BAAD8100-BC39-4767-B993-1CE844744C81

Pinheiro do Paraná tem dia especial para lembrar dele antes que acabe

O dia Nacional da Araucária é hoje, 24 de junho! Juro que fiquei surpresa em saber disso e lembrei dos dois exemplares espremidos entre os prédios, perto de casa em Curitiba.

Estão lá, lindos e imponentes e sem perder a majestade. O mais conhecido como pinheiro do Paraná fez parte da minha vida e da minha história ancestral. Nascida numa família de madeireiros, desde o tempo do bisavô paterno Theodoro Kluppel, não podia faltar histórias extraordinárias de corte indiscriminados e destruição de florestas contadas pelo meu pai que também, para diminuir sua culpa gostava de pintá-los em seus momentos de inspiração.

Infelizmente, as famosas ‘matas pretas’, as florestas de Araucária Angustifolia,  podem não mais existir no futuro, tal foi a destruição durante o famoso ciclo da madeira no Paraná.

Meu pai fez parte da história do Paraná, Sul do Brasil. Ele presenciou o auge do ciclo da madeira e a decadência das serrarias que tiveram que fechar suas portas, nas décadas 50 e 60, quando a matéria-prima – o pinheiro  começou a diminuir no Paraná,

Sempre que tinha oportunidade Egon Weigert retirava as lembranças lá do fundo de sua mente e as colocava numa roda de filhos e netos, em volta da mesa. Papai trabalhou 20 anos na serraria que meu bisavô fundou no município de Ponta-Grossa.

 Uma empresa que começou pequena e com o passar dos anos expandiu-se e transformou-se numa sociedade anônima. Mas da mesma forma que cresceu, foi ao topo, no final da década de 60, por falta de estrutura e má administração não sobreviveu ao período de escassez da matéria-prima.

Papai viveu para ver um verdadeiro filme de bang-bang americano no Grilo Boaventura. Violência, tiroteio e roubo de madeira, assim ele contava.

O Boaventura foi um dos maiores grilos de terra do nosso estado (quando diversas pessoas se apossam da terra e existem vários documentos de compra e venda falsificados). Este grilo levou quase 100 anos para ser regularizado. Eu cheguei a presenciar parte desta regularização como jornalista da Governo do Estado.

Dessa forma, as famosas matas pretas, as florestas de pinheiros, foram sumindo da paisagem paranaense. Antes cobriam parte total do território. Hoje, o Paraná tem menos de 2%. São chamadas matas preta porque se destacam pela cor escura do verde visto à distância.

O Paraná perdeu a beleza de suas matas e meu pai perdeu dinheiro e ganhou lembranças. Como tributo a esta árvore magnífica passou os últimos anos de sua vida pintando telas que tinham sempre, como cenário de fundo, o pinheiro do Paraná….

Certo dia, numa reunião familiar de gente miúda com a vovó, contei algumas histórias do pinheiro do Paraná e do bisavô (meu pai) pintor de pinheiros para eles.

Na sequência, em outro dia fui surpreendida com um presente de Pedro ( 5 anos). Um folha dobrada e nela o desenho do Pinheiro de dele. Apontou para a tela que tenho na parede da sala e disse: “eu fiz um pinheiro”.

Gabriela ( 6 anos) também não quis ficar para trás. No dia seguinte foi a vez dela me dar de presente o seu pinheiro com todo o orgulho de artista.

Ahistórias devem ser contadas para aprender com o passado e não repetir os erros no presente. Vamos torcer que o nosso pinheiro, celebrado hoje como Dia Nacional não seja apenas lembrado em telas artísticas e memórias do passado.  #pinheirodoparaná!

52A90FBF-8F52-4B4F-8FB1-C6CE4A793735

Arte de fazer arte na infância

A primeira vernissage de meus netos e netas na escola foi uma surpresa. Pedro, de 4 anos, todo empolgado me puxou pela mão para mostrar sua pintura que era de alguém que terminava com Amaral.

