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Sebastião Salgado nos deixou e ficou o vazio de quem sabia desenhar com a luz como ninguém!

Sebastião Salgado foi uma dessas pessoas que não deveria deixar tão cedo este mundo. Era o fotógrafo que desenhava com a luz e usava sua refinada sensibilidade para captar imagens que tocavam a alma do observador numa exposição.

Deveria ficar mais e continuar dar exemplos como sempre fez, ao mostrar pelas lentes de sua máquina fotográfica o mundo que nos rodeia e sua complexidade de um jeito tão poético. Suas imagens humanizavam a vida!

Sem dúvida, obras de artes que contam histórias contundentes da humanidade e estampam nas fotos, as regiões mais remotas, intactas e fantásticas do planeta. São fotos em preto e branco, mudas , estáticas, no entanto extraordinariamente interativas.

A luz e a sombra – foto(luz) grafia (desenho ou escrita) em grego – tão bem direcionadas por Salgado, revelam o  âmago da imagem que estava sendo captada naquela fração de segundos com a lente. 

A primeira vez que visitei uma mostra de Sebastião Salgado foi em 2012, em Roma. Muito chique né… Mas estava por lá e vi o anúncio sobre a exposição Genesis, no Ara Pacis.

É indescritível a sensação de quem gosta de se projetar no passado e ter em mente a história do lugar passando como um filme. 

Ara Pacis Augustae ( Altar da Paz de Augusto) foi construído em 13 a.C e inaugurado em 9 a.C. Exato, devem estar pensando nos romanos guerreiros, mas tem todo um contexto político na construção deste monumento. Enfim, o que eu quis destacar ao  visitar uma mostra fotográfica que captou os lugares mais remotos e intactos do planeta, num local histórico – milenar, foi de que esse mix do que existe de remoto e intacto neste planeta sendo apresentado num espaço que conta a história de uma civilização antiga,  é de arrepiar! 

Na sequência dos anos acompanhei a trajetória deste fotógrafo, cuja sensibilidade era tal que me colocava como parte e de sua vida, por meio de suas imagens. Suas ideias me representavam era como se fossemos velhos conhecidos. Assim, acredito muitos brasileiros sentem-se em relação a Sebastião Salgado. Um grande amigo que mostrava para o mundo o quanto é possível lutar por um bem maior. 

O documentário Sal da Terra vale a pena assistir, cuja direção é do alemão Wim Wenders e do filho Juliano Salgado, para entender o que se manifesta nesta planeta gigante. E como prêmio o ingresso livre a viagens inesquecíveis que poucos têm o privilégio de fazer, assim como poucos têm o coração solidário de dividir com os outros suas impressões e conhecimento.

O trabalho de Sebastião Salgado é um patrimônio inestimável para humanidade. É documento para futuro.

Talvez não. Se acompanharmos pelo documentário o que se passou no coração deste homem e entendermos que para ele curar a sua doença da alma, do desalento, que adquiriu ao compor Exodus e outras mostras que apresentam a bestialidade do homem e suas atribulações, podemos acreditar que é possível reconstruir.

 

Instituto Terra - clique em cima

Sebastião Salgado foi buscar em sua terra de origem um meio de se salvar. Na sua fazenda de infância, no Vale do Rio Doce, Minas Gerais, interior do Brasil, devastada e sem vida ele se reergueu e encontrou força para continuar porque também sua terra, sua raiz se regenerou. A natureza pródiga em pouco mais de 10 anos renasceu como Fênix para provar ao mundo que é possível recomeçar sem medo. O Instituto Terra é o fruto da semente que germinou. Leia mais Instituto Terras Sebastião Salgado.

Sebastião Salgado defendeu os povos indígenas da Amazônia durante a pandemia do Covid-19, pelo Avaaz.

Impossível não se emocionar ao apreciar uma obra deste gigante na fotografia que também orgulha a nós brasileiros, lá fora.

Agora ele nos deixou sem um aviso prévio.

 

 

foto Inst. Terra- clique em cima

Perdemos em poucos meses grandes líderes humanistas do mundo contemporâneo,  Papa Francisco, Pepe Mujica e Sebastião Salgado. Nosso fotógrafo e artista que usava a imagem em preto e branco para valorizar o que possuímos de mais belo neste planeta azul e mostrar flagrantes de uma humanidade precisando de ajuda. Mujica e Papa Francisco eram mestres pensadores que davam lições sobre a vida!.

