"Woman Reading"/Kuroda Seiki

“A Revolução das Esquecidas”

 A dona-de-casa, cansada de tudo, sentou-se na soleira da porta num choro abafado.

Solitária, incompreendida, invisível ao mundo e à própria família.

Testemunhando incontáveis desilusões da pobre, a vizinha, amiga de todas as horas, resolveu dar uma mãozinha. Comprou um livro e foi dar de presente a coitada que vivia uma vida paralítica. Quando entregou o presente, falou enfaticamente, em tom de urgência:

“- Toma, lê isto! É importante! Depois você me conta o efeito que teve.”

A dona-de-casa, aturdida com aquela conversa estranha, que tinha um tom de mensagem mediúnica, aceitou o livro, mas sem muita esperança de ter nem tempo para folheá-lo. Atolada naquela que parecia irremediável monotonia, pensou contudo:

“- Quem sabe o livro pelo menos possa servir para alguma diversão e alento nesta minha vida já tão desbotada…”

Assim, a cada final de dia, após tanta exaustão e com a família já toda servida, saciada e recolhida, a dona-de-casa resolveu arranjar o que fazer para combater as próprias insônias munindo-se do livro à tira colo. Começou a leitura, deveras incrédula sobre a utilidade do livro.

Um livro

O livro contava a estória de uma dona-de-casa que um dia abriu a janela da casa e resolveu reparar melhor na vida do lado de fora. Logo descobriu que havia um mundo inteiro a ser explorado, do lado inverso da janela onde ela estava, de onde nunca havia saído. Já de imediato, a dona-de-casa leitora identificou-se com a outra – seu espelho. Assim, a cada final de dia as duas “almas gêmeas” tornaram-se cúmplices. O livro tornou-se praticamente a segunda pele da dona -de-casa, como se representasse o tratado da libertação. O livro teve o efeito de uma carta de alforria!

Lavar, passar, cozinhar, estender, entender, limpar, esfregar, costurar, calar, nutrir as necessidades alheias, etc, etc, etc … eram o únicos verbos de ação que a dona-de-casa havia conjugado até então. Nunca tivera a oportunidade de ser alguém ou sequer pensar em ser alguém num outro mundo que não fosse aquele da porta para dentro da própria casa. O único que lhe era familiar, assim como para todas as gerações e gerações de mulheres da família que vieram antes dela.

Dona-de-casa

A dona-de-casa do livro tornou-se a sua heroína, conselheira, psicóloga, confidente, amiga íntima, praticamente a Princesa Isabel que poderia então “desacorrentã-la” daquela vida infeliz, sem cor, sabor or pulsação.

Um dia, a dona-de-casa, munida do livro e algumas mudas de roupa, resolveu chamar pela própria rebelião. Mandou o marido encostado arranjar uma outra Amélia e atirou-se para fora da masmorra como um passarinho que descobriu a porta da gaiola acidentalmente aberta e viu naquele instante a oportunidade preciosa de uma vida nova em folhas.

A dona-de-casa foi despedir-se da vizinha, o único anjo a abrir-lhe os olhos para a realidade, com o livro presenteado no momento derradeiro. A vizinha trouxe-lhe a fé de volta e o livro abriu as portas de horizontes até então impensáveis.

A dona-de-casa correu o mundo como se cada dia fosse o último. Aprendeu sobre outras culturas, viu gente de diferentes cores, ouviu línguas estrangeiras que soavam como melodia. Testemunhou alegrias, dores, milagres, tudo como uma expectadora que a tudo registrava com a avidez de um explorador. Mergulhada em espanto e fascinação, viu que o mundo de fora das invisíveis grades da “prisão domiciliar” em que vivia era lindo, intrigante, também com suas tristezas e imperfeições, mas cheio de caminhos de libertação como os que ela encontrou no seu despertar. Saiu do sonambulismo para o construtivismo.

Porta voz

A dona-de-casa tornou-se a porta voz de outras donas-de-casa, mulheres à margem do mundo, sufocadas pela mesmice, opressão, esquecidas em desejos, sofrendo desamor, dissabor, todos os tipos de dor. Mulheres que perderam a identidade vivendo uma vida dos outros, nutrindo incansavelmente, sob a mais absoluta abnegação. Mulheres que tiveram a chama da vida inteira extinguida.

A revolução das esquecidas causou assombro, estardalhço e protestos por parte dos que acostumaram-se a ser servidos e nunca se deram conta que a servidão poderia ser um preço muito alto na vida de alguém. Uma vida era relegada para outra ser realçada. Este sempre foi o ciclo de vida das donas-de-casa. A vida da inércia e total invisibilidade.