A enrolada na língua foi grande para pronunciar Tarsila. Sem dúvida  era um desafio dizer  o nome da artista para um pequeno, mas os gêmeos João e Pedro, sem preconceitos, esforçaram-se para reproduzir o autorretrato famoso de Tarsila do Amaral.

Telas como a Dança, de Matisse foram trabalhadas com as outras turmas, cujas netas participaram, Gabriela e Olivia. Ubuntu  foi o tema da Semana Cultural do ano passado, na Casa Escola, em Natal. Este ano, o foco foi sobre o que é invisível no mundo e está no nosso cotidiano e às vezes não percebemos.

Para Gabriela, a escolha foi  desenhar um esquilo perto da árvore idealizada por sua turma e que abrigava muitos animais. Olívia fez uma série de seres que vivem no fundo do mar e colocou-os como figuras mitológicas. 

Os seres invisíveis da floresta - Gabi e seu esquilo /2025
Vernissage de 2024 na Casa Escola
Seres mitologicos do fundo do mar - Olivia 2025

Trabalhos com colagens e fotografias abordando a questão social foram feitos nas turmas mais avançadas,  como os moradores de rua e de trabalhadores que fazem a coleta do lixo na cidade. Esse tema lembrou uma tese de doutorado sobre os coletadores de lixo que nem mesmo cumprimentavam as pessoas  por sentirem invisíveis.

Colagem em fotografia - Casa Escola

Para turma dos gêmeos, entre 3 a 4 anos, foi desenvolvido o tema das comunidades periféricas, onde vivem crianças que brincam, jogam futebol e vão à escola. Crianças que a sociedade não dá o devido valor pelo seu futuro.

A vida na periferia - participação João e Pedro

Neste papo sobre Arte de Fazer Arte na Infância lembrei da amiga Ariane Genesi, que comentou sobre o trabalho de seu filho João, na época com 14 anos. A escola desenvolveu uma releitura de ”O grito’, do artista norueguês  Edvard Munch ( 1863-1944). A atividade cultural foi em 2023, quando estávamos saindo da pandemia.

Vernissage da escola Projeto 21 - reeleitura de o Grito/ 2023

 Projeto 21, foi a escola de Curitiba que interpretou na arte o tema angústia e pavor. Os famosos estudos de Munch intitulado o ‘O Grito’ foram base dessa reeleitura que rendeu muita criatividade por parte dos alunos

João, filho de Ariane, nos seus 14 anos de vida fez algo menos angustiante que Munch, porém mostrou sua força jovem nas cores e na expressão colocada em seu personagem. Como se dissesse na sua boca bem aberta: Eu existo! (Bem, a análise é minha)

O Grito - João/ 2023 -Escola Projeto 21
Lunamar Rodrigues com seus alunos

Também me questionei sobre o desenvolvimento da arte na escola pública. Qual é o resultado?

 Neste caso fui em busca da experiência de outra amiga, professora, arte-educadora Lunamar Rodrigues. Apesar de estar afastada de sala de aula a um bom tempo por motivos de saúde, Lunamar explicou que desenvolveu um projeto no ano passado enquanto atuava na biblioteca de uma escola pública em Curitiba. O projeto foi desenvolvido no intervalo entre a manhã e tarde, isso porque a escola era de horário integral. 

Sua atuação foi dirigida a adolescentes e desenvolveu diversas atividades, de releitura de uma obra de arte até o simples colorir um desenho pré-definido.

O detalhe da concentração na atividade de colorir

Confessou que no começo tinha um certo preconceito pela atividade de colorir, achava que não estimulava tanto a criatividade na criança porque trabalhava em um desenho que já estava pronto. Mas descobriu pesquisando que a atividade de colorir tem inúmeros benefícios para a criança. Colorir tem magia.

“A maior parte das crianças que buscavam a atividade era as que tinham mais problemas”, conta Luna, e percebeu que  a turma se aquietava e gostava daquela atividade.

” Assim destaquei esta atividade e percebi que isso melhorava a concentração deles e  os acalmava. Voltavam para a sala de aula mais seguros e preparados para outros desafios”.

Alguns flagrantes de crianças que são estimuladas a produzir arte ou têm um aprendizado sobre cultura. A importância deste ensino na infância.

