O escritor português de origem angolana Gonçalo Tavares tem uma opinião particular sobre a linguagem e seus dilemas.
“Quando a mídia noticia um acidente e repassa informações sobre o que aconteceu, é pura ilusão achar que apenas uma frase irá informar o fato. Cita nesse caso, a frase do poeta Fernando Pessoa: ‘contra argumentos, não há fatos‘.
Existem cerca de 100 mil diferentes frases que poderão ser verdadeiras”, explica. “Isso é muito interessante para a literatura”, garante o escritor, com o argumento que quanto mais se olha para um acontecimento, mais interpretações ele sofre.
“Qualquer pessoa do século XXI tem que ter aulas de defesa contra linguagem, como fazemos hoje em defesa pessoal para sair nas ruas, pois a linguagem está permanentemente a nos enganar, a nos roubar sentidos”, afirma ele.
Na sua opinião, a escrita e o mundo real são completamente diferentes.
“A escrita é abstrata. É uma ilusão acreditar que a palavra está ligada à realidade”. E acrescenta que o jornalista deve afastar a nuvem da linguagem para averiguar e descobrir a verdade por trás de discursos e textos. Para ele, o alfabeto é o mundo do abstrato, do traço, da coisa geométrica.
Ainda sobre a escrita, Gonçalo fala sobre a tensão entre fato e a representação dele.
Uma coisa é o que acontece no mundo e outra é o que se diz a propósito desse acontecimento, que pode ter inúmeras perspectivas. A linguagem é dramaticamente simplificadora. O vocábulo “cadeiras”, por exemplo, consegue abarcar numa única definição bilhões de objetos diferentes entre si, ainda que com uma essência em comum.
No passado, antes da invenção do papel, a escrita tinha a madeira ou a pedra por suporte. Escrever era medida com o ato de golpear. Demandava um instrumento firme e exigia força. Aquilo que tinha sido escrito a golpes, não mais se apagava. Um pouco como hoje, na Internet, pois o que nela é publicado, dificilmente se remove.
Essencial
Para Gonçalo a receita não é fácil e para exemplificar a situação, cita Padre Antonio Vieira, que ao escrever uma carta disse ao final: “Peço desculpas por esta carta tão longa, mas não tive tempo de fazer mais curta”.
O próprio escritor confessa que leva muito tempo para encontrar o essencial. “Escrevo muito rápido o que desejo numa primeira instância e depois faço a depuração do texto. Isto leva mais tempo do que escrever”.
Neste caso, Gonçalo lembra de Cristo, que dissera preferir pescar com linha a com rede, algo que nos remeteria à ideia de acalentar paciência e estratégia para se fisgar o peixe certo, que mais vale do que dezenas e centenas de peixes apanhados a granel.
“Tirar de linha um peixe de cada vez. Esta é a grande diferença de um pescador feliz e de um escritor sensato. A diferença está no tempo de espera, que é muito mais importante do que 100 mil peixes”.
Gonçalo Tavares é autor de diversas obras e visionário quando fala sobre a linguagem, sobretudo quando se refere a mídia, que no mundo de hoje não tem mais o objetivo puro de repassar informações. Atualmente a mídia tem o poder do dinheiro como patrono para dirigir e orientar sobre o que deve ou não ser informado.