No dia em que as donas-de-casa rebelaram-se, o mundo nunca mais foi o mesmo para elas e para os outros que nunca tiveram interesse de enxergar que elas também tinham direito a uma vida com necessidades, desejos e sonhos supridos, não suprimidos!

Os desejos e os sonhos das mulheres esquecidas ecoaram pelos quatro cantos da terra. A partir daí, o mundo tornou-se mais justo, cheio de amor, compreensão, respeito, felicidade, compaixão, equilíbrio, sabedoria. A sabedoria das que incansavelmente amaram e nutriram dia e noite, à despeito das próprias vicissitudes mais íntimas. Só a mulher é capaz de amar incondicionalmente. Esta é uma grande razão para ela não ser esquecida no rodapé do lares, como se fosse um objeto com data de validade vencida.  (Publicação original  Retrato de um instante

Machu Pichu hor

Machu Picchu numa visão feminina

As ruínas surgem aos teus olhos, magníficas, como se estivessem protegidas dentro de um útero

As ruínas sagradas do Machu-Picchu, no Peru, podem fazer parte de um roteiro exclusivamente feminino, uma viagem por conta própria, sem definições de itinerário, em que o acaso traz reflexão, paz e o prazer de estar longe do cotidiano e da vida moderna.É uma aventura inigualável porque o local, além de ser uns dos pontos turísticos mais procurados do planeta é, sem dúvida, uma das regiões mais genuínas desta América do Sul colorida e dissonante.

Porta do Sol

Entrar em Machu-Picchu pela porta do Sol, caminhando pelas trilhas incas é uma experiência extraordinária. É espetáculo à parte num dia ensolarado. As ruínas surgem aos teus olhos, magníficas, como se estivessem protegidas dentro de um útero. O útero do planeta Terra.

As montanhas que circundam Machu-Picchu, cobertas por florestas da Pachamama (mãe terra em quéchua), podem ser comparadas às paredes uterinas que aconchegam um filho precioso. Sem dúvida, esta visão exclusivamente feminina do Machu-Picchu define as ruínas sagradas como filho mensageiro da luz, do sagrado. Metáfora, sim, de uma magia que só não percebe quem não deseja fazer parte dela.

Seja pela caminhada inca ou seja pelo ônibus, a emoção da chegada às ruínas é única e inigualável pela beleza da paisagem e essencialmente pela história que envolve o local.

Viagem por conta própria

A vantagem de estar viajando por conta própria é de ter praticamente o dia todo para desfrutar de um lugar como este. A bilheteria das ruínas abre às 9 horas e o parque fecha às 18 horas e, em função disso, é possível visitar primeiro as trilhas próximas às ruínas como a da ponte inca, com 30 minutos de caminhada e depois, a da Porta do Sol, mais longa, com duas horas de percurso. Por volta das 15 horas é que se deve conhecer as ruínas, internamente, momento em que começa a diminuir o fluxo de turistas.

Pachamama

A condição de percorrer calmamente os terraços incas e penetrar nas construções e nos templos erguidos em pedras milimetricamente encaixadas que ainda guardam, na sua exatidão, os segredos sobre sua origem é uma aventura à parte.

O propósito de mulheres visitarem um local como Machu-Picchu, pode ser comparado ao de estreitar a sua relação com a Pachamama e estabelecer uma conexão de cumplicidade ao perceber a grandiosidade da vida neste local que mistura arqueologia e natureza numa harmonia perfeita.

A dica de deixar para conhecer as ruínas após o meio-dia, depois de ter feito muita caminhada tem vantagens e toque de mulher. Já com o hormônio da felicidade liberado em função das caminhadas, com emoção à flor da pele, vale aproveitar o local para verbalizar desejos e ideias positivas, em alto e bom-tom, com o firme propósito de “lavar a alma”.

É quase como estar numa sessão de psicanálise. Apenas com a diferença de que a natureza faz a vez do divã. É um voo livre.

Águas Calientes

Para encerrar este ritual de parceria com a sabedoria incaica, não deve faltar um banho medicinal, à noite, nas termas de Águas Calientes, verdadeiro bálsamo depois de exaustivas caminhadas. Depois disso,a ordem é entregar-se ao “sono dos justos” para aproveitar o próximo dia em Cuzco.

O fato de ser mulher e viajar sozinha em países genuínos como o Peru e a Bolívia possibilita uma vivência maior dos costumes e contato direto com o povo. A maioria do peruano e boliviano é afetuoso e puro de espírito.

Em Cuzco, por exemplo, é comum encontrar índias com seus trajes coloridos, tecendo cintos ou mantas de lã de ovelhas. Se tiver o privilégio de conhecer uma índia como a Sirilla, que além tecer seus cintos com orgulho, ela também defende as mulheres turistas ou índias.