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Qual é a intenção da artista numa obra como esta? Manal Al Dowayan

"O deserto sussurra e a voz se eleva".A obra é da artista da Arábia Saudita Manal Dowayan, também ativista pelos direitos das mulheres sauditas. Uma instalação que impressiona!

Uma obra monumental tanto em tamanho como em conteúdo poético para dar voz e espaço às mulheres, que mesmo sendo distantes de nós brasileiras sofrem pela opressão de uma cultura religiosa e patriarcal. Tive o prazer de apreciar a instalação da 60ª Bienal de Veneza.

Manal al Dowayan, juntamente com muitos outros artistas e ativistas, usa a arte como uma caixa de ressonância das revindicações de grupos que são minorias numa comunidade. 

 Isso é genial! 

As grandes placas que tomaram o espaço de uma das salas expositivas do Arsenale, na bienal, representavam pétalas para  fazer a conexão com a ‘rosa do deserto’ e os textos foram serigrafados em seda, representando o que se divulga na mídia  sobre as mulheres sauditas. Proibições como citar nome em público, pouco acesso à educação….

Para completar a obra, Manal gravou o som das dunas e convidou mulheres e meninas para cantar com ela, seguindo os zumbidos e assobios do vento. “Cria um corpo auditivo, invisível, mas ternamente existente, modificável e numa continuidade de experiências de narrativas. 

São lamentos, os gritos de mulheres sauditas que ganham substância contemporânea na representação de dois elementos: o natural e o cultural. Se o primeiro é a fusão com os mesmos grãos de areia, o segundo vem do tradicional canto de batalha de homens que se movem ritmicamente, um só povo, um só sangue.

 

“O deserto sussura e a voz se eleva” é uma criação coletiva, é a voz de uma comunidade feminina que se descobre como uma energia poderosa e resistente, uma força invisível interagindo pela arte capaz, talvez, de subverter a história de um país inteiro.

Achei importante postar o vídeo de Manal, no qual ela trata de uma obra sobre a proteção das palavras. Chama atenção para a riqueza da sua língua materna, que ao longo dos anos deixou pra trás muitas palavras pelo desuso.


Qual é a inteção do(a) artista numa obra como essa? É uma série de artigos que irei postar sobre obras que trazem além da arte uma poética de mobilização, de ativismo. Começamos com Manal Al Dowayan, artista saudita, por ela representar a voz da mulheres num mundo dos homens.

Seja na Arábia Saudita ou em qualquer parte do mundo as estatísticas comprovam a violência contra a mulher é fato e que precisamos sempre denunciar para mudar a versão da história.

 

O tema da Bienal de Veneza em 2024 foi “Estrangeiros por toda parte”. Sim somos estrangeiros neste mundo, todos viajantes e de passagem, com histórias diferentes e preciosas que devem ser contadas e lembradas.

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Biblioteca Joanina é a mais bela entre as belas

Êxtase é sensação inicial ao deparar-se com a beleza artística da Biblioteca Joanina, localizada dentro de Universidade de Coimbra, em Portugal. Para a palavra êxtase considera-se a  definição da Wikipedia, desprender-se subitamente, sair de si, elevar-se.

Por alguns minutos, qualquer pessoa que entrar nesse espaço magnífico pelo que reúne em sabedoria sentirá esse desprendimento. Mais ainda ao se dar conta que há trezentos anos existiam homens que amavam os livros também.

Elevará o espírito, certamente, no instante em que seu olhar estiver percorrendo os detalhes da mais genuína arte barroca ao seu entorno e envolvendo-se com a existência de 60 mil livros que ali existem, na maioria anteriores ao século XVIII e escritos grande parte em latim.

Eles estão organizados nas 72 estantes dispostas em dois andares, de madeiras douradas e policromadas ( de fundo verde ou vermelho), que cobrem as paredes das três salas da ‘Casa da Livraria’, como D.João V, o seu fundador a denominou. Daí o nome da Biblioteca ‘Joanina’. Ao fundo está o retrato pintado de D.João V.

Morcêgos

A Biblioteca Joanina tem 300 anos e foi executada pelo arquiteto Gaspar Ferreira, de Coimbra. Ninguém sabe quem foi o autor do projeto. O fato interessante é que a Biblioteca tem seus morcêgos de estimação. Por lá, eles são queridos e não temidos. A Biblioteca Joanina mantém-se por eles que comem os insetos (em especial as traças), preservando assim os livros numa relação simbiótica.

