecido, mas não deixa de ser atual nos exemplos que repassa ao homem branco. As imagens originais, sem cortes, captadas para fazer um vídeo institucional na época, ensinam sobre plantas, ensinam muito. Jurandir Carneiro as fez com amor porque era também apaixonado pelo trabalho que fazia como cinegrafista na área ambiental.
Desta época tenho as melhores lembranças. Aprendi com uma índia que a vida é medida em ciclos para definir a idade de cada um. Perguntei qual era a sua idade e ela me respondeu que tinha visto a Taquara secar por duas vezes (aparece no vídeo). Portanto, isto significava que ela tinha mais de 60 anos, considerando que a Taquara seca de 30 em 30 anos.
E não é que ela tinha razão! Que ideia mais sem cabimento a nossa de medir a maturidade por minutos e segundos ou comemorar todos os anos que estamos um ano mais velhos. Precisamos de tempo para incorporar as nossas marcas na pele e a nossa história nas passagens da vida. É bem mais simples enxergar a vida como estar jovem, maduro ou estar envelhecendo, principalmente no mundo de hoje que se cultua a beleza e a juventude.
Outro fato interessante foi observar a devoção dos Guaranis pelo que chamam de invisível, o Tupã. É a definição de Deus para eles. A Casa da Reza existe em todas as tribos não somente na dos Guarani. A reunião para a devoção entre os Guaranis é diária. O ritual é feito com música e uma rabeca que te transporta a um um mundo que não é o nosso. O som é quase um lamento profundo, um mantra. Esta mesma entonação de mantra percebi no cantos Fulni-Ô, que se apresentaram recentemente no terreiro Pai Maneco em Curitiba.
Seja Guarani, Kaigang, Zoè (Pará) ou seja Fulni-Ô(Pernambuco) eles sabem mais que o homem branco em relação a mãe terra. Todos a respeitam e não derrubam árvores sem dó. Tem sua medicina sagrada e uma beleza serena estampada no semblante. Como disse o índio Guarani no vídeo, “o que manda é o que está lá em cima”, e apontou o dedo para o céu.
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