Todas as semanas recebo meus netos em casa e a festa maior é muitas vezes desenhar e pintar. Isso ajuda os quatro não ficarem paralisados em frente a televisão assistindo desenhos. A concentração é máxima e como podem observar no final do vídeo alguns traços originais dos meus pequenos artistas. E como Lunamar observou: a concentração é máxima. “É o refúgio de calma e paciência, estímulo a criatividade, uma jornada de meditação, é um lidar bem com as emoções, bem-estar para todos, afirmar a personalidade e potencializar o raciocínio”. Quem  diz isso não sou eu e sim, alguns pesquisadores em matéria publicada no  Kogno, que trata sobre os conceitos mais modernos da neurociência…

Leitura recomendada: Neurociência da beleza. Sua aproximação com a arte

516817a418bcephoto_high_8526

Sebastião Salgado nos deixou e ficou o vazio de quem sabia desenhar com a luz como ninguém!

Sebastião Salgado foi uma dessas pessoas que não deveria deixar tão cedo este mundo. Era o fotógrafo que desenhava com a luz e usava sua refinada sensibilidade para captar imagens que tocavam a alma do observador numa exposição.

Deveria ficar mais e continuar dar exemplos como sempre fez, ao mostrar pelas lentes de sua máquina fotográfica o mundo que nos rodeia e sua complexidade de um jeito tão poético. Suas imagens humanizavam a vida!

Sem dúvida, obras de artes que contam histórias contundentes da humanidade e estampam nas fotos, as regiões mais remotas, intactas e fantásticas do planeta. São fotos em preto e branco, mudas , estáticas, no entanto extraordinariamente interativas.

A luz e a sombra – foto(luz) grafia (desenho ou escrita) em grego – tão bem direcionadas por Salgado, revelam o  âmago da imagem que estava sendo captada naquela fração de segundos com a lente. 

A primeira vez que visitei uma mostra de Sebastião Salgado foi em 2012, em Roma. Muito chique né… Mas estava por lá e vi o anúncio sobre a exposição Genesis, no Ara Pacis.

É indescritível a sensação de quem gosta de se projetar no passado e ter em mente a história do lugar passando como um filme. 

Ara Pacis Augustae ( Altar da Paz de Augusto) foi construído em 13 a.C e inaugurado em 9 a.C. Exato, devem estar pensando nos romanos guerreiros, mas tem todo um contexto político na construção deste monumento. Enfim, o que eu quis destacar ao  visitar uma mostra fotográfica que captou os lugares mais remotos e intactos do planeta, num local histórico – milenar, foi de que esse mix do que existe de remoto e intacto neste planeta sendo apresentado num espaço que conta a história de uma civilização antiga,  é de arrepiar! 

Na sequência dos anos acompanhei a trajetória deste fotógrafo, cuja sensibilidade era tal que me colocava como parte e de sua vida, por meio de suas imagens. Suas ideias me representavam era como se fossemos velhos conhecidos. Assim, acredito muitos brasileiros sentem-se em relação a Sebastião Salgado. Um grande amigo que mostrava para o mundo o quanto é possível lutar por um bem maior. 

O documentário Sal da Terra vale a pena assistir, cuja direção é do alemão Wim Wenders e do filho Juliano Salgado, para entender o que se manifesta nesta planeta gigante. E como prêmio o ingresso livre a viagens inesquecíveis que poucos têm o privilégio de fazer, assim como poucos têm o coração solidário de dividir com os outros suas impressões e conhecimento.

O trabalho de Sebastião Salgado é um patrimônio inestimável para humanidade. É documento para futuro.

Talvez não. Se acompanharmos pelo documentário o que se passou no coração deste homem e entendermos que para ele curar a sua doença da alma, do desalento, que adquiriu ao compor Exodus e outras mostras que apresentam a bestialidade do homem e suas atribulações, podemos acreditar que é possível reconstruir.