Os morcêgos da Joanina foram até citados na A Obsessão ao Fogo, de Umberco Eco.

Ouro do Brasil

O ouro utilizado na decoração vinha do Brasil. Os dourados Chinoiserie – pequenas pinturas decorativas feitas em folha de ouro – revestem quase todas as estantes. O trabalho é assinado por Manuel da Silva que realizou em 40 meses. Antonio Simões Ribeiro e Vicente Nunes foram contratados em Lisboa para realizar a decoração dos três tetos das salas. As pinturas são ilusionística, ou seja, que cria ilusão de ótica.

Cada afresco tem uma simbologia. A primeira revela a figura da Biblioteca e nas sancas quatro figuras femininas que representam os quatro continentes (África, Ásia, Europa e Ámerica) sugerindo a abertura à sabedoria proveniente de todas partes do mundo.  A legenda em latim significa “estas estantes ornam-se de livrinhos, felizes”.

O teto central o afresco refere-se a própria Universidade rodeada pelos atributos que devem nortear o exercício de sua missão: Honra, Virtude, Fortuna e Fama – e insistindo na cultura clássica como base do saber universal. Os medalhões periféricos representam os autores latinos, Virgílio, Ovídio, Sêneca e Cícero.

No teto da terceira sala a Universidade surge como síntese do saber universal. As principais áreas do saber da época, Teologia e Cânones, Direito e Leis, Ciências e Natureza para Medicina e por fim, Artes.

Parabéns ao povo português que preserva com tanto orgulho esse patrimônio cultural, histórico e artístico. Um verdadeiro tesouro para humanidade!

 

 

 

 

 

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“Se hoje temos liberdade é porque um dia faltou a alguém”

A reflexão de Catarina(13 anos) sobre a Revolução dos Cravos, que libertou Portugal da ditadura salazarista foi pontual.

“Se hoje tenho liberdade foi porque, um dia, faltou para alguém. Foi porque, um dia, foi preso alguém. Foi porque, um dia, lutou com alguém. Foi porque, um dia, alguém invadiu uma rádio e colocou uma música e…. Aconteceu uma luta, sem lutar. Uma guerra sem guerrear, uma ferida que, um dia, vai se curar!”

Ilustração por Catarina W. R. 04/2025

Catarina é minha neta e vive em Portugal desde os 7 anos.  A sua poética na tarefa escolar sobre a celebração do dia 25 de abril, da Revolução dos Cravos, em Portugal, colocou o ‘dedo na ferida’ porque mesmo sendo “uma guerra, sem guerrear,”como diz ela.  A falta de liberdade dói e fere. Uma ferida que custa a curar.

“Se hoje tenho liberdade foi porque, um dia, faltou para alguém!”

A Revolução dos Cravos aconteceu no dia 25 de abril de 1974  a partir de um movimento militar  que pôs fim a ditadura salazarista que se mantinha  por mais de 50 anos no poder.

Na madrugada do dia 25 de abril de 1974, foi tocada na rádio a música “Grândola, Vila Morena”, de José Afonso. A música foi senha para a população de que os militares estavam em marcha para conquistar a tão sonhada liberdade.

Amúsica no movimento português foi o estímulo para a mobilização de um povo. Arte presente!

Vale escutar Grândola Vila Morena neste  vídeo, um achado maravilhoso gravado há 10 anos que aproxima Brasil e Portugal na arte. Voz e vocais – Kátya Teixeira e Luiz Salgado Participações Especiais Voz e vocais – Susana Travassos (Portugal) Voz e vocais – Uxía Senlle (Galiza) Percussão Corporal e vocais – Barbatuques (Brasil) André Venegas, André Hosoi, Dani Zulu, João Simão, Mairah Rocha, Renato Epstein

 

Capitães de Abril é um bom filme para entender a revolução portuguesa, que neste momento da história quase não teve violência. 

Vale lembrar sempre que a conquista pela liberdade teve uma preço e, às vezes, a vida de uma pessoa. Manter a memória viva é muito importante para que os jovens tenham consciência de como foi conquistada a liberdade. Catarina tem razão. Só sentimos falta da liberdade quando nos falta!