 

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Sirilla. 2004/ Foto por Janine Malanski
Sirilla

Sirilla, do “Pueblo Chinchero” , como se identifica, tece a lã desde criança. O que aprendeu com a mãe ensina às filhas. Tem cinco filhos, ao todo, e vive de vender seu artesanato. O marido cria ovelhas. É com a lã destas ovelhas que ela tece os cintos e faixas coloridas. A cor obtém por meio das ervas e anilina que sabe preparar com maestria.

detalhe Sirila
Sirilla tecendo seus cintos. Foto por Janine Malanski
Laços femininos

Sirilla sabe defender as amigas mulheres, mesmo turistas desconhecidas, quando percebe que alguém deseja enganá-las. “São minhas amigas”, avisa. O afeto singelo de Sirilla ou de outra índia que vende seus artesanatos em Cuzco fortalecerá os laços femininos para continuar o giro pela cidade com um olhar mais aguçado.

Virgens cuzquenhas

Somente uma mulher perceberia que as virgens cusquenhas, pintadas muitas vezes por índios que frequentavam a escola cusquenha de pintura, na época em que os espanhóis queriam catequizar o mundo, impondo sua crença cristã, têm mais brilho em suas vestes.

Nem de longe se parecem com as virgens brancas, pálidas e recatadas, representadas pelos europeus. As virgens cuzquenhas são coloridas, intensas, e a maioria morenas. Belíssimas  obras!

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Nossa Senhora de Belém, século VIII – Google Art Project
Olhar Crítico

Num panorama geral, Machu Picchu seja sob a ótica feminina ou masculina é uma viagem  imperdível. De um lado, as ruínas de uma cidade que abrigou um povo que se abancou pertinho do céu  e de outro, vilarejos repletos de gente simples, de vestes coloridas, que mostram um outro modo de olhar para a vida.  Pela voracidade com que se destrói hoje a memória ancestral dos povos primitivos é melhor se aligeirar e procurar conhecer este útero gigante verde e luxuriante localizado pertinho do umbigo do mundo (Cuzco) para garantir em sua mente a imagem inesquecível de um lugar único no planeta Terra.

 

 

Machu Picchu. 2004/by Janine Malanski

Machu Picchu in a female view

Machu Picchu. 2004/by Janine Malanski
Machu Picchu. 2004/by Janine Malanski

The sacred ruins of Machu Picchu, in Peru, can be part of a uniquely feminine itinerary, a trip on her own, without routing settings, where chance brings reflection, peace and the pleasure to be aloof from everyday and modern life. It is an unparalleled adventure because the place, besides being one of the most popular among the attractions in the world, is undoubtedly one of the most geniune regions of this colorful and dissonant South America.

Enter in Machu-Picchu by the sun door, walking through Inca trails is an extraordinary experience. It is a special spectacle on a sunny day. The ruins arive in your eyes, magnificent, as if protected inside a womb. The uterus of planet Earth.

The mountains surrounding Machu-Picchu, covered by Pachamama (mother in quechua) forests, can be compared to uterine walls snuggling a precious son. Undoubtedly, this unique feminine view of Machu-Picchu defines the sacred ruins as messenger son of light, the sacred. Metaphor, yes, of a magic which just do not realize who do not want to be part of it.

Wheter by Inca walk or by bus, the emotion of arriving to the ruins is unique and unmatched by beauty of landscape and essentially by history surrounding the place.

The advantage of  travelling on your own is to have pretty much all day to enjoy a place like this. The box office opens at 9am and the park closes at 6pm, so you can visit first trails nearby the ruins as the Inca Bridge, 30 minutes walking and then, the Sun Gate, longer, with 2 hours of route. Around 3pm is when you must know the ruins internally, when tourists flow begins to slow.

The condition to follow calmly the Incan terraces and penetrate buildings and temples erected in millimeter embedded stones that still guard, in its accuracy, the secrets about its origin and is an adventure by itself. The purpose of women to visit a place like Machu-Picchu can be compared to strengthen her relationship with Pachamama and stablish a conection of complicity to realize  the grandeur of life in this place that combines archeology and nature in a perfect harmony.

The tip to know the ruins past noon, after done a lot of walking has advantages and tap woman. Already with happiness hormone released depending on walks, with emotion on edge, is valid enjoy the place to verbalize desires and positive ideas, in a loud tone, with a determination to “wash the soul”. Almost like being in a psychoanalysis session. Only with the difference that nature does the turn of the divan. It is a free flight.