 

Instituto Terra - clique em cima

Sebastião Salgado foi buscar em sua terra de origem um meio de se salvar. Na sua fazenda de infância, no Vale do Rio Doce, Minas Gerais, interior do Brasil, devastada e sem vida ele se reergueu e encontrou força para continuar porque também sua terra, sua raiz se regenerou. A natureza pródiga em pouco mais de 10 anos renasceu como Fênix para provar ao mundo que é possível recomeçar sem medo. O Instituto Terra é o fruto da semente que germinou. Leia mais Instituto Terras Sebastião Salgado.

Sebastião Salgado defendeu os povos indígenas da Amazônia durante a pandemia do Covid-19, pelo Avaaz.

Impossível não se emocionar ao apreciar uma obra deste gigante na fotografia que também orgulha a nós brasileiros, lá fora.

Agora ele nos deixou sem um aviso prévio.

 

 

foto Inst. Terra- clique em cima

Perdemos em poucos meses grandes líderes humanistas do mundo contemporâneo,  Papa Francisco, Pepe Mujica e Sebastião Salgado. Nosso fotógrafo e artista que usava a imagem em preto e branco para valorizar o que possuímos de mais belo neste planeta azul e mostrar flagrantes de uma humanidade precisando de ajuda. Mujica e Papa Francisco eram mestres pensadores que davam lições sobre a vida!.

IMG_4726

Qual é a intenção da artista numa obra como esta? Manal Al Dowayan

"O deserto sussurra e a voz se eleva".A obra é da artista da Arábia Saudita Manal Dowayan, também ativista pelos direitos das mulheres sauditas. Uma instalação que impressiona!

Uma obra monumental tanto em tamanho como em conteúdo poético para dar voz e espaço às mulheres, que mesmo sendo distantes de nós brasileiras sofrem pela opressão de uma cultura religiosa e patriarcal. Tive o prazer de apreciar a instalação da 60ª Bienal de Veneza.

Manal al Dowayan, juntamente com muitos outros artistas e ativistas, usa a arte como uma caixa de ressonância das revindicações de grupos que são minorias numa comunidade. 

 Isso é genial! 

As grandes placas que tomaram o espaço de uma das salas expositivas do Arsenale, na bienal, representavam pétalas para  fazer a conexão com a ‘rosa do deserto’ e os textos foram serigrafados em seda, representando o que se divulga na mídia  sobre as mulheres sauditas. Proibições como citar nome em público, pouco acesso à educação….

Para completar a obra, Manal gravou o som das dunas e convidou mulheres e meninas para cantar com ela, seguindo os zumbidos e assobios do vento. “Cria um corpo auditivo, invisível, mas ternamente existente, modificável e numa continuidade de experiências de narrativas. 

São lamentos, os gritos de mulheres sauditas que ganham substância contemporânea na representação de dois elementos: o natural e o cultural. Se o primeiro é a fusão com os mesmos grãos de areia, o segundo vem do tradicional canto de batalha de homens que se movem ritmicamente, um só povo, um só sangue.

 

“O deserto sussura e a voz se eleva” é uma criação coletiva, é a voz de uma comunidade feminina que se descobre como uma energia poderosa e resistente, uma força invisível interagindo pela arte capaz, talvez, de subverter a história de um país inteiro.

Achei importante postar o vídeo de Manal, no qual ela trata de uma obra sobre a proteção das palavras. Chama atenção para a riqueza da sua língua materna, que ao longo dos anos deixou pra trás muitas palavras pelo desuso.


Qual é a inteção do(a) artista numa obra como essa? É uma série de artigos que irei postar sobre obras que trazem além da arte uma poética de mobilização, de ativismo. Começamos com Manal Al Dowayan, artista saudita, por ela representar a voz da mulheres num mundo dos homens.

Seja na Arábia Saudita ou em qualquer parte do mundo as estatísticas comprovam a violência contra a mulher é fato e que precisamos sempre denunciar para mudar a versão da história.

 

O tema da Bienal de Veneza em 2024 foi “Estrangeiros por toda parte”. Sim somos estrangeiros neste mundo, todos viajantes e de passagem, com histórias diferentes e preciosas que devem ser contadas e lembradas.