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‘Minha mulher parece uma artista’

Minha mulher parece uma artista’….

falou Umberto alto e em bom tom, com aquela sonoridade na voz que faz vibrar as mais escondidas e profundas cavidades de nosso ouvido. A frase foi uma reação imediata, logo em seguida que demonstrei a ele minha admiração pela elegância de Francesca.

A entonação usada era tão firme e segura que não havia dúvidas sobre o fato de que ele considerava sua esposa uma mulher tão bela quanto uma artista.

Francesa vestia um longo esportivo preto,  acompanhado por um blazer branco para quebrar a cor escura e para dar um tom mais colorido, colocou como acessório uma flor de seda amarela no lado direito do paletó feminino, mais um colar de pérolas, longo, jogado displicentemente no pescoço, maquiagem delicada, cabelos em coque e um sorriso nos lábios. Ela sabia que encantava o seu pequeno público.

Espontânea

A cena foi tão espontânea naquele espaço de tempo em que Francesca surgiu na porta de sua casa que fiz uma exclamação de admiração e disse:  Que bela!

Umberto assentiu com a cabeça em sinal afirmativo, para em seguida dizer que para ele sua mulher parecia uma artista. Até este ponto da narração nada de incomum  quanto ao fato do marido achar a esposa muito bonita.

No entanto, neste caso, é muito significativo o contexto em que se insere o referido casal. Eles vivem há mais ou menos 50 anos juntos, o que certamente em idade nenhum dos dois tem  20 anos. Arriscamos mais de 70 anos.

– ‘Mia moglie sembra un`artista’, repito a frase original dita para mim por aquele italiano alto, de porte majestoso e ao mesmo tempo extraordinariamente objetivo na constatação de que  sua mulher era carismática.

Afeto

A cena me impressionou tanto que até hoje me lembro do episódio e do casal com muito afeto, como duas pessoas que estão além do tempo. A firmeza nas palavras de Umberto, seu porte altivo (passou maior parte de sua vida como militar de carreira), e a jovialidade de Francesca,  me fizeram enxergá-los com um outro olhar.  Os gesto firme do italiano e a jovialidade  da mulher dele eram tão perfeitos, naqueles instantes mágicos, tão bem acabados quanto uma obra de arte.

Isso mesmo! Uma obra de arte.

Tem gente que não fica velho, apenas antigo. Assim são as obras de arte quanto mais antigas mais valiosas.

Provavelmente, Umberto e Francesca viveram sem grandes pretensões de transformar a vida num contos de fada, pelo contrário, enfrentaram os desafios do cotidiano como todo casal que vive um relacionamento duradouro.

Por isso, não vem ao caso associar um elogio ao sentimento que ele, o marido, nutre pela mulher. O objetivo em colocar como ponto de partida a frase de Umberto para este texto foi fazer uma viagem reflexiva sobre a magia do além tempo. Quase um tratado de Física Quântica, rsss…

Sim, sorrio! É ousado tentar escrever algo nada palpável. Na Física Quântica o objeto muda de acordo com a realidade. Imaginem vocês eu arriscando teorias no campo da Física!

No entanto, é maravilhosa essa condição de, numa fração segundos, captarmos a essência dos nossos mais preciosos e perfeitos conteúdos.

Neste momento lembrei do escritor Milan Kundera quando escreve em seu livro, Imortalidade, suas impressões sobre o encanto de um gesto feito por uma senhora de idade, pela leveza e o jeito gracioso com que acenou para seu professor de natação e como esse instantâneo de comportamento a transformou numa jovem de 20 anos, por segundos.

Jovem

De algum modo, Francesca  que não tinha mais 20 anos, revelou a essência de seu encanto na elegância do modo de vestir e na pureza do seu sorriso. Apresentou-se com o frescor da juventude. Bela como uma artista não somente para Umberto, mas para ela mesma porque sentia-se estimulada pela vida.

Concordo plenamente com Kundera quando diz que uma parte de todos nós vive além do tempo e que talvez só tomamos consciência de nossa idade em certos momentos excepcionais, sendo na maior parte do tempo, uns sem-idade.

Assim Francesca  naquele dia encantou Umberto e fez sentido à reflexão do escritor Milan Kundera.

“Graças a este gesto, no espaço de um segundo, uma essência de seu encanto, que não dependia do tempo, revelava-se e me encantava” .

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