To end this partnership ritual with Inca wisdom, must not miss a medicinal bath in the evening, in thermals of Aguas Calientes, a true balm after exhaustive walks. After that, the order is to enjoy the “dream of the righteous” to enjoy next day in Cuzco.
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The fact of being a woman and travel alone in genuine countries such as Peru and Bolivia allows a bigger experience of customs and direct contact with the people. Most os Peruvian and Bolivian is affectionate and pure of spirit.

In Cuzco, for example, is common to find indian with their colorful costumes, weaving belts or sheep wool blankets. If you have the privilege of meeting an Indian as Sirilla, who besides weave her belts proudly, also defends tourists woman or indigenous.

Sir

Sirilla. By Janine Malanski
Sirilla. By Janine Malanski

illa, from “Pueblo Chinchero”, as identified, weaves wool since childhood. What learned with her mother, teaches her daughters. Has five children and live to sell her crafts. Her husband creates sheep. Is with these sheep wool she weaves belts and colored bands. The color is obtained by herbs and aniline which she marterfully knows to prepare.

detalhe Sirila

Sirilla knows to defend her girlfriends, even unknown tourists, when realises someone is attempting to deceive them. “Are my friends”, she warns. The simple affection of Sirilla or any other Indian who sells her artcrafts in Cuzco strengthen women’s ties to continue the tour by the city with a sharper look.

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Blessed Virgin of Belem. Eighteenth century. Google Art Project
Only a woman would realize that virgins from Cuzco, many times painted by Indians who went to Cuzco school of painting, at the time Spaniards wanted to evangelize the world, imposing their Christian faith, have more shine in their clothes. Even remotely resemble white virgins, pale and modest, represented by Europeans. The virgins from Cuzco are colorful, intense, and most brunettes. Wonderful works!

Critical Look

Overall, Machu-Picchu by female or male perspective is a must-see trip. On one hand, ruins of a city that housed a people near the sky and on the other, villages full of simple people, with colorful clothes, that shows an other way to look at life. By the voracity with which primitive people memory is destroyed, is better to be fast and try to find this giant uterus green and luxurious located close the navel of the world (Cuzco) to ensure in your mind the unforgettable image of a single place on Earth.

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Yayoi Kusama is an artist that attracts more public. But galleries and museums still prefer men


Original publication in Exibart – A fact is the fame of artist measured by the audience that attracts, an other is the issue of preference of galleries and museums. A study reveals that in USA, in six years, around 73 per cent of museums and galleries showed works of plastic artists of male gender. But to counterbalance the data, in the other end the japanese artist Yayoi Kusama is public’s favorite. Male artists of art institution

The entire article published in Exibart:

“A survey about the number of visitors in museums in 2014 showed the most popular artist in the world: Yayoi Kusama. The japanese artist who since 1977 lives by her choice in a psychiatric institute in Tokyo, attracted with her art, around 2 million people moving around the Americas, Central and South, in retrospective that included one of her most famous artwork, the suggestive installation, Infinity Mirror Room. Her other exhibition is actually in Taiwan to proceed later to New Delhi and demonstrates how her figure has a fundamental role in pop art as in global vanguard. 

The more remarkable is the fact of a woman conquer the first place, whereas another survey revealed 73 per cent of American galleries in last six years had male artists as protagonists. The success of Kusama seems, intead, to demonstrate the public does not tend to prefer, in fact, male art, the opposite. Moreover, the second personal exhibition of more succes salways considering  the last six years, has been the Marina Abramovic, in New York MoMa, which attracted each day around 7000 visitors a day.

Third place went to the sculptor Richard Serra, who in 2007 attracted a day in MoMa around 8,500 people, but fourth position goes again to a woman, Swiss Pipilotti Rist with her installation al MoMa (the museum hosted 17 of the 20 most successful exhibition), which attracted more than 6000 spectators a day. At the end, the public rewards the woman, but galleries and museums still prefer men artists. There will come the time to reverse the tendency?”

Critical Look

Certainly Giula, the trend is changing and the public will be the one to speak, not art institutions. They should not follow steps dictated by web commands that already dominates art market. No more formalized institution – halls, galleries, museums, cultural spaces – will point the direction for plastic artists. The galleries and museums, among other places, are already adjusting to trend set by online universe.

The thesis www.parana.e-mail.art.br  shows the voracious speed with changes occured in last 9 years. In 2006, plastic artists in Parana refused to use internet technology and kept themselves remained to change, only sometimes the most visionares used particular e-mails to start interacting with their public. The change with social media was the peak for artist conquer his freedom and not be tied to dictates established by galleries and museums. But the walk to transformation and democracy in art has only started.